Vida e morte da cidade

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada desde 1960 por Ari Cunha (In memoriam)

Hoje, com Circe Cunha e Mamfil – Manoel de Andrade

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Imagem: Esboço do Plano Piloto de Brasília — Foto: Arquivo Público do Distrito Federal/Fundo Novacap

 

Consequências são tudo o que vêm depois. Assim ensina a prudência. No caso do respeito às normas do planejamento urbano, essencial para a existência de uma metrópole dentro dos limites do bom senso, as consequências da má ingerência e da politização no trato das questões urbanas são o que pior pode acontecer para uma cidade. Até mesmo cidades que foram arrasadas por bombardeios, durante as guerras, possuem muito mais capacidade de se reerguerem do que aquelas que foram lentamente deturpadas por intervenções urbanas fora dos limites do planejamento urbano. Vejam o caso, por exemplo, das grandes capitais da Europa, praticamente postas abaixo pela I e II Grandes Guerras. Com o fim dos conflitos, a quase totalidade delas foi sendo reconstruída com o mesmo esplendor do passado. O motivo: o respeito pelo passado e uma estrita observação dos parâmetros do urbanismo.
Ao observar fotos antigas das cidades de São Paulo ou do Rio de Janeiro, das décadas 40 ou anterior, a primeira coisa que chama a atenção nessas imagens é que tudo parece estar no seu devido lugar. As ruas estão limpas, as calçadas são largas, o trânsito flui com ordem, as pessoas parecem caminhar com tranquilidade e há toda uma ideia de harmonia e conjunto. Nos parques públicos, o paisagismo se mistura com monumentos e esculturas por todo o canto, ladeando jardins bem desenhados. Há chafarizes e pequenos lagos a enfeitar os ambientes e uma perfeita sincronia entre o bucólico e o espaço comercial e residencial. Os edifícios, formados por casarios que juntam a arquitetura neoclássica com o estilo colonial, estendem-se por ruas bem arborizadas, que convidam o público ao passeio e desfrute de um ambiente bem pensado.
No caso de Brasília, as fotos e imagens antigas do começo das décadas de sessenta e setenta mostram uma capital onde se podia observar, com exatidão, quais eram as  propostas do projeto urbano original para a cidade. Lúcio Costa, o idealizador desses espaços, conhecia bem as necessidades de uma cidade e sabia da importância em agregar espaços vazios e cheios, áreas verdes e áreas construídas. Dosando seu projeto de sons e silêncios, vitais para uma grande sinfonia arquitetural. Pena que, hoje em dia, muitos habitantes e administradores, que para cá vieram tardiamente, não tenham a clara percepção da importância, ou mesmo a sensibilidade, em manter as raízes do projeto original. A necessidade em preservar o original é para que Brasília não se transforme numa cópia mal feita das muitas metrópoles brasileiras.
As cidades, assim como as pessoas, possuem vida própria, mas precisam, antes de tudo, serem bem encaminhadas, para que não se percam nos descaminhos da vida. Infelizmente é isso que vem ocorrendo com a capital ao longo dos últimos anos. Depois da emancipação política de Brasília, num processo em que se visava apenas a criação de uma instância política e burocrática, para atender parte de uma elite de forasteiros local, a capital passou a sofrer um processo desordenado de crescimento, com ocupação irregular de imensas áreas públicas, com a criação de enormes bairros, na maioria sem qualquer planejamento ou previsão, levando a cidade a um inchaço populacional, sobrecarregando toda a infraestrutura existente e criando os mesmos problemas já presentes em outras cidades brasileiras.
Desde o início, essa coluna se posicionou contra as interferências políticas e ocasionais ao projeto original da capital, pois já previa que a cidade, desejada e cobiçada pelos políticos, distanciava-se milhões de léguas daquilo que pretendiam seus idealizadores originais e mesmo pela parcela dos candangos que para aqui se transferiram nos anos sessenta. A descaraterização da cidade é hoje um fato que vai sendo materializado aos poucos, bem debaixo de nossos olhos. Hoje, as centenas de barracos de lata, instaladas em todo o Plano Piloto, inclusive nas paradas de ônibus, ao longo das Avenidas W3 Sul e Norte, mostram que o processo de envelhecimento precoce da capital já foi iniciado. A ocupação, cada vez mais atrevida, dos carros sobre as áreas verdes, com a criação de estacionamentos irregulares, também vai se fazendo lentamente, prejudicando os espaços bucólicos que são de todos.
Não se iludam: essas pequenas e, aparentemente, inocentes, descaracterizações da cidade, marcam um prenúncio da decadência geral que virá a seguir e que, em pouco tempo, decretará a morte dessa senhora de pouco mais de 60 anos, por falência múltipla dos órgãos. Quando isso acontecer, nenhum dos personagens que colaboraram, direta ou indiretamente, para esse acontecimento virá se sentar no banco dos réus.
A frase que foi pronunciada: 
“Deus está nos detalhes.”
Ludwig Mies Van Der Rohe
Ludwig Mies van der Rohe. Foto: archeyes.com
História de Brasilia 
É que os deputados não se negam a assinar, e , enquanto isso os funcionários vão pedindo para ser requisitados. Uma boa medida seria o comissionamento sem vencimentos para receber na repartição que passa a servir. (Publicada em 27.04.1962)

Feliz Brasília

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O Brasiliense. Fotografia: Ivan Mattos (@ivanmattos_)

 

         Como sede do poder, é natural que Brasília tivesse destinada a se tornar o centro de onde emanariam as principais questões da política nacional. No entanto, para uma República que vem aos tropeços, desde sua instalação em 1889, Brasília se tornou, além de centro irradiador dos temas políticos nacionais, foco de apreensão por parte dos brasileiros, devido às seguidas e sérias crises institucionais.

         É preciso mais do que um exercício de abstração para deixar de lado essas crises, que nos acorrentam ao terceiro mundo, para tratar apenas do aniversário de 63 anos dessa que é, definitivamente, capital de todos os brasileiros. Vale relembrar que, entre as justificativas postas, ao final dos anos cinquenta, e que melhor respondiam o motivo oculto para a transferência da capital, do Rio de Janeiro para o longínquo interior do país, estavam justamente essas: afastar da cidade maravilhosa todas as nuvens cinzentas, manter distância da atuação atabalhoada dos políticos brasileiros, seus escândalos e sua pouca atenção com fatos que realmente interessavam a população.

         Havia, mesmo que longe do público, o desejo secreto de banir a classe política para longe. Com isso, sonhavam seus articuladores, a cidade do Rio de Janeiro voltaria a ter sossego e paz, livrando a capital também dos gastos e das exigências absurdas feitas pelos políticos. Não era para ser diferente.

         Naquela ocasião, era comum encontrar um político nas praias e cassinos e não no local de trabalho. Bani-los para bem distante seria uma boa medida. Quem sabe, naquele vazio do Centro-Oeste, nossa classe política passasse a tomar maior consciência da realidade sofrida de nosso país, empenhando-se em trabalhar para um futuro melhor para todos.

         A chiadeira maior contra a transferência vinha justamente por parte daqueles que se viam prejudicados com a mudança. Obviamente que essas razões eram mantidas longe do conhecimento do público e dos eleitores. Felizmente, para os brasileiros que para aqui vieram e se estabeleceram, essas eram questões que não tinham importância alguma para seu cotidiano, já que, lá no Rio de Janeiro como aqui em Brasília, o mundo político estava situado em outro universo, distante dos brasileiros.

         Foi desse modo que Brasília, e com esse desdém recíproco, que a nova capital foi se consolidando como cidade aberta. Havia, como ainda hoje, uma Brasília para os moradores e uma outra cidade paralela que pertence aos políticos que por aqui andam em revoada de terça a quinta-feira.

         Não há uma ligação de irmandade entre esse e aquele mundo. O único traço a unir a nossa classe política e a cidade são os empregos diretos e indiretos que essa atividade gera na nova capital. Portanto, a Brasília que interessa nesses seus 63 anos de vida é aquela ligada aos brasilienses que tomaram a cidade como seu lar.

         Tirando o fato de que o projeto inicial foi seriamente desvirtuado pela ação dos políticos locais, que a lotearam de forma irresponsável, Brasília é hoje, sem nenhuma ressalva, a cidade brasileira com os melhores índices de qualidade de vida. Não é por outra razão que muitos políticos que para aqui vieram exercer seu métier, uma vez longe do poder, passam a fixar residência no Planalto Central.

         A Brasília que nos interessa hoje no seu aniversário é, para muitos, aquela que vimos crescer a cada dia, como nós, como uma irmã. Aquela que assistimos as primeiras árvores e os primeiros gramados serem plantados. Gramados que o Departamento de Parques e Jardins (DPJ) nos impedia de pisar. Um cidade em que tudo era novidade, a começar pelas pessoas que vinham de diferentes lugares e com histórias e sotaques diferentes. A cidade que não possuía mar, mas que era banhada por um céu imenso, aberto e multicolorido. Uma cidade onde tudo era novo, até a maneira de viver. A solidariedade, as amizades, educação pública, tudo de todos. Uma cidade onde o térreo não era de ninguém e de todo mundo ao mesmo tempo. Uma cidade que aprendemos a amar como coisa nossa e que, muito mais do que uma capital, no sentido político, foi a casa que encontramos para nela depositarmos nossas vidas, escrevendo nossas memórias e enterrando nossos candangos e pioneiros queridos, um a um, nesse solo vermelho. Esperamos pacientemente, quem sabe, pelo nosso tempo, sentados sob a sombra de um guapuruvu ou flamboyant, observando o que Brasília fornece de assunto a cada dia, em seu Correio Braziliense. Feliz Brasília, caro leitor!

A frase que foi pronunciada:

“Que os homens de amanhã que aqui vierem tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra.”

Mensagem deixada na construção da Câmara dos deputados pelo operário José Silva Guerra

Foto: camara.leg

História de Brasília

Quem disse até agora sobre o dr. Jânio, foi o professor Carvalho Pinto: “Está encerrado o assunto renuncia. Vamos trabalhar, porque os problemas são muitos…” (Publicada em 18.03.1962)

Política como arte do amparo

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Arquivo Pessoal

 

         É certo que a arte de fazer política, na verdadeira acepção da palavra, não é exclusividade dos políticos profissionais. Na realidade, muitos desses políticos que aí estão não entendem o que vem a ser a verdadeira política. Se entendem, não a praticam, preferindo exercer um cargo de status para dele retirar e desfrutar as benesses para si.

         Exercem mandatos, tendo em mira objetivos egoístas, como o enriquecimento material e a satisfação do ego. Auxílios que são bancados com o suor do povo brasileiro e que em outros países são absurdos e inimagináveis.

         Muitos brasileiros comuns, afastados das luzes dos holofotes e dentro das limitações que lhes são próprias, exercem, às vezes sem saber, a práxis política em toda a sua inteireza e com grande galhardia, sem disso retirar proveito próprio ou buscar satisfação para o sempre enganoso ego. São cidadãos desconhecidos, espalhados por todo esse imenso país, que têm no seu dia a dia o costume, e mesmo o caráter, de se entregar espontaneamente em favor do próximo, realizando pequenos trabalhos que resultam sempre no desenvolvimento de sua comunidade.

         Nem mesmo a falta de recursos desanima esses brasileiros de exercer uma função social, realizando o que pode ser definido como verdadeira política. No início da construção de Brasília, muitos daqueles que para aqui vieram se estabelecer, em busca de uma vida nova, tinham, como prática normal, a ajuda aos novos candangos que chegavam, auxiliando-os na busca de empregos,  alojamento e outras necessidades. Essa era uma prática constante e muito comum, que ajudou a cidade no fortalecimento dos seus laços sociais.

         Nessa época, não importava a função exercida pela pessoa, todos se amparavam, pois sabiam no fundo, que a concretização definitiva da capital só seria possível se todos se irmanassem num objetivo comum. Realizavam assim a verdadeira política, fortalecendo a cidadania. A fundação da capital teve, nesse alicerce humano, seu mais significativo pilar.

         Também eram tempos diferentes e em que os escândalos políticos, mesmo por sua insignificância, comparados aos de hoje, pareciam ter ficado para trás, na antiga capital, o Rio de Janeiro. Por essas bandas, perdidas no interior do Brasil, buscavam os migrantes não apenas uma nova capital material, mas, sobretudo, um novo homem e mulher brasileiros, capazes de deixar para as próximas gerações um país reformado e fundado no seu sentido moral e ético.

         Milhares dessas histórias podem ser aqui mencionadas, contando as dificuldades daquela época e como as pessoas comuns, ou nem tanto, apoiavam-se mutuamente para fazer frente a esses desafios. Exerciam, assim, a política que interessa e que produz resultados reais. Muitos também que estão hoje em posição de destaque nessa cidade podem testemunhar o quão foi preciso a ajuda recebida e a mão solidária daqueles idos dos anos sessenta.

         Da mesma forma aqueles abnegados benfeitores não faziam alarde de sua atuação em prol de seus semelhantes. Não vale aqui citar nomes, até para não ter que cometer a injustiça de deixar outros personagens de fora. Mas do que vi e vivi desse tempo de colonização do Centro-Oeste, deixo aqui o testemunho real e sem fantasias, de quanto o meu pai, jornalista, fundador desse jornal e dessa, talvez mais antiga coluna do mundo, fez por Brasília e, principalmente, por sua gente, defendendo a cidade para que não fossem perdidos seus princípios norteadores, angariando com isso muitos admiradores e, obviamente, alguns detratores também.

         Lembro ter presenciado, por diversas vezes, sua sala de trabalho no jornal, abarrotada de pessoas que buscavam amparo de todo o tipo. Todos recebiam sua atenção. Ao passear com Ari Cunha, já estava acostumada a fazer o mesmo percurso que os outros por mais tempo. Todos queriam conversar com ele, dar sugestões de nota, agradecer pelo que ele havia escrito.

          Uma multidão se aglomerou no cemitério, ao contrário do que ocorrem com o velório dos políticos profissionais, quando a multidão vai ao cemitério apenas para se certificar de que o político morreu mesmo. Na despedida, todos da família ouviram o quanto ele ajudou. O primeiro emprego, a bronca que transformou a vida, o terno dado para que o repórter pudesse cobrir o parlamento, o inimigo de suas palavras confessando, hoje, que Ari Cunha tinha razão. Assim, não foram poucos os que ajudou a dar os primeiros passos na cidade. Exercia a política sem ser político, apenas cidadão. Nunca fez alarde dessa sua atuação e nunca buscou proveito próprio para si ou os seus. Sabia, por experiência, que jamais deveria ficar devendo algo a alguém, pois entendia que essa liberdade lhe dava o direito de criticar as autoridades. Não devia favores, prestava, isso sim muitos favores e isso lhe dava alegria.

         Ainda hoje, não são poucos os leitores e não leitores que conversam conosco reconhecendo o amparo e a ajuda recebida de meu velho pai. Nunca quis nada em troca. Não aceitava bajulações. Recebeu muitas medalhas em vida. Respeitava as homenagens, mas isso não lhe tirava o ego do lugar, nem alterava o tamanho.

          Morreu sem dívidas e sem riqueza material, embora as oportunidades fossem muitas. Exerceu a profissão de jornalista como poucos nesse país. Como um político, no sentido solidário e humano, foi um exemplo.

A frase que foi pronunciada:

“Vamos aguardar que as melancias se acomodem na carroça.”

Ari Cunha

Foto: arquivo pessoal

 

História de Brasília

Mais uma contra o povo, apresentada pela ponte Rio-Brasília. Se uma pessoa desejar interromper o percurso em Belo Horizonte, a passagem para o Rio ficará em Cr$ 9.300,00, enquanto que o Viscount cobrava Cr$ 8.700,00. (Publicada em 17.03.1962)