Desde 1960 »
Com Mamfil e Circe Cunha
Da posse como presidente da República em 1º de janeiro de 2003 até 10 de maio de 2017, quando estará, frente a frente com o juiz Sérgio Moro prestando depoimento, Luiz Inácio Lula da Silva terá consumido exatos 5.243 dias de sua fulminante trajetória, indo da Terra ao céu e deste ao inferno, descrevendo, tal qual uma bala de canhão, uma parábola perfeita. Posto contra a parede na condição de acusado de crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, obstrução da justiça e outras modalidades graves do Código Penal, Lula vai cumprindo, à risca, o figurino que costurou para si quando afirmou ser metamorfose ambulante.
Da glória à antessala do catre, ao longo desses incontáveis dias, também a história recente da nossa República sempre velha fez o que parece ser o último desfile diante de todos os brasileiros. Com Lula desmorona também o Estado tal como concebido e aviltado pela classe política ao longo destes anos. Do Cristo Redentor que decolava como um foguete Saturno rumo à galáxia do Primeiro Mundo, restou ao Brasil dar uma meia volta e retornar à condição natural de “pouca saúde e muita saúva”, como já aludia, no início do século passado, o escritor Monteiro Lobato.
Nesses milhares de dias que nos separam daquele janeiro de 2003, o país permaneceu, boa parte do tempo, como que suspenso no ar, pendurado por uma sequência frágil de narrativas que iam se sucedendo. A cada novo escândalo revelado correspondia uma nova versão. De narrativa em narrativa, chegamos ao que parece ser a derradeira falácia da “consumação do golpe”, em que as elites tentam impedir, com Moro, que Lula retome o controle do governo e reacenda a chama apagada do foguete altaneiro.
Eleito o personagem antípoda da ocasião, o famoso juiz de Curitiba é descrito na Bíblia dos crédulos como o representante das vilezas da direita. Despidas, uma a uma, as versões vão mostrando a verdadeira face de uma República que nunca saiu do chão miserável de terra batida. A mesma e velha República que sempre olhou de longe, através das janelas de cristais, o povo miserável vagando pelas ruas. Neste dia, caso ainda se sustente a data para a prestação de contas, quem vai se sentar também ao lado de Lula no banco dos réus é a fulanizada República, repleta de antigos vícios e de mentiras públicas.
Levada com o vendaval Lula, vai estar ainda toda uma nação embromada e atônita. Filiados abrirão os olhos e retomarão a consciência de que até agora serviram de títere. Além dos filiados, dos personagens arrastados por Lula para os tribunais, há um que se destaca. Ele mesmo. E ocupará o lugar de destaque na cadeira dos réus. Ele e toda a esquerda brasileira, ou pelo menos aquela parte que apoiou a fantasia mesmo sabendo que, por trás do pano, era tudo encenação e engodo.
No tribunal estarão presentes também os velhos fantasmas do conservadorismo político, que aderiram de pronto ao lulopetismo desde o tilintar da primeira moeda. Conhecendo a covardia daquele que em nenhum momento foi capaz a prestar a mínima solidariedade aos companheiros presos por sua causa, não surpreende que Lula venha atiçar, numa estratégia final, seu exército Brancaleone na tentativa de constranger quem ousa intimá-lo.
Quando for aberta a sessão de depoimentos, 5.243 dias de 1º de janeiro de 2003 até hoje terão se passado desde aquela manhã distante quando se agitavam as bandeiras vermelhas da cor do coração. Foi naquele dia que a metamorfose ambulante subiu apressada a rampa do Planalto.
A frase que não foi pronunciada
“Ou dá, ou desce.”
Fazedores de corrupção
Carta
» Leitor reclama da Casa Nordestina no Paranoá. Está ótima, ampliada, com produtos que atendem a todos os gostos. A fila no caixa anda rápido. Mas, quando pedem nota fiscal, a coisa se complica. Até sai, mas depois de testar a paciência do consumidor.
Acertado
» Muita gente vai agradecer ao senador Jorge Viana pela iniciativa da lei que torna o estupro crime imprescritível. “Estou acrescentando o crime de estupro por conta das características que ele tem. Tem mulheres que sofrem o estupro quando ainda são muito jovens e só vão ter coragem de denunciar 40 anos depois, quando viram avós. Então, se a gente mandar um recado para os criminosos, dizendo: olha`, se cometer um crime de estupro, não importa quanto tempo passe, você vai pagar por ele´, eu acho que a gente ajuda a melhorar a nossa sociedade”, disse Jorge Viana. Atualmente os crimes imprescritíveis trazidos na Carta Magna são o de prática de racismo e o de ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o estado democrático.
Outros tempos
» Lendo a historinha publicada em 1961, logo abaixo, muita coisa mudou. Para a Justiça nunca faltará beca. Mas, apesar de estar previsto em lei que cabe ao Estado prover o uniforme prisional, na realidade a família dos presos providencia a roupa branca e a sandália havaiana da mesma cor. Se não chegar, o encarcerado espera de cuecas.
História de Brasília
A sessão de ontem do Tribunal do Júri de Brasília não pôde se realizar porque não havia beca para os advogados. (Publicado em 27/9/1961)