O novelo

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

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Charge do Zé Dassilva: Ninguém precisa saber

            Justiça das justiças seria, em tempos menos enevoados, acabar para sempre com a confusão feita hoje entre o papel específico da Justiça Eleitoral, com seu ordenamento próprio, muitos deles aplicáveis especificamente apenas em período eleitoral de campanhas, e o que entende o Supremo, em nome daquilo que acredita como defesa da democracia. Eis aqui o que resume o texto do advogado Nicolau da Rocha Cavalcanti, publica no Estadão (27 de agosto) sob o título “A confusão feita pelo STF”. Talvez, esse seja o grande tema a ser levado em consideração nesses dias de judicialização geral do país e num momento em que o atual governo lança e anuncia, publicamente, a abertura da temporada de campanha política rumo a 2026 com o lema: “O Brasil é dos brasileiros”.

          A confusão entre a jurisdição eleitoral e a jurisdição constitucional não é apenas técnica; é sintoma de um país vivendo uma “campanha permanente”, onde tudo vira disputa, inclusive, o sentido da lei. A Justiça Eleitoral nasceu para garantir igualdade de condições no jogo, não para arbitrar o jogo inteiro.

          O Supremo foi concebido para a guarda da Constituição, e sua intervenção é excepcional, quando há questão constitucional relevante. Entre ambas, a Constituição esculpiu um encaixe delicado: o TSE decide, em última instância, salvo matéria constitucional, quando então cabe extraordinário ao STF.  Quando esse encaixe se rompe, a política escorre para os tribunais e os tribunais reagem politizando-se, mesmo sem querer. O resultado é uma dupla erosão: a confiança pública e a previsibilidade das regras.

          No ambiente de 2026 à vista, cada ato de governo ou oposição é lido à luz do pleito, e o contencioso vira arma retórica. A Justiça Eleitoral possui poder regulamentar para dar execução fiel às leis, por resoluções, desde que não inove o ordenamento. Isso é crucial: “regulamentar” não é “legislar”.

          Quando resoluções parecem criar obrigações novas, o sistema range e o debate migra ao STF. É nesse vaivém que nascem acusações de “ativismo” de parte a parte. Mas ativismo e judicialização não são sinônimos: judicialização decorre da Constituição generosa em direitos e do déficit de resposta política; ativismo é escolha interpretativa de maior intensidade.

          No Brasil, a judicialização aumentou porque a política terceirizou decisões impopulares e porque a sociedade recorreu aos tribunais para concretizar direitos. O problema é quando a exceção vira regra e o rito eleitoral se confunde com a tutela da democracia como um todo. A tutela da democracia não é um cheque em branco; ela precisa de base normativa clara, motivação estrita e proporcionalidade.

           O TSE guarda o processo eleitoral; o STF guarda as cláusulas constitucionais que lhe dão sentido. Quando o debate é sobre “como fazer campanha”, estamos no campo do TSE; quando é sobre “quais liberdades limitam o como”, toca-se o STF. No regime brasileiro, propaganda eleitoral tem janela legal definida e limites materiais.

           A pré-campanha admite manifestações sem pedido explícito de voto, mas não autoriza abuso de meios ou confusão entre Estado e candidatura. Nessa fronteira, o “poder de polícia” eleitoral precisa ser acertivo, e não difuso. A anualidade eleitoral exige que mudanças de regras não valham às vésperas, protegendo segurança jurídica. Quando a política opera como se a campanha já estivesse em curso, cresce o incentivo a “resolver no tribunal” o que deveria ser resolvido no debate público. E os tribunais, pressionados por desinformação e hostilidade, tendem a ampliar autodefesas institucionais.

           Exemplo eloquente foi a validação do inquérito sobre ataques ao STF, em meio a agressões coordenadas: um remédio duro, que seguiu vivo por emergência institucional. Na esfera eleitoral, decisões de alta repercussão como a inelegibilidade do ex-presidente por abuso de poder e uso indevido de meios de comunicação demonstram a potência e o custo dessas respostas. O custo é político: cada sanção vira narrativa de perseguição para uns, de higiene democrática para outros. O ganho é normativo: o sistema reafirma que há linha divisória entre Estado e projeto eleitoral.

           O desafio é calibrar.Calibrar é aplicar regra com proporcionalidade, transparência e deferência democrática. Deferência democrática significa respeitar escolhas políticas legítimas, sem abdicar do controle de constitucionalidade. Proporcionalidade ao escolher a medida menos intrusiva para proteger a igualdade do pleito. Transparência para fundamentar decisões com critérios replicáveis, acessíveis e previamente conhecidos. A confusão atual nasce também da arquitetura da comunicação em redes, que tensiona o tempo do Judiciário. A Justiça decide em meses; a opinião pública move-se em horas.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos.”

Salvador Allende

Salvador Allende. Foto: Agência Senado

 

História de Brasília

Atitude de lucidez e honorabilidade, a das professôras primárias. Suspenderam a greve, porque entenderam que o professor não é profissional para regime de fôrça ou de imposição. Resolveram aguardar as providencias do govêrno com a construção de novas residências. (Publicada em 09.05.1962)

Males da burocracia

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Foto: Sérgio Lima/Poder360 – 2.out.2019

 

Um pouco mais de 1,4 milhão de pessoas exercem hoje, em nosso país e de forma regular, a atividade de advocacia. Isso dá uma média de um advogado para cada 140 brasileiros. Trata-se de uma das maiores proporções de advogados por habitante do planeta. Talvez perca para a populosa Índia, que conta hoje com aproximadamente 2 milhões de causídicos. Esse fenômeno pode fornecer uma pista para entendermos parte da própria dinâmica das relações sociais em nosso país. Talvez, por isso, milhões e milhões de processos, de todos os tipos e de todos os tempos, acumulam-se hoje nos diversos escaninhos do Estado. Muitos desses processos irão ser deixados às calêndulas, extintos por decurso de prazos e outros males da burocracia.

Ocorre que, no meio desse baú, existem também aqueles processos, cujos protagonistas são servidos pelos melhores escritórios da praça, onde os honorários justificam a defesa a qualquer custo. Esses, obviamente, chegam a termo em tempo recorde e sempre em atendimento à nobre defesa. Com isso, também,são formados nichos de escritórios de advocacia, cujo esplendor econômico advém honorários impublicáveis.

Numa situação dessa natureza, boa parte da dinâmica das relações sociais acaba sendo alterada, pois a justiça passa a ser exercida por um pendor econômico, atendendo assim àqueles que estão acordados, ou seja, com boa retaguarda, deixando a maioria que dorme, ou seja, aquela que apenas sonha com justiça, deixada na beira da estrada.

Essa constatação lança luz sobre uma realidade complexa e desconcertante do sistema jurídico brasileiro: a impressionante quantidade de advogados e a enorme judicialização da vida social, em contraste com o precário acesso à justiça para a maioria da população. A proporção de advogados e a excessiva judicialização de tudo é um fenômeno nosso. Essa realidade mostra uma cara do Brasil onde a sociedade é fortemente judicializada. Não se trata aqui de justiça, mas de querelas judiciais. Isso pode indicar tanto um elevado grau de litígio nas relações sociais, quanto uma estrutura institucional que empurra os conflitos para a via judicial por falta de soluções administrativas ou alternativas extrajudiciais eficazes (como a mediação ou conciliação).

A justiça de baixo clero pouco interessa aos advogados. Pois hiper judicialização não significa, no entanto, acesso efetivo à justiça. Pelo contrário: revela uma disputa desigual por esse acesso. A massa de processos que se acumula nos escaninhos do Judiciário, muitos dos quais fadados à prescrição, mostra um sistema lento, sobrecarregado e seletivo. Existe, de fato, uma desigualdade no acesso à Justiça em nosso país, embora tenhamos uma das justiças mais caras do planeta.

Temos, do ponto de vista da sociologia, uma sociedade onde uma minoria está desperta e atuante, contra uma maioria que dorme, formada por cidadãos comuns, sem recursos ou representatividade, cujos pleitos se perdem na morosidade kafkiana da máquina judiciária. “Dormientibus non succurrit jus”, diz a máxima latina do Direito.

Aqueles, amparados por escritórios caros e especializados, obtêm decisões rápidas, estratégicas e, por vezes, moldadas à conveniência de seus interesses econômicos ou políticos. Nada disso é novidade entre nós, embora continue sendo uma prática absurda. Esse retrato espelha ainda um fenômeno mais amplo: a mercantilização da justiça, em que os direitos tornam-se proporcionalmente acessíveis à capacidade de pagamento dos indivíduos.

A equidade, princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, é fragilizada, se não ignorada. Com isso, temos a violência e corrupção como pano de fundo de um Brasil adoecido. Essa análise se torna ainda mais crítica ao ser contextualizada com dois traços estruturantes da sociedade brasileira: a violência e a corrupção endêmica. Somos, de fato, uma das sociedades mais violentas do mundo, com taxas elevadas de homicídios, desigualdade social aguda e uma sensação crônica de impunidade. A corrupção, disseminada em todos os níveis — do poder executivo aos pequenos órgãos administrativos —, distorce o funcionamento das instituições, inclusive do Judiciário. Quando as decisões judiciais passam a ser percebidas (ou de fato são), orientadas por interesses econômicos, políticos ou corporativos, isso mina a confiança pública no sistema e alimenta o descrédito da lei. Temos advogados de mais e justiça escassa.

Essa justiça seletiva reforça a desigualdade, perpetua a violência estrutural e institucional, e gera uma sensação de orfandade cívica para grande parte da população. Em vez de promover a pacificação social, o sistema acaba sendo um fator de perpetuação do conflito.

 

A frase que foi pronunciada:
“A burocracia dá à luz a si mesma e depois espera benefícios de maternidade.”
Dale Dauten

Dale Dauten. Foto: dauten.com

História de Brasília
O DTUI está com uma mostra excelente do que está fazendo, e do que não pode fazer. Não está, entretanto, ao seu alcance, o que é mais essencial: a compra de cabos para instalar novos aparelhos. (Publicada em 04.05.1962)