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Outro homem

Simpático, o papa Francisco disse a que veio. Sem discursos vazios, prefere mostrar com a própria vida a sugestão que oferece para o rebanho que segue Jesus Cristo. Deixa bem claro que o que ensina não é dele e quem o ouvir é a Cristo que deve responder. Trata de temas modernos, como meio ambiente, consumismo, homoafetividade. O papa surpreendeu quando, com o apoio da mídia, disse que a juventude fosse contra a maré e não tivesse medo disso. Contra a maré exatamente do que os meios de comunicação pregam. Violência, desavença, orgulho, vaidade, traição, ganância. Basta ligar a TV dois minutos e ver o que acontece. E o Ibope não tem como negar.

O índice de popularidade do papa é alto. Estamos em um país onde a descrença é generalizada tanto nos dirigentes quanto nas instituições. A cada dia, a fúria pelos lucros e o desespero pelo ter vão deixando o planeta mais inóspito ao próprio homem. A entrevista do papa Francisco dada à Civiltà Cattolica se apresenta como oásis em meio a um deserto de incertezas e angústias que vive a humanidade neste começo de século.

Ele fez diferente. É normal pôr uma igreja contra a outra, desde a escola dominical ou o catecismo até os sermões. Um precisa dizer que é melhor que o outro. Uma firma de mãos juntas em que está no livro quem vai ou quem fica. Uma igreja não aceita a presença de outras religiões no seu templo. Quando aceita, quer fazer o impossível para arrebanhar o visitante. Mais uma vez, o papa vai contra a maré.

A fala do sumo pontífice soa como chamamento do indivíduo para além das miudezas humanas, num mergulho no mais profundo de si mesmo, capaz de fazer emergir num mundo à altura dos sonhos. Ao se definir como “pecador para quem o Senhor olhou”, o papa se iguala ao homem comum de pés descalços sobre a terra e olhar fixo no céu “misericordiando”. Quando afirma que “precisa viver a vida junto dos outros”, põe às claras um ecumenismo que não é somente religioso, mas, acima de tudo, humanista.

Esse sentido lembra as reflexões do sacerdote, paleontólogo e filósofo jesuíta Teilhard de Chardin, que, ao buscar conciliar a teoria da evolução deDarwin com a doutrina católica, mostrava a síntese do que acreditava ser o verdadeiro humanismo, em que o espírito e a dignidade humana ultrapassam a matéria. Como jesuíta, Francisco, eleito papa, “foi chamado a exercer”, “Non coerceri a Maximo, sem contineri a minimo divinum est” (Não estar constrangido pelo máximo, e, no entanto, estar inteiramente contido no mínimo, isso é divino). É como alguém que está no luxuoso palácio e vê, através de uma pequena janela, todo o horizonte pela frente, maior e mais significativo.

Desse mesmo modo, a cada um é dada a possibilidade de ver a Deus a partir do próprio ponto de vista. Com essa visão é que o papa pretende reformar a Igreja. “Será sempre necessário tempo do discernimento para lançar as bases de uma mudança verdadeira e eficaz.” Na “leitura dos sinais dos tempos”, Francisco deixa claro que, ao posicionar hoje Cristo e a Igreja como centro, é possível adquirir o equilíbrio fundamental que torna possível viver na periferia, certo de que a Igreja não é uma entidade autossuficiente e distante do mundo.

Nesse sentido, Igreja é missão. No apostolado renovado, ao missionário é exigido que tenha o “pensamento aberto”, sem que as regras abafem o espírito. Entre as figuras jesuítas que mais chamaram a atenção do papa está o beato Pedro Fabro (1506-1646), pela capacidade de “diálogo com todos, mesmo os mais afastados e os adversários”.

Na administração da Igreja, diz, é preciso fazer consultas (consistórios e sínodos) antes de decidir. “Quero consultas reais, não formais”, prega. Ampliando a crença, afirma que “não existe plena identidade sem que se pertença a um povo” e que a Igreja, no seu sentir, deve, antes de tudo, estar no povo, que é sujeito e “infalível no crer”. Para ele a Igreja é a “totalidade do povo de Deus.” E continua: “Vejo a santidade no povo de Deus paciente: uma mulher que cria os filhos, um homem que trabalha para levar o pão para casa, os doentes, os sacerdotes idosos com tantas feridas, mas com um sorriso por terem servido ao Senhor, as irmãs que trabalham tanto e que vivem uma santidade escondida. Essa é, para mim, a santidade comum.”

Para os ministros da Igreja, Francisco recomenda: “Os ministros do Evangelho devem ser capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de saber dialogar e, mesmo, de descer às suas noites, na sua escuridão, sem perder-se. O povo de Deus quer pastores, não funcionários.” Muitos se afastam das igrejas porque até nelas impera uma burocracia desumana.

Na análise, a Igreja deve não apenas acolher, mas encontrar novos caminhos, saindo de si mesma, e ir ao encontro dos que, por qualquer razão, a abandonaram. Abrindo, portanto, um espaço para a reconciliação de todos. Nesse caso específico, Francisco admite que a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível. “Se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura de Deus, eu não sou ninguém para julgá-la”. Desse modo, em sua visão, é preciso considerar a pessoa a partir de sua condição própria.

Francisco reconhece com realismo que, nestes tempos de agora, “mesmo o edifício moral da Igreja corre o risco de cair como um castelo de cartas, de perder a frescura e o perfume do Evangelho”.

(Coluna originalmente publicada em 9/9/2013)

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Jeans quer justiça

Que é isso, companheiro? Barrar-me no tribunal só porque sou jeans? Pera lá! Eu escondi o joelho de muita gente importante. Gente trabalhadora e tida como trabalhadora. Escondi o joelho de intelectuais também. Por falar nisso, nunca mais vi ninguém daquela época. Vivia no meio do povo. Andando no poeirão brabo. Chegando a todos os confins desse Brasilzão de meu Deus.

Conheci gente das palafitas e dos barracos no morro. Conheci gente da China, da Rússia, de Cuba, da Polônia e de outros países interessantes. Conheci gente que não parecia gente. E muita gente boa também. Viajei com esse povo pra cima e pra baixo. Na mala, todo tipo de jeans.

Acho que quem se movimenta mais prefere um tecido que dura mais tempo limpo, pega no pesado, amassa pouco, esquenta quando precisa e esfria no calor. Jeans não é um tecido qualquer. Nasceu no ambiente da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Serviu a força motriz. Foi aparecendo devagarinho. Só gente que trabalhava muito gostava da gente.

Tenho orgulho de ser jeans. Cor bonita. Cor do céu. Agora, como tudo o que é moderno, precisei me adaptar. Posso ser pré-lavado, preto, branco, amarelo, vermelho, da cor de todas as raças. Estou pelo mundo.

Meu valor é tão grande que as madames me compram até rasgado. É um jeito preguiçoso de alcançar mais rápido aqueles que rasgaram de verdade porque estavam no batente. Se pudesse ter um carro, teria o adesivo: “Orgulho de ser jeans”. Ou, então: “Sou jeans, não esmoreço nunca”. Quando me passam pra frente é porque não aguentam mais. Mas de calça viro bermuda; de bermuda, short; de short, saia, bolsa e porta-lápis.

Quem me tem me adora. Quem me adora não me assume. Por isso, acho que foi uma falta de respeito me barrarem na mais alta Corte do país. Só porque sou jeans? Peça indumentária de 97,3% da população brasileira. Represento o caboclo, o peão, o trabalhador rural. Represento os estudantes deste país. Represento o partido que está sendo julgado neste momento. Na primeira convenção do PT, só tinha jeans. Ninguém foi barrado.

Vá às feiras. Todos os joelhos cobertos por jeans, nas universidades, nas ruas movimentadas das metrópoles. Jeans, jeans, jeans. Barraram-me. Isso vou precisar de um tempo para perdoar. Mesmo porque o filho de quem me barrou estava no cinema usando jeans.

Respeito não se faz pelo pano que cobre a pele. Taí, no que deu aqueles que tinham ideologia: convenceram os filiados do partido de que não precisavam ter medo de serem felizes. Foi só tirar o jeans que tudo degringolou.

Foi só me trocarem pela gravata que perderam o juízo, a raiz, a verdade. Preferiram os tecidos que cobrem o joelho de quem foi picado pela mosca azul. De quem se vende, de quem quer se dar bem a qualquer custo. De quem esbravejava nos discursos contra o que é hoje.

Blue como o jeans. Indigo. Indigno. Indignado. É assim que está o povo brasileiro. Não por causa do jeans que foi barrado. Mas por causa de quem esteve um dia dentro de um jeans. A Corte Suprema. Calça jeans. Um corte supremo. A tevê transmitia tudo. O jeans na telinha, misturado com traje social, não combinava. Social. Aquilo que pressupõe relações entre as pessoas, sociabilidade, modo de ser, de estar, de agir e de se manifestar. Quer algo mais social que o jeans?

Em uma roda de chope, passeando pelo parque, viajando, ou em protestos e passeatas. Eu era feliz e não sabia. Eu nunca tive medo de ser feliz. Comia poeira, passava horas em reuniões infinitas. Ouvia o povo falando errado e achava bonito. Povo de verdade. Aquele da mão grossa, cheia de calos. Gostava também do povo com calo na cabeça. Que usava óculos fundo de garrafa.

Acreditava que um mundo melhor seria possível. Seria possível o social. Deixar os pobres menos pobres. Acabar com a fome. Mas, cá entre nós, muitas dessas ideias nasceram também por quem não gostava de jeans.

A diferença é que uns queriam se dar bem, outros queriam que todos se dessem bem. Agora, não. Tradição é o que interessa. Jeans está fora do que é justiça porque ela não gosta de jeans. Interessante que o assunto tratado no STF é a ética. A vergonha na cara.

Tenho certeza de que eu era o que menos interessava ali. Estava enganado. A Justiça não é cega coisa nenhuma. Justiça que escolhe a roupa do povo é porque enxerga sim. E muito bem.

Conheço muita gente que por baixo dos panos não é nada do que parece ser. A roupa não é tão importante quanto a pele. Por baixo da pele é que se esconde um coração, umpensamento, um fígado. Por vestir jeans e blusa branca, a ex-senadora Heloisa Helena foi barrada várias vezes no Senado.

Aqueles que usam jeans, quando estão em casa, aprenderam a julgar as pessoas pelas roupas. É por essas e outras que os ladrões preferem terno e gravata. Assustam menos, passam por onde querem e roubam sem ser molestados. Já que enxerga, abra o olho e faça justiça!

(Coluna originalmente publicada em19/8/2012)

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Até a quinta geração

A questão não é que os ricos estejam no poder. É que o poder os deixou ricos. Mas agora são ricos e perdem o poder em um tempo em que novas ideias nascem iluminando a razão. Eventos atrás de eventos prometem mudar o quadro político e social do país. O antigo regime não vai subsistir. Não é possível que gastem enormes quantias para sustentar privilégios, ou gastos com armas para apoiar guerras. A crise econômica se espalha, e a situação piora com a ostentação. Não é possível que o povo continue sustentando regalias que não pode ter.

Pior. Cada vez mais cobranças para manter o custo do Estado. Reforma na política. Movimento de descontentes. Foi assim a Revolução Francesa, há mais de 220 anos. Agora, com personagens diferentes, falta um líder ilibado e competente para gerenciar o caos. Tanto em comum. Então, assim comemoramos os 204 aninhos da busca por liberdade, igualdade e fraternidade.

Justiça seja feita. Devemos muito ao Partido dos Trabalhadores pelas vastas conquistas feitas à custa de muito sofrimento, luta e ideologia. Essa danada que é deixada de lado quando o objetivo é alcançado. Simplesmente murcha, esmorece, perde a força quando se encosta na meta.

Daí entra Paulo Bonavides e fala em gerações de direito ou, como defendem outras correntes, as dimensões do direito. Elas servem para descrever as conquistas do povo no caminho da história. A primeira geração traz a liberdade. Essa já está conquistada de várias formas, que nem valorizamos. A segunda geração trata da igualdade de direitos econômicos e sociais.

Estamos engatinhando. Basta chegar perto do art. 7º da Constituição, no qual os direitos dos trabalhadores estão garantidos, inclusive com salário mínimo “fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.

Vamos calcular. Salário mínimo, R$ 678. Para cada item garantido pela Constituição, o trabalhador gastaria igualmente (o que não é o caso) R$ 75,30 para se transportar ao trabalho; R$ 75,30 com a saúde; R$ 75,30 para comprar o alimento, pagar a educação, garantir a higiene e o transporte. Isso, lembrando que o valor do salário é para o sustento da família. A Constituição é cumprida? Muita calma nesta hora.

Passemos para a terceira geração do direito: fraternidade e solidariedade. Fraternidade e solidariedade são marcas conhecidas do povo brasileiro. Mais adiante, chega a quarta geração. Democracia, pluralismo, minorias. A ideia de universalização. É a evolução brasileira que acontece hoje. Diferentes e iguais tratados como minoria, sempre foram maioria. Assim a sociedade vai se ajustando,compreendendo a que viemos.

Agora, a vanguarda da história. A quinta geração. Lá estava Gabriel Emiliano, 30 anos de idade, empresário que trabalha em Brasília desde os 12 por conta própria, para aprender a valorizar o dinheiro, a conquista dele pelo labor. Saiu de casa com o projetor a laser. Levou a imagem para a cúpula do Congresso, estampando com os raios da modernidade a quinta geração do direito. Para chegar à quinta geração do direito, é preciso sabedoria. Gabriel deixou sua marca na história do Brasil com o verde dos raios que encostaram no Poder Legislativo a palavra PAZ. Nós só precisamos disso. (Circe Cunha)

(Coluna originalmente publicada em 23/6/13)

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Maria Angélica e as leis

Reproduzo carta inspirada na exposição Congresso Nacional – Aqui o Brasil toma posse da sua história. O evento foi criado por funcionários do Senado e organizado pela diretora de Projetos Especiais, Elga Lopes. A identidade da protagonista, aqui tratada como Maria Angélica, está preservada.

“Com o passar do tempo, aquele céu da paixão foi se transformando em inferno. Nosso segundo filho nasceu e tudo mudou. Meu marido começou a ficar violento. Primeiro, verbalmente. De tudo o que eu ouvia, o pior foi ele ter conseguido me fazer acreditar que eu não tenho valor, que não presto para nada. Passei a ver uma pessoa totalmente inútil quando me olhava no espelho. Sem vigor, sem força. As coisas pioraram bastante.

Na frente do meu filho mais velho, ele jogou álcool no meu corpo e ameaçou atear fogo. Sua coragem não chegou a tanto. Eu não sabia mais o que fazer. Medo, ódio e angústia eram meus sentimentos diários. Até que, em 2006, vi nos jornais e na TV notícias sobre a Lei Maria da Penha. Foi sancionada graças a uma mulher que sofria mais do que eu, que passou a usar cadeira de rodas por causa da violência do marido, conseguiu enfrentar o que eu ainda luto para conseguir: me libertar da escravidão do pensamento.

Graças a ela, agora é lei não poder, dentro do lar, abusar da força física. É lei não poder bater ou violentar a própria mulher. Agora a legislação criou mecanismo para evitar a violência doméstica contra a mulher. Prevenir e punir são os objetivos da lei, até erradicar a violência. Mais do que isso: criaram-se delegacias próprias preparadas para atendimento. Ter uma delegacia especial para a mulher é muito importante. Expor a intimidade é ação muito doída. Ter pessoas preparadas para nos ouvir é fundamental.

A que ponto chegamos? Ser necessária uma lei que atinja o que ocorre dentro de um lar. Ou do que deveria ser um lar. Resguardada por artigos e incisos, me enchi de bravura e pedi a separação. Não poderia mais viver daquele jeito. Se estava viva, não tinha razão para não querer mais acordar. Meus filhos precisavam de mim. Não era hora de desistir. Como a violência aumentou, dei parte na Delegacia da Mulher. Boletins de Ocorrência, denúncias, julgamento. Ele ficou proibido de se aproximar de mim.

Voltei a estudar, renasci. Mas ele continuava a me perseguir. A lei nunca o intimidou. Ficava escondido na faculdade acompanhando os meus passos. Mas, por alguma razão, se a Lei Maria da Penha não o intimidava, para mim, ela era um manto encorajador. O tempo passou e cada vez que ia buscar meus filhos no fim de semana, sentia que havia mudança. Ele jogava as crianças contra mim. Falava coisas que mantinham acesa a chama do ódio. Usar as crianças era uma guerra desigual.

Tentei amenizar a situação da maneira mais honesta possível. Usar a mesma arma que ele seria muito baixo. Aguentei firme, mostrando pelo comportamento que eu não era o que ele dizia. Um dia, ouvindo rádio, soube da existência do projeto de lei do deputado Regis de Oliveira. Ele queria acabar com a transferência do ódio entre os pais para o filho. Se for assim, até a perda da guarda pode acontecer. Não pude acreditar. Outra lei a meu favor. Senti na pele o Congresso como casa do povo. Era inacreditável para mim que pessoas tão importantes estivessem fazendo leis que se encaixavam perfeitamente à realidade do meu dia a dia. Não era possível que eu, tão insignificante, estivesse sendo objeto para leis. Não era mais aquela imagem que o espelho refletia. Estava sendo resgatada pelo Congresso Nacional. Pois bem. Essa lei diz tudo. Se meu ex-marido realizar campanha de desqualificação da minha conduta como mãe, se dificultar a volta dos meninos, fizer falsa denúncia contra mim, omitir informação das crianças, mudar ou viajar sem me avisar, ele estará agindo contra a lei. Não contra mim.

As coisas estão melhorando, mas há um impasse. Por ser militar, sinto que meu ex-marido nunca será punido. Mesmo porque ele não usa a farda dentro de casa. Há no Código Penal Militar a proteção entre casais militares. Como não sou militar, não posso contar com essa proteção. Mas isso será outra luta. Escrevo para a coluna só para compartilhar minha esperança. Ainda há espaço para leis na minha vida. Dessa vez foi o senador Cristovam Buarque quem adivinhou. É a PEC da Felicidade que vou perseguir agora. Ela acrescenta no artigo 6º da Constituição Federal a felicidade como direito social dos brasileiros. Sobrevivi.”

(Coluna inicialmente publicada em 3/2/2011)

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Precisa-se de heróis

Nós, brasileiros, somos carentes de heróis. Se a música é o samba, logo aparece um bicheiro ganhando dinheiro com o tráfico. Se é funk, drogas, crimes e sexo sem freios. Se é no futebol, vem a máfia do apito, ou o jogador idolatrado é flagrado em situação escabrosa, desobedecendo aos superiores ou trocando gentilezas com criminosos. Uma pregação impecável na igreja, lágrimas, voz rouca, sentimento à flor da pele e um buraco na Bíblia para carregar milhares de dólares e sonegar impostos. Ou o pedido de perdão pelos pedófilos que comandavam os leigos. Ou, ainda, o voto, dado com toda a convicção. Você brigava para defender seu candidato. Até amigos perdeu com tanto fanatismo. E depois viu sua confiança perdida ou enterrada em uma Caixa de Pandora, ou na boca de um sanguessuga, ou no mensalão, ou em uma Operação Satiagraha, que tentou mostrar a firmeza de uma verdade.

Uma volta pelo Museu da Corrupção deixa qualquer brasileiro triste. Uma fissura se abre e daí não há como negar. A deseducação se espalha pelo ar. Filmes na TV ensinando atrocidades inimagináveis poluem pensamentos de crianças com a personalidade ainda em formação. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara jogou para a plateia o assunto baixaria na TV. Nada foi resolvido. Tudo continua como antes.

Neta batendo nos avós, crianças estimuladas a mentir, adolescentes grávidas, famílias se desintegrando com gritos e completa falta de respeito. Programas que ridicularizam as pessoas atacam com piadas destruidoras. O brasileiro passa mais de duas horas na frente da televisão bombardeado por violência, pornografia e consumismo. É melhor a mais bonita, o mais rico. Merece reverência aquele vilão da novela. A pregação é separar as pessoas por cores, preferências sexuais, sotaques. Sempre a desunião toma força. Mas a esperança não morre. Programas como o Conquista Criança, Guarda Mirim, Futebol Cidadão, Prosepa, Adolescentes, Batuque, Nossa Casa, Pescar, Segundo Tempo, Travessia, O Pequeno Nazareno, Doutores Alegria, Criança Feliz e tantos outros levados a sério por pessoas que se dedicam a resgatar a infância perdida ou a preservá-la.

Há políticos sérios empenhados em desatar os nós da violência criando leis para punir mais severamente aqueles que roubam a infância de meninos e meninas nascidos em lares pobres ou ricos. Há jogadores de futebol, vôlei, basquete, tênis e outros esportes que honram as medalhas que beijam. Há também os artistas e diretores de novelas ou editores de jornais na TV empenhados em lutar por uma sociedade mais justa e pela paz.

Perdão, criançada de Realengo. Nós temos assistido a toda corrupção de braços cruzados. Poderíamos ser heróis dando bons exemplos, lutando pela melhoria na qualidade das relações humanas. Desculpe, meninada, não termos agido por um Brasil sem jeitinhos. Aquela fila furada, aquele troco errado escondido, aquele nervosismo com o vizinho. Assistimos de camarote a todas as cenas em que os professores tiveram negado o direito a trabalho mais digno. Mesmo cansados e sobrecarregados de tarefas, eles não desistem porque acreditam que vale a pena apostar em um futuro melhor. Mesmo que eles não ganhem salário de artista ou de jogador de futebol, cumprem script de orações para ter forças para o dia seguinte. Eles levam nos passos a certeza de que estão trilhando até um país melhor.

Temos negligenciado a solidariedade. Até um sorriso e um olhar nos negamos a dar. Temos perdido tanto tempo sem conversa, sem diálogo, sem gargalhadas e histórias engraçadas só para não perder aquele programa na TV. Estamos tão perto e tão longe uns dos outros. Perdão, garotada. Fomos tão passivos com cada cena de violência exibida nas telas, nas ruas, nas salas de aula. Somos covardes para exigir punição. Passaram Isabela Nardoni, João Hélio e tantas outras crianças que perderam a vida. Nós não fizemos nada. Quem sabe um dia esse berço esplêndido que embala nossos gigantes deixe de existir. Só agindo, teremos heróis. Heróis reais. Homens de bem. (Circe Cunha)

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HISTÓRIA DE BRASÍLIA Muito acertada foi a atitude do diretor da TV-Brasília, que fez a entrega do aparelho às crianças, sem nenhuma publicidade, e sem dizer o nome da pessoa que fez a doação. A luta de vaidades chegou a provocar intrigas entre boas amizades. (Publicado em 05/08/1961)

HISTÓRIA DE BRASÍLIA Um porta-voz jornalístico da TV-Nacional declarou em sua coluna, que tem havido muitas promessas da imagem de televisão em Goiânia. Queremos informar ao integrante da dupla de cronistas romanos, que a TV-Rádio Clube entrou ontem no ar, ela pertence aos “Diários Associados”, que confirmaram, assim, o título de pioneiros no Brasil Central. (Publicado em 05/08/1961)

HISTÓRIA DE BRASÍLIA E mais: não demorará muito, e Goiânia estará mandando imagem para Brasília, e recebendo a imagem do nosso Canal 6, integrando a rede de TVs entre Goiás, Minas, Estado do Rio, Estado da Guanabara e Estado de S. Paulo. (Publicado em 05/08/1961)

HISTÓRIA DE BRASÍLIA O outro, da dupla romana, diz que não gostou da programação diurna da TV-Brasília. Fez muito bem, e demonstrou bom gosto masculino. E que o horário diurno da TV-Brasília é dedicado às mulheres. (Publicado em 05/08/1961)

HISTÓRIA DE BRASÍLIA Bem, nós não somos cronistas de TV. Vamos ao nosso assunto. Para conhecimento do DCT de Brasília, a carta registrada n. 16.3177 chegou ao DF no dia 29 de julho último, e foi entregue ontem. É ou não é uma vergonha! (Publicado em 05/08/1961)

HISTÓRIA DE BRASÍLIA O diretor do Departamento de Saúde de Brasília é engenheiro sanitarista. Isto não haveria de ser nada, não fosse o número de propagandistas de laboratórios que o procuram diariamente, sendo que a todos ele tem a informar que nada tem a ver com remédio, e que quando adoece procura um médico. (Publicado em 05/08/1961)  

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O voto contra a praga do populismo Interessante que o populismo é um vírus que contamina. O povo, querendo levar vantagem, aplaude com a ajuda da claque ou chora levado pelo auxílio das carpideiras. De um lado, alguém, lá de cima, cospe enquanto fala; de outro, muitos ninguéns lá debaixo aparam o cuspe e curtem o que não entendem. Assim, os dois saem ganhando—o que cospe e o que é cuspido. O que cospe, às vezes, tem estudo, instrução. Quando não tem, chega com as plumas do carisma. Os que recebem a saliva mal desenham as letras. Mas muitos chegam pelas asas da sabedoria. Os outros ficam de fora. São pé de burro. Foram feitos para trabalhar com a finalidade de sustentar o show de cusparadas. Pagam com meses de trabalho. Teimam em ser honestos. Enxergam cada passo, cada manobra, cada palavra aerada. O populismo é, antes de tudo, uma enfermidade que acomete o sistema democrático de representação. O círculo é construído desde o voto ao discurso. Do discurso ao voto. Cada vez mais comum na América Latina, essa modalidade de prática política tem o suporte do marketing desenvolvido em escritórios para desenhar e traçar a figura do líder que será destacado. Estudam os dentes, os cabelos, os gestos, a fala, o olhar, o choro, o riso. Dão uma humanizada no candidato. Treinam a impostação, as olhadas para as câmeras, as roupas, os sapatos, a cor da gravata combina com o assunto, com o estado, com o país. Se usa ou não aliança. Se usa ou não relógio. Se escolhe o relógio caro, logo é furtado durante os abraços. Encadernam a calúnia e a difamação para qualquer necessidade de golpe necessário em última hora. Contra isso, caminha uma lei. Ah, sim! O discurso também tem as letras passadas em pente-fino. Nada de usar palavras negativas, como “fome” ou “zero”. Isso traz má sorte. Qualquer projeto que busque sucesso tem que trazer todas as palavras com sentido positivo. Puxar a realidade dos ouvintes para trazê-los ao discurso é o começo preferido. Daí cria-se o laço. Em seguida, todos os exemplos parecem servir como um manto. O manto da manipulação. E, manipulada, toda massa quer mais é crescer, desde que o fermento seja a seu favor e, de preferência, sem responsabilidades e compromissos em troca. Na mesma medida em que as promessas foram feitas. É uma alimentação compartilhada que vai e volta. De mentiras e afagos. Todos saem satisfeitos e felizes. Apoiado pelas regras, o sistema eleitoral brasileiro enaltece quando destaca a figura do líder carismático dos demais poderes da República. Eles são colocados acima dos partidos e do próprio Estado e em ligação direta com as massas, que passam a ver na pessoa a encarnação de um pretenso salvador da pátria e dos oprimidos. O herói ideal que parece real. No mesmo sentido se encaminham as chamadas leis populistas. Chegam sob medida, literalmente. Muitas vezes como medidas provisórias. Têm o intuito de atender os reclames de grupos, geralmente amigos, à custa do erário, colocando em risco o futuro da sociedade como um todo. Toda a ação populista é imediatista e tem por objetivo trazer benefícios eleitoreiros. De um lado, estão os que não se enxergam com poder. Por isso, vendem o voto. De outro, o líder considerado o pai da pátria. E é justamente por meio dessa prática que vão se diluindo as fronteiras que separam a coisa (res)pública da privada. Ao cidadão ficam as contas e promissórias vindas dessa doença política, dessa anomalia sustentada pela falta de atitude. Brasília, vestida em uma concepção moderna, mergulha nessa prática desde a emancipação política. Já dizia o filósofo de Mondubim: “Há mais mistérios entre a Praça dos Três Poderes e a Praça do Buriti do que a nossa imaginação possa alcançar”. Sentadinha, com uma venda nos olhos, dona Themis nem imagina o que está por vir. Medidas provisórias assinadas às pressas vão parar na mesa dos ministros do STF, que tomarão a impopular decisão de reconhecer a inconstitucionalidade da promessa. Daí, todo aquele festejo, que ficou na cabeça do povo como gratidão à ajuda para burlar as regras, não será real. Mas a ideia ficou grudada na áre do cérebro que processa a felicidade. Outra receita de populismo, também à moda candanga, foi a alienação de bens imóveis públicos para as entidades religiosas e de assistência social que “não atenderem as funções das políticas setoriais do Estado” e que passaram, exclusivamente, a ser objetos de alienação mediante autorização da Câmara Legislativa. Lá está nas mãos dos deputados distritais a maquininha da barganha bem possante e envenenada. Mesmo que isso custe a desorganização urbana da cidade. Mas é outra pisada na lacuna. O ministro Joaquim Barbosa, do STF, disse em uma situação parecida: “A alienação de bens públicos deve ser efetivada obrigatoriamente mediante licitação”. A última medida populista é nova. Veio pela Lei nº 1.668, deste ano, que vai obrigar o GDF a pagar as rescisões e indenizações trabalhistas dos rodoviários dispensados pelas empresas que perderam na concorrência pública a renovação de suas linhas. Assim é que, depois de décadas prestando um péssimo serviço à população, e recebendo por isso somas incalculáveis de dinheiro do contribuinte, esses mesmos empresários deixam, mais uma vez, as contas trabalhistas de suas empresas nas costas dos pagadores de impostos. Isso é o populismo na sua versão mais acabada. Passa rápido o tempo. Os políticos se articulam pelas eleições. Seu voto será pelas próximas gerações. 

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Deus ex machina

Em 2008, segundo a IBM, 2,5 quintilhões de bytes foram produzidos diariamente, sendo que, de lá para cá, essa enorme massa de informações tem crescido a taxas astronômicas. Com tal volume de dados em circulação pelo planeta, a expressão Big Data entrou para o vocabulário cotidiano das pessoas e de conglomerados empresariais, num mundo conectado agora pela informação on-line. Hoje é recorrente nas grandes empresas a utilização do Big Data para levantamento estratégico de dados globais para a execução de determinado empreendimento. A própria Petrobras usou os dados colhidos pelo sistema do Big Data para levantamento de sítios submarinos do pré-sal onde a ocorrência de petróleo era mais factível. Além de ferramenta das empresas para alavancar novos negócios, o Big  Data tem sido utilizado como importante e duvidoso meio de armazenamento de informações de dados pessoais dos indivíduos e de grupos. Essa é uma forma eletrônica de garantir não só vultusos lucros financeiros, mas, sobretudo, interferir ou mesmo manipular pessoas, a partir do conhecimento das características de cada um.

Deus criou o homem e o homem criou a máquina. Dessa forma, a máquina “enxergaria” no homem seu deus e criador onipotente, a quem tudo é possível. O ponto de apoio buscado por Arquimedes para mover o mundo foi encontrado na web e sua alavanca está na gigantesca base de dados colhida pelo Big  Data. O lugar por excelência em que esse ponto de apoio é buscado para “erguer” o mundo tem endereço “geográfico” certo: as redes sociais de relacionamentos.

Aproveitando-se, talvez, da crescente solidão individual num mundo cada vez mais globalizado, sites de relacionamento como Facebook,Twitter,YouTube, Instagram, Tumblr, Flickr, Pinterest e outros milhares de “endereços” de encontros virtuais e trocas de informações têm se expandido a passos de gigante. Os especialistas nessa matéria já apontam a informação como a principal mercadoria de alto valor econômico na atualidade.

O caso Edward Snowden, envolvendo coleta de bilhões de dados em todo o mundo, em nome de pretensa política de segurança nacional, acendeu um sinal de alerta por toda parte. Também o jeito despretensioso com que milhões de pessoas postam suas vidas na web, abrindo-se como num divã psicanalítico, tem facilitado o trabalho dos coletores de dados.

Recentemente, os juízes da Suprema Corte americana decidiram, em bloco, que o conteúdo das informações digitais dos telefones celulares também deveria ser protegido da bisbilhotice dos agentes de polícia, dando-lhe a mesma inviolabilidade constitucional que os lares gozam contra as investidas arbitrárias do Estado.

Invasão, só com mandado judicial. Ainda assim, na esfera subliminar do mundo da informação e da enorme massa de dados acumulados, assiste-se a investida indiscriminada de toda sorte de olheiros, sempre dispostos a traçar o perfil desse ou daquele potencial cliente, eleitor, contribuinte ou o que valha.

Os governos, principalmente os daqueles países em que as leis da informática inexistem, e mesmo naqueles cujas leis são letras mortas, representam os maiores sorvedores de informação. Em nome do Estado, não medem esforços para saber da vida de todos e de cada um.O escândalo mais novo nessa xeretagem cibernética vem justamente do Facebook. Com apenas 10 anos de criação, o Facebook já age como raposa velha no mundo virtual.

Sob o pretexto de realizar uma experiência behaviorista e sem o consentimento dos envolvidos, esse site manipulou seu feed de notícias de quase 700 mil membros, separando-os entre aqueles que recebiam ou emitiam boas notícias e aqueles que recebiam ou emitiam notícias ruins.

O estudo, reunido sob o título Evidência experimental de contágio emocional em massa através de redes sociais, mostrou que os usuários do Facebook difundiam indiscriminadamente e na velocidade da luz as suas emoções estimuladas, negativa ou positivamente. Apesar das críticas vindas de diversos pesquisadores, a experiência serviu para demonstrar a capacidade que a mídia social tem de influenciar internautas. Isso na mesma proporção em que as pessoas se expõem nas redes.

Outro aspecto que chama a atenção é que, com tamanha exposição no mundo virtual, as pegadas deixadas pelas pessoas são facilmente decifradas, a ponto de gerar especialistas credenciados na interpretação dos anseios de cada um. Ao lado das diversas especialidades criadas após o advento dos computadores em rede, surge agora uma nova ciência social, com o pomposo nome de física social e que, à semelhança das ciências exatas, dos quantitativos e variáveis, seria capaz de prever aritmeticamente o comportamento das pessoas ou grupos. Isso é feito a partir de pistas deixadas nas redes, tais como os produtos que compram, com quem se relacionam, os exames médicos, a conta bancária, o Imposto de Renda, filmes, músicas baixadas, lugares prediletos e infinitas outras informações.

Com esses dados é possível traçar um perfil realista do indivíduo, pessoa, contribuinte, cliente, prevendo, inclusive, seu comportamento como algo mensurável matematicamente. Num planeta com tal volume de informação circulante, no qual a personalidade de cada um se perde como gotas no oceano imenso, o homem vai, pouco a pouco, erguendo seu labirinto e perdendo, talvez, a única riqueza que possui: a individualidade e o caráter sui generis de ser.

(Coluna originalmente publicada em 13/7/2014)

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Lembrança do Ceará

Galo-de-campina cantando acanha a natureza. A cidade com o maior número de profetas é Quixadá. Em Quixeramobim há três coisas grandes — a ponte, o nome da cidade e a língua do povo. O universo é seguido pelas cores. Se o galo-de-campina canta, pode ir para o roçado. A chuva não vai tardar. Cumaru, nesta época, fica coberto como se fosse algodão. Em sendo fevereiro, no meio do ano já se sabe como vai ser a chuva.

Toda árvore cura doenças. São citadas uma a uma com as vantagens do chá. Água da Pirocaia era vendida em carroças puxadas por burro, em barris grandes. O povo pagava por latas. Rezadeira reza sobre uma perna doente. “Que é que coso?” Resposta: “Osso rendido, nervo trilhado e carne amassada”. Nesse diálogo, a rezadeira move um galho de “amor de cunhã” até murchar.

Limão vermelho é igual a uma farmácia. Nos galhos podem-se enxertar vários tipos de limões. É planta da salvação. Vento do Aracati sopra de noite, do mar para o continente. É agradável para as noites de calor. Dando a volta em Quixadá, é sinal de chuva. Foz do Aracati: água barrenta para beber.

Português que mora no interior é chamado de marinheiro. Tem experiência e viajou pelo mar. Açude do Cedro é no Quixadá. Foi construído pelo imperador “para que nenhum cearense morra de sede”. No alto da serra, há uma pedra com formato de galinha choca.

Um homem estava com pequena faca na mão. Apareceu uma onça. Ele fez oração. “Meu Padim Padre Cícero, me ajude a matar essa onça com este quicé. Senão, preste atenção: arranje um banquinho e se sente, que você vai ver a maior briga de um homem com uma onça.”

Abelhas e marimbondos dão picadas que matam quando muitas. Porém salvam de reumatismo se forem poucas. Na fogueira de S. João, fim da noite, espalhar a brasa, abanar as cinzas com chapéu. Depois, uma folha de laranja da boca, fé em Deus. Ande de um lado para outro para não queimar os pés. A fé cura.

Reza nas procissões. Pedido, e a chuva chega logo, se De se Deus concordar. Procissão quando a santa balança e ameaça cair, há quem advirta: “Devagar com o andor que a santa é de barro”.

Padre Cícero não dava dinheiro. Ajudava a profissão de quem pedia. Chegou um senhor no Juazeiro, pediu ajuda. Padre Cícero indagou qual era a profissão. Funileiro. Encomendou 200 lamparinas. Não disse para quê. O homem pediu ajuda. Não tinha dinheiro para encomenda tão grande. Padre Cícero adiantou o que precisava.

Sentindo que a umidade do ar estava anunciando chuva, marcou no sermão. “Amanhã vamos rezar para chegar chuva. E cada pessoa procure o funileiro, compre sua lamparina. A procissão é de noite.” A procissão se realizou e no dia seguinte a chuva caiu forte. O funileiro fez o nome do padre e seguiu a viagem com dinheiro que nunca havia visto.

Diz a crença que “quando o pé da serra se pinta de vermelho, é o pau-d´arco que fulora”. A partir daí é chuva de encher açudes.

Vaqueiro chegou à casa do amigo. Logo lhe perguntaram: “Que é isso no seu olho, compadre?” Ele contou a história que estava correndo num cavalo atrás de uma rês na caatinga. Um galho seco passou no rosto e estragou a vista. A dona da casa, que preparava a mesa, ouviu tudo e no final perguntou: “Compadre, o que é isso no seu olho?”. Mudou de assunto.

Dois jovens na obra do açude de Orós viram que nada ia adiante. Um diz para o outro: “Se derramasse aqui a cerveja que os engenheiros bebem, dava para encher o açude”.

Na política do Ceará, havia candidato a presidente do estado que não chegava a nenhum lugar sem foguetes estourando. Cansado de tanto barulho, um caviloso resolveu surpreender na chegada de Franco Rabelo. Soltou dezenas de foguetes sem o estampido. O foguete subia e caía sem papocar.

A alegria da criançada era tomar banho nas bocas de jacaré. A água da chuva caía direto nas calçadas. Era alegria para a meninada.

De mais a mais, quem tentar roubar as velhas lembranças seja amarrado, queimado e repreendido em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

(Coluna originalmente publicada em 5/9/2010)

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Velhinha aos 50 anos

Fim melancólico de José Roberto Arruda no governo do Distrito Federal. Preso por ordem do Tribunal Superior de Justiça, viu o sol nascer quadrado no cubículo da Polícia Federal. Considerou-se vítima de armações. O povo nas ruas desmentiu com os protestos da cidade. Por outro lado, em cada casa há uma história sobre os feitos do ex-governador.

Estranhava um homem aparentar tanta dedicação à cidade que governava. Obras espalhadas denotavam que eram malfeitas e, pior ainda, malconservadas. O bolo foi crescendo. O povo começou a abrir os olhos. Era obra demais para tão pouco tempo. Ideal seria mesmo que fosse investigado o que acontecia no Distrito Federal.

Reação do povo veio na hora exata. O que havia de maldade, pretensão, orgulho e avanço no dinheiro público ruiu por terra como um castelo, dessa vez de baralho.

As investigações eram feitas pela Polícia Federal. Passo a passo foram chegando mazelas que José Roberto Arruda engrenava. Era coisa muita, mas a medida do ter nunca se enche. A ganância é fraqueza dos que pensam mais em dinheiro do que no país, na vida, na família.

José Roberto Arruda, quando governador de Brasília, desenvolveu muitas obras em direções várias. O veículo leve sobre trilhos, por indicação do destino, chegou à porta da Polícia Federal. Fim da linha para o governo. Arruda não teve o cuidado de fazer pistas para liberar o trânsito. Em todo o DF, faltavam acabamento e coletor de águas pluviais.

Durante muito tempo, a população da capital federal acusava “os de fora” de todas as maldades que a imprensa anunciava. A coisa era corroída por dentro. Quando o escândalo chegou ao Tribunal Superior de Justiça, a água cobriu a cidade de acanhamento e vergonha. Não fica nisso. O plano não pode nem deve ficar circunscrito a pouca gente. Brasília está com o cofre furado.

Em se procurando detalhes, voltamos a dizer que melhor seria a Comissão do Distrito Federal do Congresso. Todos os senadores trabalhavam com ideal de dar à cidade condições habitáveis e de trabalho. Senadores queriam vida na cidade com lisura.

A Câmara Distrital carrega a culpa por tornar a cidade impraticável. Distritais recebem dinheiro na meia, na cueca, no sapato. Aquele dinheiro era suborno para se comportarem quando o fornecedor exigisse.

Cenas do inferno de Dante foram filmadas com distritais orando pelo roubo feito, bolsa grande para caber muito mais dinheiro, pacotes enchendo os bolsos, meias e cuecas.

Houve época em que os moradores da cidade acusavam os legisladores federais e ministros de se excederem, e a população levar a culpa. Não vale a pena falar que se mora em Brasília. Os olhos se abrem e a situação piora.

Ninguém quer acreditar mais nos moradores da cidade, que sempre defenderam a paz e a cordialidade. A placa tectônica estava fendida. E os escândalos brotaram como devastadores tsunamis e terremoto. O escândalo poderá adiar até as eleições presidenciais deste ano. Tudo é possível a partir do que estamos vivendo. Há carne noutros angus.

No estado de Goiás, que o presidente do Banco Central, Henrique Meireles, tinha o gosto de dirigir, a situação está de mal a pior. Cidadão universal, Meireles desistiu. Seu passado ia ser manchado se eleito. E talvez nem sequer chegasse ao poder. O ponto de corrupção em Goiás se propaga por todo o Brasil.

Outros estados sofrem dos mesmos males. Há uma onda de corrupção cobrindo o Tesouro Nacional. O governo cobra impostos altíssimos para atender ao que os gulosos chamam de necessidades. Dinheiro roda pelo Brasil como se fosse apenas coisa de papel. O governo federal tira do bolso do trabalhador.

Impossível previsão para 2010. Está muito curto o tempo para se resolver mais coisa no país. Nada se resolverá num dia, porém a precaução exige prudência.

Na República e nos estados, dinheiro público é rolo compressor, dominando a pobreza com favores pequenos. Os grandes abocanham o maior bocado. Mesmo assim pagam menos impostos que o povão.

O Brasil não será consertado num abrir e fechar de olhos. O presidente Lula da Silva usou seu chavão de sempre: não há nada que não se possa negociar.

O país não pode parar, nem mudar de governo sem raios X que mostrem quem é, de onde veio, qual a profissão.

A permanência de Paulo Octávio no governo é dificuldade para resolver o assunto. Trata-se de um cúmplice do complô.

Qualquer candidato está na obrigação de dizer o que fez para merecer qualquer posto. Sem isso, estaremos caminhando para tapar o sol com a peneira e favorecer aos que não merecem.

“Cautela e caldo de galinha nunca fizeram mal a ninguém”, como ensina o filósofo de Mondubim. Muito menos à cidade cinquentona.

(Coluna originalmente publicada em 13/2/2010)