Tormento dos consumidores vai muito além do feijão

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POR RODOLFO COSTA

 

A carestia que atormenta os consumidores vai muito além do feijão, cujos preços subiram 58,6% nos últimos 12 meses. Segundo o Instituto Brasileiros de Geografia e Estatísticas (IBGE), há uma lista enorme de grãos, frutas, verduras e legumes que acumulam reajustes superiores a 20% e estão estragando o cardápio de muitas famílias. A ordem entre as donas de casa é tirar tudo o que está caro da lista do supermercado.

 

“Definitivamente, o feijão não é o único problema para os consumidores”, disse o militar Jorge Luís Dias, 50 anos. A sensação dele e da mulher, a enfermeira Valéria, 45, é de que os aumentos estão disseminados e não darão sossego tão cedo. O governo garante que, a partir de agora, a inflação será mais amena. Mas quem vai às compras não acredita. “Estamos adquirindo cada vez menos e substituindo produtos mais caros pelos mais baratos”, ressaltou Valéria.

 

Os dados do IBGE dão a exata noção do que disse o casal Dias. O mamão, por exemplo, ficou 85,9% mais caro em 12 meses, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15). Já o preço da batata-inglesa teve reajuste de 61,4%. A manga subiu 62,6% e o alho, 62,8%. “A nossa opção está sendo por levar para casa apenas o que for essencial”, ressaltou Jorge. “Se não for assim, a conta não fecha”, emendou.

 

Jorge foi enfático. “Trocamos o feijão-carioca pelo preto, e estamos comprando o arroz mais barato”. Outra mudança foi no período das compras. Em vez de mensal, a ida ao supermercado passou a ser semanal, para proveitar as promoções. “Mesmo assim, não saímos mais com o carrinho cheio. Acompanhamos promoções em diversos mercados e compramos nos dias que há o melhor preço”, afirmou Valéria. “Mas nem as ofertas não são mais as mesmas.”

 

Pesquisas e ofertas

 

Para a servidora pública Aparecida Neto de Oliveira, 46, a situação financeira das famílias chegou ao limite. O salário já não dura até fim do mês e a lista de compras encolhe a cada ida ao supermercado. Ela contou que, há três meses, o quilo da banana-prata saía por R$ 1,99. Agora, é até difícil encontrar a fruta por menos de R$ 4,99, um aumento de 150,7%. “A banana está a peso de ouro. Por conta disso, só estou levando a banana-maçã”, contou.

 

Na tentativa de aliviar o bolso, Aparecida deixou as compras grandes de lado e só vai ao supermercado quando está faltando algo na despensa de casa, sempre pesquisando os preços e acompanhando as ofertas da semana. Apesar dos esforços, teve que abrir mão da quantidade e da qualidade dos produtos que consome. “O dinheiro só dá pra comprar o que é de necessidade básica. Deixei de consumir verduras e estou trocando a carne pelo frango”, desabafou.

 

Em meio ao aumento dos preços, ainda há margem de manobra para evitar essas pressões, segundo avaliam especialistas. O educador financeiro e idealizador do blog Quero ficar rico, Rafael Seabra, recomendou às famílias que cogitem a ideia de substituir frutas, feijão, arroz e batata-inglesa por inhame, mandioca e batata-doce. “Muitos consumidores já estão adquirindo o hábito de trocar a carne pelo frango, mas outras substituições também são ótimas para o bolso, e, do ponto de vista nutricional, até melhores”, enfatizou. Outra alternativa é só consumir frutas da estação, sempre mais baratas.

 

Mudança de hábito

 

Professor de finanças públicas da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli reconheceu que é difícil tirar alimentos como o feijão do prato dos brasileiros. Mas ressaltou que é possível comprar marcas mais baratas. “Não é necessário comprar por nome, e, sim, o produto. Além disso, é uma oportunidade de abrir o leque e flexibilizar o cardápio, diversificando a cesta e mudando hábitos alimentares. Quando a situação se normalizar, o consumidor poderá escolher se continua na linha da mudança ou se volta aos hábitos anteriores”, frisou.

 

Piscitelli também recomendou as compras em feiras. “Existem feiras que têm frutas frescas, de qualidade até melhor e com preços mais em conta”, disse ele, que não aconselha a formação de estoques. “Normalmente, algumas pessoas têm medo de o preço aumentar e decidem comprar tudo no começo do mês. Mas, se todos decidirem fazer isso, os valores dos produtos tendem a aumentar, uma vez que a oferta diminui.”

 

Para amenizar a alta do feijão, o governo federal anunciou ontem a redução da alíquota de importação do grão. A medida, no entanto, pode não ser estendida para outros alimentos consumidos pelas famílias. Em nota, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) informou que há limites na lista de exceção à Tarifa Externa Comum que vale entre os países do Mercosul. “O feijão, por ser um alimento essencial e básico do brasileiro, teve tratamento favorável”, informou. A pasta destacou, porém, que “continua vigilante e observando a flutuação dos preços dos alimentos”.

 

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Camex zera alíquota

 

A Câmara de Comércio Exterior (Camex) zerou o Imposto de Importação para os feijões preto e carioquinha pelo período de três meses. “A decisão foi tomada em função da elevação do preço do produto, motivada por uma combinação de fatores, entre eles problemas climáticos que afetaram a safra”, informou o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A tarifa para importação dos feijões de países fora do Mercosul até então era de 10%. A redução será feita por meio da inclusão de dois códigos relacionados ao produto na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (Letec).

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Pressão no bolso

 

Diante da alta das despesas com comida, vários analistas estão revendo as projeções para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano. A MacroSector Consultores, por exemplo, revisou ontem as estimativas para a inflação de 7,2% para 7,6%. A consultoria acredita que a carestia será puxada, principalmente, pelas despesas com alimentação e bebidas, que podem subir até 15% este ano. Nesse patamar, esse grupo, que responde por um terço do custo de vida, terá a maior alta desde 2002.

 

O efeito provocado pelos alimentos serão nocivos para a atividade econômica, pois o Banco Central terá pouco espaço para cortar os juros e o Produto Interno Bruto (PIB) cairá 4,2%. A MacroSector acredita que a taxa básica de juros (Selic) encerrará o ano em 13,5%, ante os atuais 14,25%. “Com a inflação ainda muito alta, a redução dos juros será mais modesta. A própria sinalização do presidente do BC, Ilan Goldfajn, é de cortes menos agressivos”, disse o economista Fábio Silveira, sócio-diretor da consultoria.

 

Para ele, o custo dos alimentos seguirá pressionado em decorrência da quebra da safra brasileira de verão, devido a fatores climáticas, e da alta dos preços internacionais das commodities agrícolas, dada à expectativa de estabilização dos juros básicos dos Estados Unidos em 0,25% ao ano no curto prazo. “A sinalização de que a autoridade monetária norte-americana não elevará os juros tão cedo provoca aumento dos preços de grãos cotados em bolsa”, destacou Silveira.

 

No Brasil, o excesso de chuvas provocou escassez de milho e de soja, que, combinada à redução do estoque no mercado internacional, está elevando os preços de derivados. A expectativa é de que esse movimento pressione o custo de rações que alimentam bovinos, suínos e aves. Por tabela, as carnes ficarão mais caras.

 

Brasília, 08h30min