Uma história do Lago Paranoá

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VISTO, LIDO E OUVIDO, criada por Ari Cunha (In memoriam)

Desde 1960, com Circe Cunha e Mamfil

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Foto:capecentralhigh.com

Tal como qualquer um de nós, ao completar 60 anos de existência, o Lago Paranoá reúne um conjunto significativo de lembranças dispersas que falam de seu passado, de sua origem, contando histórias de pessoas e lugares que marcaram os primeiros anos da capital.

No caso particular desse Lago artificial, projetado para dar contorno paisagístico e urbanístico a cidade, sua construção obedecia também a critérios práticos como a formação de um microclima mais confortável em seu entorno, além da geração preciosa de energia elétrica.

Nos primeiros anos, quando ainda não existia praticamente nenhuma embarcação cruzando suas águas e quando o Lago estava numa fase de acomodação no terreno, era possível observar em suas margens a formação de bolhas de ar que brotavam do fundo, indicando que as águas desse espelho d’água estavam lentamente penetrando no solo poroso do Cerrado.

Naquele tempo era comum também avistar-se uma infinidade de imensos troncos de árvores boiando sobre a superfície do lago, resultado dos cortes e da limpeza da vegetação que foram efetuados nos vales e matas ciliares que seriam cobertos pelas águas.

Eram nesses troncos que a garotada se divertia e se equilibrava para mergulhar e navegar nas águas ainda limpas e cristalinas. Para os jovens que moravam próximos ao lago, como na Vila Planalto, na Vila do Braguetto e outras, o Paranoá era um imenso parque aquático a alegrar a vida simples e despretensiosa daqueles anos sessenta. Para a grande maioria daqueles candangos que não eram associados aos clubes que foram se estabelecendo ao longo das margens do Paranoá, o lago era a grande piscina pública com recreação garantida.

Dos muitos personagens que se estabeleceram às bordas do lago, onde construíram suas vidas e de onde retiravam o sustento para si, talvez um dos mais célebres e conhecidos por todos que buscavam esse tipo lazer, foi Seu Vicente. Vindo de Minas Gerais, no final dos anos cinquenta, ele construiu sua morada defronte ao antigo e imenso espelho d’água que se formava com as águas do Rio Bananal, nas proximidades da Ponte do Braguetto. Construiu sozinho sua casa, tijolo por tijolo, com a argila abundante encontrada naquela área. A água que consumia vinha de uma das muitas minas que brotavam naquela região. Construiu também os barcos que arrendava para os visitantes. Alugava ainda as varas de pescar, com o bambu que plantara em sua chácara, fornecendo ainda os borós e as minhocas encontradas ao redor. Vivia desse ofício e sua clientela era variada e constante. A prosa mineira, cheia de mistérios e introspecção era uma atração à parte a atrair plateias. Como bom mineiro, reservado, pouco se sabia da vida passada por seu Vicente. Preferia falar de outros assuntos, como de discos voadores, fantasmas e outras estórias do além. Chamava a atenção de todos pelo hábito, nada comum, de salpicar pequenas doses de terra que escolhia e selecionava, em seu prato de comida. Dizia que era necessário para manter o contato com o solo e com os minerais que eram nossa própria origem.

Naqueles anos o espelho d´água que se formava defronte sua casa, era magnífico, extremamente limpo, frio e profundo, o que atraia muitas aves e peixes. Para os visitantes nunca faltava uma fruta da região, um peixe assado, um gole de pinga e fumo de rolo. Como todo autodidata ao estilo Robson Crusoé, costurava suas roupas, construía seu próprio mobiliário, mesa, cadeiras e cama. Era sem dúvida, uma figura ímpar como que ilhado na própria solidão, perdido naquela região. A construção do Setor Noroeste, assim como da Trevo de Triagem Norte, ao contribuírem para assorear e destruir o belo espelho d’água e soterrar as minas que brotavam naquela área, sepultou também aquela história, cumprindo a sina que afirma que o progresso é o avanço inevitável da poeira.

 

 

A frase que foi pronunciada:

“Antes que qualquer árvore seja plantada ou qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles.”

Rubem Alves. psicanalista, educador, teólogo, escritor e pastor presbiteriano brasileiro.

 

 

Pesquisa

Não foi tão avassalador o resultado da pesquisa feita pelo e-cidadania, do Senado sobre a PEC que limita a duração das férias dos magistrados e membros do Ministério Público a trinta dias. Havia também a pergunta sobre vedar a adoção da aposentadoria compulsória como sanção disciplinar e prever a demissão, por interesse público, dos magistrados e dos membros do Ministério Público. O votos foram para o sim 6.765 e para o não 4.139

 

 

Partida

Ontem foi um dia pesado e triste. Recebemos a notícia do falecimento do ex-senador Odacir Soares e de Roberto Passarinho. Nosso abraço à Leinha e Júlia.

Foto: ex-senador Odacir Soares

 

Foto: Roberto Passarinho

 

 

HISTÓRIA DE BRASÍLIA

Durante o governo do dr. Jânio não se fez nada em matéria de asfalto. Agora, até Deus está ajudando. Atrasou a chuva, o mais que pôde, para não prejudicar a pavimentação. (Publicado em 30/11/1961)

Causídico

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Friedrich Nietzsche, com a verve que lhe era característica, certa feita afirmou que os advogados de um criminoso só raras vezes são suficientemente artistas para aproveitar em favor do réu a terrível beleza do seu ato. Observando a frase mais de perto e confrontando-a contra o pano de fundo de nosso escandaloso presente, podemos inferir que, “nunca na história recente deste país”, uma categoria profissional foi tão ardorosamente solicitada .

Verdadeiramente, os causídicos vivem dias de grande bonança, com os escritórios repletos de políticos de todas as matizes ideológicas e empresários de todo o ramo de atividade. A movimentação frenética ganha maior agitação, conforme avançam as investigações policiais, catalisadas ainda pela adesão crescente das delações premiadas.

No salve-se quem puder do momento, os custos das causas variam de acordo com o grau de envolvimento do cliente e sua posição no organograma do Estado ou da empresa. O que não varia são os altos valores dos honorários, necessários até para tornar crível a defesa de cada um.

Para os despeitados, que não puderam participar do banquete da rapinagem, resta o consolo de que a maior parte do butim será dissipada com o pagamento das dispendiosas defesas. Pouco importa aqui saber se é lícito o uso de dinheiro de fonte contaminada para custear causas jurídicas.

Conselhos, como feitos pelo saudoso Sobral Pinto, que recomendava aos advogados ser, antes de qualquer ação, o juiz inicial da causa para se certificar de que a justiça está com a parte, já não fazem adeptos. Em um governo, em que os mais renomados jurisconsultos do país assumiram definitivamente o protagonismo político, é fácil perceber que alguma coisa não vai bem no interior do Estado.

Para uma administração em que as Controladorias e Advocacias da União vão na dianteira dos ministérios da Educação, Saúde ou Planejamento e postas sob a luz constante de holofotes, a defesa dos reais interesses da população são deixados de lado.

Impossibilitados de questionar, no mérito, as inúmeras e severas acusações que recaem sobre os ombros do grosso desse governo, dezenas dos estrelados advogados partiram para a chicana e acabam de divulgar uma carta aberta em que fazem manifesto contra a Lava-Jato.

No documento, a elite do direito afirma que “nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”. Trata-se de inverdade que revela como estratégia a tentativa de desacreditar as investigações, seus métodos e principalmente sua figura central, na pessoa do juiz Sérgio Moro.

Como importância, o documento deixa o scripta manent para a posteridade, o registro de um tempo em que a Justiça fica nua deixando-se interpretar por manejos por leis feitas sob medida para acomodar, com conforto, os que dela desdenharam.

Recordações

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Nos primeiros tempos, a ocupação e o povoamento das cidades no interior do continente brasileiro obedeceram quase a roteiro básico: os homens, na sua maioria, foram na frente abrindo caminho e assentando pequenos povoados com precariíssimas condições de habitabilidade, enfrentando animais selvagens e peçonhentos, doenças como malária e tribos autóctones aguerridas e hostis.

O que motivava esses primeiros movimentos para o Oeste, na maioria das vezes, era a busca pelos veios e aluviões de ouro e pedras preciosas. Iam atrás de lendas e outras histórias fantasiosas que falavam sobre minas e sítios fabulosos abarrotados de ouro, diamantes e esmeraldas. Foram esses movimentos, conhecidos como Entradas e Bandeiras, vigorosos no Brasil a partir do século 16, que possibilitaram a ocupação do interior do país.

Nesse período, os desbravadores seguiam o caminho natural do curso dos rios. Durante séculos, o Rio São Francisco, justamente chamado de Rio da Integração Nacional, foi o principal caminho utilizado pelos exploradores para adentrar o continente com segurança. Mesmo com todo o interesse pela existência de riquezas no interior, a consolidação da ocupação do Brasil ficou restrita ao litoral, onde se encontravam as principais cidades do país.

Fazendo um salto no tempo, foi somente a partir da industrialização do país, ocorrida no pós-guerra, que o governo JK (1955-1960), cumprindo promessa de campanha, resolveu ressuscitar o antigo desejo, manifestado ainda durante o Brasil monárquico, de interiorização e povoamento das extensas áreas no continente central.

A maneira mais racional e eficaz de promover o desenvolvimento dessas regiões centrais era transferindo a sede da capital do país do Rio de Janeiro para Goiás. Aproveitando o momento de grande otimismo que vivia o país, foi dado início à construção da nova capital logo no primeiro ano de governo. Cinco anos depois, Brasília era inaugurada.

Durante os anos de construção, os movimentos migratórios ocorreram de forma crescente dos quatro cantos do país. Famílias inteiras rumavam para Brasília em busca de trabalho e na esperança de conseguir lugar melhor para viver e criar os filhos. Mesmo as famílias que ficaram distantes da agitação e da precariedade dos primeiros tempos da construção, vieram para a capital tão logo as condições permitiram.

Para as que decidiram vir na fase de consolidação, as condições de vida eram as mais precárias possíveis. Hospitais, comércio, moradias, estradas, lazer e outras comodidades das cidades não existiam ou eram incipientes. Até as condições ambientais eram adversas. Com um clima que alternava períodos de secas prolongadas e chuvaradas intensas, viver no Centro-Oeste era aventura digna de aventureiros e desbravadores indômitos.

Nos primeiros momentos, não havia luz, água encanada, rede de esgoto, ruas asfaltadas, calçadas e jardins. Vivia-se no meio do mato, com cobras, animais silvestres. Com a terra vermelha, característica da região, ou se estava coberto de poeira ou com os pés sujos de lama. Foi graças à presença teimosa desses bravos pioneiros que a cidade foi adquirindo, aos poucos, o conforto civilizatório.

Chute

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Chega a ser impressionante o fato de que a maioria das personalidades e instituições que, de algum modo, mantever relações de proximidade com o ex-presidente Lula e seu governo, dando corda para seus delírios populistas, caiu em desgraça, como que amaldiçoada e condenada à danação eterna.

Para um místico, o destino comum e ruinoso desses personagens se deve a alguma espécie de feitiçaria brava ou coisa do gênero. Para os céticos, trata-se de fenômeno perfeitamente normal que resulta dos efeitos deletérios de atitudes que misturam ganância, messianismo, esperteza desmedida e outras características que adornam caráter apartado das mais elementares virtudes éticas.

Pelo sim, pelo não, vamos assistindo ao debacle de cada um deles, abatidos, na sua maioria, por revelações escandalosas levada a cabo por agentes da Justiça.

Crendices à parte, nosso anti-Midas tem realmente o poder de arruinar tudo o que toca. O mais recente desses personagens, mas não o último, foi o ex-todo poderoso secretário-geral da malcheirosa Fifa, Jérôme Valcke, aquele mesmo que sugeriu que o Brasil merecia um chute no traseiro, por atrasos repetidos no cronograma de obras para a Copa do Mundo de 2014.

A Fifa cuidou de afastá-lo, para bem longe, a fim de que o odor de seu cadáver não venha chamar a atenção e a curiosidade para essa entidade. Nesse sentido, Lula e Fifa agem de forma similar, descartando, pelo caminho, qualquer um que tenha caído em desgraça.

A ingratidão, diz o filósofo de Mondubim, é um tigre. Descartados à mancheia, os degredados de Lula vão, aos poucos, abarrotando as celas dos presídios à medida que as investigações, precedidas pelas delações avançam. Essa turba, à medida que vai caindo em si, percebe o labirinto do Minotauro que adentrou. Ameaça ensaiar em coro o antigo jingle de campanha, agora com outro sentido: é Lula lá.

Avesso

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Uma das consequências mais salientes de declarações dadas sem o devido freio da razão é que elas têm o poder de revelar muito mais do que pretendia o próprio parlapatão. Falar sem pensar deixa brechas escancaradas para a interpretação das entrelinhas, que, ao fim e ao cabo, é o que interessa e importa. É preciso ver o que foi dito, enxergar as palavras no contexto próprio.

Reagrupadas na sua ordem natural, as palavras, soltas ao vento, acabam por sussurrar a verdade. Na declaração em que a presidente Dilma desafiou os investigadores e a oposição a continuar virando sua vida do avesso já que sobre ela não paira nenhum embaçamento, mais uma vez a frase apresenta as chaves que abrem as portas para adentrar, pelas beiradas, o universo dilmiano.

Abre-se aqui um parêntese no tempo, para lembrar que uma das primeiras medidas de Dilma à frente da Casa Civil foi virar a vida de Ruth Cardoso do avesso, ocasião em que foram expostas ao público as despesas com os cartões corporativos da primeira-dama, com informações inverídicas, na tentativa de desconstruir a figura da respeitada antropóloga.

O termo avesso aparece nessa declaração como arquétipo íntimo que revela, antes de tudo, um estado consciente da situação de estar com a vida pessoal virada pelo avesso. No avesso está a verdadeira fantasia, o que está oculto. O avesso de uma roupa revela as costuras e as emendas do tecido, os bastidores e as fragilidades.

No caso do Brasil, depois de mais de uma década, o país foi literalmente virado às avessas. Nessa situação, o país retrocedeu para o período imediatamente anterior ao Plano Real, da hiperinflação. No caso do governo, as investigações do mensalão e da Lava-Jato expuseram o avesso ou os bastidores do poder. Ao país foi apresentado o avesso de um partido que declarava que iria pôr fim a tudo que aí está.

O fim do embaçamento revelou as urdiduras de um grupo ou camarilha no poder. O embaçamento das vidraças do Palácio do Planalto com medidas populistas impediu que a população visse o que realmente se passava no Palácio do Planalto. O embaçamento da visão e da realidade é forma de cegueira seletiva a impedir a presença do mundo real.

Enquanto os mais próximos vão tombando um a um a seu lado, prossegue a sucessora, pelo troar seu fantasma: podem me virar do avesso que não vão encontrar nada. O que o avesso tem revelado é o que esta aí aos pedaços para todo mundo ver. Basta abrir os olhos.

Vox populi, vox Dei

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Com a interação crescente e instantânea, propiciada pela internet, leitores e redações de jornais e revistas, as notícias ganharam em qualidade e confiabilidade. Essa interação de mão dupla é hoje fundamental e imprescindível para as mídias sérias. O leitor é o objetivo da notícia. Na expressão vox Populi, vox Dei, concentram-se as muitas facetas que fazem da avaliação do público sobre determinado fato a quintessência da comunicação. Os comentários postados pelos leitores têm o poder de esmiuçar a notícias, retirando delas toda e qualquer informação necessária, além de abrir interrogações sobre assuntos que passaram despercebidos.

Nesse sentido, parece estar em estágio embrionário novo modelo de jornalismo, conectado e on-line 24 horas. Ganham profissionais e leitores em geral. A figura do jornalista, correndo atrás da notícia ou isolado em torre de marfim, é desconstruída e substituída, agora, pela visão multiplicadora dos diversos leitores atentos. Essa nova imprensa, de mil olhos e mil ouvidos, instantânea e onipresente, é hoje realidade, bem-vinda e necessária. Exemplo dessa interação automática entre imprensa e público em geral está nos comentários diários dos leitores dos jornais, pelos avisos das condições de trânsito, feitos, ao vivo, pelos motoristas diariamente nas rádios, pelo povo fala, nos noticiários de tevês, pela participação ativa da sociedade nas redes sociais e em outras modalidades.

O humor e a língua afiada do povo também dão tom mais leve às notícias, mesmo as mais sisudas, emprestando mais sabor e fluidez aos textos. Essa visão feita a partir da plateia é mostrada sempre por  um ângulo pouco explorado. Enquanto os órgãos de imprensa ressaltavam a entrevista coletiva dada pela presidente Dilma, durante um café da manhã organizado pelo marketing de Comunicação no Palácio do Planalto, alguns leitores simplesmente deixaram de lado as análises da fala ensaiada da chefe do Executivo e chamaram a atenção para o prosaico fato da mansidão amestrada dos profissionais. Os questionamentos nada mais eram do que oportunidades para dona Dilma discorrer sobre as maravilhas de seu governo. Por fim, os leitores estranharam o fato de os jornalistas fazerem selfies com a presidente, como se ela fosse pop star. Resumiram que se tratava de um grau de servilismo explícito e de falta de isenção de alguns órgãos de imprensa.

Os mesmos leitores, ao comentarem o grau de implicação de figuras centrais do governo com sérias denúncias de corrupção, principalmente na Casa Civil, chamada por eles de Casa Covil, consideraram que, pelo andar das investigações, logo a presidente terá que despachar com seu ministério, diretamente de algum presídio. Quanto à afirmação feita à mídia pelo ministro Jaques Wagner de que o governo não tem coelho para sacar da cartola, os leitores consideraram que isso se deve ao fato de que o coelho simplesmente foi roubado e servido ensopado em algum sítio em Ibiúna, no interior de São Paulo.

O filósofo de Mondubim não se cansa de repetir a expressão: “as ruas têm olhos por todos os lados”. Desprezar a parceria entre a redação e as ruas é virar as costas para a realidade que chegou trazendo lufada de ar fresco para boa parte da imprensa, principalmente a escrita. Afinal, não se deve desprezar a voz de Deus.

 

Expressões de um tempo

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Quer pela repetição, quer pela escolha pinçada de cada uma para expressar situação específica, as palavras e frases acabam ficando como marca de um tempo, como rótulos a indicar e a resumir determinada fase de nossas vidas. Para o espectador atento, cada uma dessas palavras e expressões tem o poder de condensar histórias inteiras, narrando a saga e a desventura de toda uma civilização.

Expressões, como forças ocultas e trabalhismo, remetem ao período do governo de Getúlio Vargas, sinalizando as transformações que aceleraram a passagem do Brasil rural para o urbano, assim como a morte trágica daquele presidente. Da mesma forma, expressões, como ato institucional ou Arena, MDB e censura, são indicativas do período militar. Assim como abertura lenta, segura e gradual ou anistia sinalizam a fase posterior à de transição e o retorno ao regime democrático.

Colocadas dessa forma, quais palavras e expressões melhor caracterizariam a chegada, pela primeira vez na história, da esquerda ao poder? Quais seriam as palavras-chaves que abririam as portas da história do Brasil revelando o país dos últimos 10 anos?

Automaticamente, surgem os verbetes Lula, Partido dos Trabalhadores, esquerda, Fome Zero, Bolsa Família, sem medo de ser feliz. Passados os momentos de euforia, com a acomodação da poeira, vieram os primeiros sinais de que a República voltava à casa das velhas práticas. Nesse período, a profusão de palavras e o boquirrotismo tomaram conta da vida política.

Palavras voavam de lado a lado. Em 2005, o neologismo mensalão invadiu a vida dos brasileiros e expos, de forma inusitada, as entranhas das negociações políticas. CPI dos Correios, Marcos Valério, Dirceu, Jefferson, corrupção, base aliada, compra de votos. No mesmo período, as expressões “nunca antes na história desse país”, “Eles contra a gente”.

Nesse ponto, aquele que se declarou filho de uma mulher que nasceu analfabeta, reinava sozinho na Presidência e no palanque. Com a popularidade em alta, as ações do governo saíam diretamente do departamento de marketing para o Diário Oficial, duravam o tempo necessário para outro programa, do tipo factoide, ser proclamado. “Transposição do Rio São Francisco”, obra sonhada por D. Pedro II, e “herança maldita” eram as expressões da época. Outro fenômeno trazido ao país foi o fim da família, o aborto, negros versus brancos, héteros versus homos, ricos versus pobres e os versus continuam.

Depois viriam as expressões “mãe do PAC”, “Minha Casa Minha Vida”, “nova matriz macroeconômica”. Seguiram-se as expressões “petrolão”, Petrobras, fundos de pensão, Operação Lava-Jato, Sérgio Moro, Polícia Federal, recessão, desemprego recorde, financiamento ilegal de campanha, prisão preventiva, empresários, propinas e outras que remetem à necessidade de punição.

Também expressões como “refuto, veementemente, as aleivosias assacadas contra mim”, “nego as acusações”, “não conheço e nunca mantive contato com o personagem citado”, “nego”, “trata-se de perseguição política”, entre outras do mesmo gênero. Também merecem ser citados os verbetes: “Saúdo a mandioca”, “mulher sapiens”, “impeachment” — pérolas indicativas de um tempo que os brasileiros dignos querem ver encerrado enquanto ainda é tempo.

Quando a paixão atrasa um povo

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Semelhanças entre política e futebol, da forma como são praticados hoje no Brasil, vão ficando maiores a cada dia. Partidos políticos e times de futebol estão tão iguais que, um dia, correm o risco de se confundirem. No campeonato da democracia, entram em campo as legendas partidárias com time devidamente escalado pelo técnico, geralmente, um líder partidário. No pleito da bola, os jogadores, comprados a preços fabulosos, formam o time de estrelas cujo líder é o treinador. Em ambas as agremiações, o cartola e maioral é também o presidente.

Ao dono da bola corresponde o cacique da bancada. A bola e as negociações rolam soltas. O jogo é bruto: deslealdades, caneladas, catimbadas e votos secretos. Conchavos, bola fora, na busca por troféus recheados de dinheiro ou pela vitória nas urnas vale tudo.

À cartolagem e aos líderes partidários interessam tanto o lucro das luvas, das transmissões e do patrocínio, quanto o loteamento dos cargos e as negociatas da venda de apoios. Vencer é lucrar. Para isso, o time tem que estar coeso ou o partido, unido. O objetivo é ganhar sempre. Não interessa a plateia. Muda-se o elenco do time ou troca-se de partido como quem muda de roupa, pouco importa. Vestir a camisa é para o tempo em que a ideologia falava mais alto que a grana.

Esquerda ou direita jogam o mesmo jogo, o importante é avançar além do meio campo, além do que reza o estatuto e as leis. Marcar o gol vem primeiro. Regras vêm depois. No tapetão ou no Supremo estão as mesmas razões: ganhar sem os rigores enfadonhos do jogo limpo.

Partidos políticos e times de futebol são iguais pelo que têm de pior. Na medida em que vão se reconhecendo como irmãos gêmeos, vão se afastando o público na geral, seja ativista, seja torcedor, seja fanático, seja militante. Desapontados pelo nível ruim dos jogos em campo e campanhas, eleitores, torcida organizada e público em geral deixam as arquibancadas e as arenas políticas em grandes levas. Os que ficam na torcida o fazem por questão pessoal, de gratidão ou de interesse.

Deixadas quase a sós, à mercê do destino que buscaram com ganância desmedida, partidos e times perderão a razão de existir. Será o apito final. Fim do jogo para a democracia. Fim da paixão nacional. Sem bola, sem voto, sem gol.

Nem tudo o que é legal…é legal

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Pelo tamanho e pela repercussão prolongada que se espera, a tripla crise (econômica, política e ética) deveria ser encarada com mais seriedade justamente por aqueles que a produziram e que são a raiz do problema. Portanto, cabe à direção do Estado, e somente a ela, o principal esforço com vistas a minorar seus efeitos. No entanto, o que se observa é mais do mesmo. Dentro do inevitável ajuste fiscal que virá, a conta será integralmente debitada no bolso do cidadão comum, via aumento do custo de vida provocado, obviamente, pelo reajuste de impostos e tributos de toda a ordem.
Para a classe média, que representa hoje cerca de 54% da população, a conta já chegou. A corrida desesperada aos postos de combustíveis, provocada pelos boatos de aumento dos preços, é exemplo dessa injustiça nossa de cada dia. Num momento em que os preços do barril de petróleo estão no menor patamar das últimas décadas por todo o mundo e mesmo depois de a polícia desbaratar o cartel de combustíveis no DF, a perspectiva de aumento persiste e acontecerá para tapar o bilionário rombo de caixa da Petrobras.

Corre-se da máfia dos donos de postos para cair no colo da estatal que se transformou em caixa arrecadadora de partidos e políticos astutos. Para desespero do cidadão, não há a quem recorrer neste instante. Nem mesmo à Justiça, que deixa de barrar qualquer tentativa em seus altos e difusos proventos. Diz o filósofo de Mondubim que quando há pouca farinha o pirão é meu. No caso do Brasil, se ainda está de pé depois de tanta corrupção, é porque a farinha é muita.
O fim do benefício do auxílio-moradia de R$ 4.377 pagos mensalmente, proposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), para o Judiciário, mesmo para quem tem casa própria, causou revolta de juízes e entidades de classe que ameaçam ir ao Supremo para garantir o privilégio que custa aos contribuintes algo em torno de R$ 450 milhões ao ano. Recorrerão ao mesmo STF, que, em 2014, estendeu o benefício a todos os integrantes das carreiras. Benefício que não precisa ser pago mediante apresentação de recibo correspondente ao gasto. Como quem pode não quer pagar, pagará quem não pode, não quer, como vem sendo feito há séculos.

Saúde na sala de espera

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Na saúde de uma única pessoa, como de uma população inteira, o mais importante e urgente é o diagnóstico correto — o primeiro e mais eficaz remédio. Na gestão pública, não é diferente. Estratégias e planejamentos racionalizados seguem o caminho apontado pela análise dos problemas, as causas e possíveis medidas profiláticas.
No caso da saúde pública no Distrito Federal, que ao longo dos anos vem acumulando sequência ininterrupta de falhas de toda ordem, chama a atenção a ausência de mecanismos de profilaxia, ações preventivas. A dinâmica das mudanças de governo não deve nem pode servir de pretexto para interrupções desse serviço essencial ao cidadão. Na verdade, a saúde da população começa ainda bem longe dos hospitais, com serviços básicos de ações preventivas, equipes em campos avançados, trabalhando junto das comunidades com o propósito de esclarecer, orientar e instruir o cidadão.
Da reunião entre o governador Rodrigo Rollemberg e os diretores dos 16 hospitais da rede pública do DF, um primeiro diagnóstico dos problemas da área aponta a questão do fator humano como principal e grande causa da situação de caos vivida pelo setor: desorganização das escalas dos profissionais (médicos, enfermeiros e pessoal técnico de apoio), além da má distribuição e da falta de medicamentos, equipamentos e acessórios em geral.
Assim como a comunidade carece de serviços de saúde preventiva, o sistema público de saúde necessita, com urgência, de processo permanente de formação e fiscalização de recursos humanos. A capital do país é a unidade federativa que conta com o maior número de médicos atendendo na rede pública de saúde. São 4,28 profissionais para cada grupo de mil pessoas. São 10.173 médicos, entre especialistas e generalistas, listados na folha de pagamento da Secretaria de Saúde e, teoricamente, à disposição diuturna dos brasilienses.
Apesar do número satisfatório, têm sido frequentes os casos de não atendimento ao cidadão por falta de profissionais ao trabalho. Salta aos olhos da população que, mais do que a escala mal administrada, a presença dos médicos no local de trabalho não é obrigatória. Quem buscou hospitais e postos de saúde durante os feriados de Natal e ano-novo sentiu o problema mais de perto. Mesmo a parcela que tem a sorte de ser atendida reclama da superficialidade no atendimento, que, na maioria das vezes, é feita em minutos, de forma rasa, não raro com desdém e muitas vezes com arrogância.
É comum ver mães com os filhos ardendo em febre aguardando por várias horas pelo atendimento, sem sucesso. Algumas se descontrolam em meio ao desespero. Soube de uma paciente que fez um discurso no Hospital do Gama. Dizia que ninguém que atendia ali estava fazendo favor. Falava em voz alta que trabalhava 14 horas por dia e pagava todos os impostos. O mesmo teria que ocorrer com os profissionais da saúde. Trabalhar e honrar o salário. Todos pensavam o mesmo e mostravam a insatisfação com o desprezo do governo.
O atendimento de má qualidade resulta em diagnóstico errado, com sérios riscos para o paciente. Por qualquer lado que se encare o problema da saúde pública no DF, o diagnóstico aponta a mesma causa: deficiência na gestão dos recursos humanos. A questão aqui não é a escassez de recursos e de espaços físicos adequados, mas de gestão de pessoas.
É bom que se diga que muitos hospitais não fecharam as portas porque a enfermagem e o corpo administrativo fazem de tudo para mantê-los. Há médicos também que se sacrificam com pesadas jornadas mesmo com a falta de respaldo material para cumprir o dever. Nobre o gesto do governador Rodrigo Rollemberg, mas, mais do que gestos, a saúde precisa de gestão.