“Socooooooooooooooooooooooooorro!”, gritam os mais de 5 milhões de inscritos no Enem. Vestibulandos e concurseiros de Europa, França e Bahia vão atrás. O motivo: perdem pontos a rodo num tal item chamado coesão. Eles procuram o assunto nas gramáticas. Não encontram. Celsos Cunhas, Becharas, Cegallas não dedicam nenhum capítulo ao tema. Por quê?
A razão é simples. Coesão está presente na morfologia, na sintaxe, nas figuras de linguagem. Ao estudar substantivos, verbos, pronomes, conjunções, preposições, coordenação, subordinação, etc. e tal, indiretamente estudamos coesão. Eles oferecem recursos pra ligar palavras, ligar períodos, ligar parágrafos. Em suma: juntar partes soltas em unidades coerentes.
Preposições e conjunções
Anel e ouro são duas palavras que não se conhecem nem de elevador. Mas formam unidade com a ajuda da preposição de: anel de ouro.
Cozinho, estamos sem empregada.
Que relação existe entre enunciados assim independentes? A conjunção se encarrega de pôr os pontos nos ii. Ela pode indicar causa (cozinho porque estamos sem empregada). Pode indicar tempo (cozinho quando estamos sem empregada). Pode indicar duração (cozinho enquanto estamos sem empregada). Pode indicar condição (cozinho se estamos sem empregada).
Pronomes
Pronomes exercem duplo papel. Além de auxiliar a coesão, contribuem para a elegância. Como? Evitam repetições. Veja:
Rafael e João Marcelo são irmãos. Este estuda medicina; aquele, direito. (Este substitui João Marcelo; aquele, Rafael.)
Oscar Niemeyer se casou aos 99 anos. Ele e a noiva se conheceram anos antes. (Ele substitui Niemeyer)
Por falar em repetição…
Nem toda repetição é má. A estilística, que dá liga e charme ao texto, longe está de indicar pobreza vocabular. É o caso do “é preciso” reiterado neste parágrafo:
Como acabar com a cultura do desperdício? Ela tem de ser desmontada por dentro. É preciso que os brasileiros não joguem fora restos de comida aproveitáveis nem deixem as lâmpadas acesas quando saem de um aposento. É preciso que os livros escolares sejam aproveitados pelos irmãos menores. É preciso não destruir os bens públicos. É preciso, enfim, martelar insistentemente na necessidade de poupar.
É o caso, também, deste trecho de Barack Obama:
Sim, nós podemos. Nós podemos recuperar a economia do país. Nós podemos legar uma pátria melhor pra nossos filhos e netos. Nós podemos respeitar os direitos humanos. Nós podemos zelar pelo meio ambiente. Nós podemos construir um mundo mais justo e democrático. Sim, nós podemos.
Mais
Viu? O entrelaçamento das ideias se dá por meio de vários mecanismos. Examinamos alguns. Há mais. A manutenção do tema figura entre os mais importantes. Trata-se da perseguição do tema sem desvios. É a tal história: quem se ajoelha tem de rezar. Examine este parágrafo do livro Sonhos de Einstein, de Alan Lightma:
Minúsculos sons da cidade flutuam pela sala. Uma garrafa de leite tilinta contra uma pedra. Um toldo é esticado em uma loja. Uma carroça de verduras transita lentamente por uma rua. Um homem e uma mulher sussurram em um apartamento próximo.
Que responsabilidade! O tópico frasal (1º período) amarrou as ideias. Sem ele, os exemplos de sons da cidade ficariam sem elo. O leitor não saberia aonde as frases querem chegar. Em suma: um amontoado de ideias e nenhum recado. (Duvida? Banque o São Tomé. Leia o parágrafo sem o tópico frasal. E daí?)
Moral da história
Em bom português, coesão é dizer coisa com coisa. Opõe-se ao samba do texto doido.