Expressões de um tempo

Publicado em ABERTURA

Quer pela repetição, quer pela escolha pinçada de cada uma para expressar situação específica, as palavras e frases acabam ficando como marca de um tempo, como rótulos a indicar e a resumir determinada fase de nossas vidas. Para o espectador atento, cada uma dessas palavras e expressões tem o poder de condensar histórias inteiras, narrando a saga e a desventura de toda uma civilização.

Expressões, como forças ocultas e trabalhismo, remetem ao período do governo de Getúlio Vargas, sinalizando as transformações que aceleraram a passagem do Brasil rural para o urbano, assim como a morte trágica daquele presidente. Da mesma forma, expressões, como ato institucional ou Arena, MDB e censura, são indicativas do período militar. Assim como abertura lenta, segura e gradual ou anistia sinalizam a fase posterior à de transição e o retorno ao regime democrático.

Colocadas dessa forma, quais palavras e expressões melhor caracterizariam a chegada, pela primeira vez na história, da esquerda ao poder? Quais seriam as palavras-chaves que abririam as portas da história do Brasil revelando o país dos últimos 10 anos?

Automaticamente, surgem os verbetes Lula, Partido dos Trabalhadores, esquerda, Fome Zero, Bolsa Família, sem medo de ser feliz. Passados os momentos de euforia, com a acomodação da poeira, vieram os primeiros sinais de que a República voltava à casa das velhas práticas. Nesse período, a profusão de palavras e o boquirrotismo tomaram conta da vida política.

Palavras voavam de lado a lado. Em 2005, o neologismo mensalão invadiu a vida dos brasileiros e expos, de forma inusitada, as entranhas das negociações políticas. CPI dos Correios, Marcos Valério, Dirceu, Jefferson, corrupção, base aliada, compra de votos. No mesmo período, as expressões “nunca antes na história desse país”, “Eles contra a gente”.

Nesse ponto, aquele que se declarou filho de uma mulher que nasceu analfabeta, reinava sozinho na Presidência e no palanque. Com a popularidade em alta, as ações do governo saíam diretamente do departamento de marketing para o Diário Oficial, duravam o tempo necessário para outro programa, do tipo factoide, ser proclamado. “Transposição do Rio São Francisco”, obra sonhada por D. Pedro II, e “herança maldita” eram as expressões da época. Outro fenômeno trazido ao país foi o fim da família, o aborto, negros versus brancos, héteros versus homos, ricos versus pobres e os versus continuam.

Depois viriam as expressões “mãe do PAC”, “Minha Casa Minha Vida”, “nova matriz macroeconômica”. Seguiram-se as expressões “petrolão”, Petrobras, fundos de pensão, Operação Lava-Jato, Sérgio Moro, Polícia Federal, recessão, desemprego recorde, financiamento ilegal de campanha, prisão preventiva, empresários, propinas e outras que remetem à necessidade de punição.

Também expressões como “refuto, veementemente, as aleivosias assacadas contra mim”, “nego as acusações”, “não conheço e nunca mantive contato com o personagem citado”, “nego”, “trata-se de perseguição política”, entre outras do mesmo gênero. Também merecem ser citados os verbetes: “Saúdo a mandioca”, “mulher sapiens”, “impeachment” — pérolas indicativas de um tempo que os brasileiros dignos querem ver encerrado enquanto ainda é tempo.

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