ROSANA HESSEL
O secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, disse que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do parcelamento dos precatórios — dívidas judiciais da União — em até 10 anos, enviada ao Congresso Nacional, deverá ampliar a folga do teto de gastos — emenda constitucional que limita o crescimento das despesas à inflação anterior — em R$ 33,5 bilhões.
“Essa é uma proposta que a gente está enviando para resolver um problema que não é nosso, é da sociedade. Tem uma desarmonia e estamos tentando trazer uma compatibilização para preservar a regra do teto”, disse Funchal, nesta terça-feira (10/8), a jornalistas, ao justificar a PEC polêmica para tentar adiar o pagamento de uma despesa explosiva. A iniciativa é apontada por vários especialistas jurídicos como inconstitucional, porque prevê o adiamento do pagamento de uma dívida que já não cabe recurso, mexendo em cláusula pétrea da Constituição Federal e abrindo espaço para uma espécie de “calote institucionalizado”.
A medida é defendida pelo governo para abrir espaço no Orçamento de 2022 para o governo ampliar os gastos com programas com fins eleitoreiros, como o Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família e cuja Medida Provisória foi entregue, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pessoalmente. Logo, se a PEC não for aprovada, de acordo com Funchal, o governo precisará enviar o Orçamento de 2022 com a previsão de pagamento integral dos precatórios e, portanto, “não haverá espaço para outras despesas, incluindo para programas sociais”.
Esse parcelamento dos precatórios poderão ser corrigidos pela taxa básica de juros (Selic) ou pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 6% ao ano, mas o montante devido constará no teto de gastos. Técnicos minimizaram os questionamentos do efeito de bola de neve que essa nova dívida terá nos próximos anos se o crescimento de novos precatórios continuar em ritmo acelerado. Funchal admite que é possível que o Congresso possa propor uma outra alternativa à sugerida pelo Executivo para tratar desse problema dos precatórios.
O secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, admitiu que o governo “tem capacidade para pagar os precatórios”, mas optou pelo parcelamento para respeitar a regra do teto. Funchal, por sua vez, defendeu o parcelamento considerando que foi a “melhor saída” para “compatibilizar o pagamento de precatórios com a regra do teto”. Segundo ele, a PEC ainda prevê a criação de um fundo que terá recursos provenientes de privatizações e de dividendos de estatais para custear apenas o pagamento de dívidas mobiliárias da União, ou seja, de títulos públicos, e da antecipação no pagamento de precatórios. Essa antecipação de pagamentos não será computada no limite do teto. Funchal descartou o uso desse fundo para custear programas sociais, como estava sendo anteriormente cogitado.
O Fundo de Liquidação de Passivos da União terá como origem os recursos da alienação de imóveis da União; da alienação de participação societária de empresas; de dividendos recebidos de empresas estatais deduzidas as despesas de empresas
estatais dependentes; da outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial; da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo; e da arrecadação decorrente do primeiro ano de redução de benefícios tributários.
De acordo com os técnicos da Economia, o governo propõe na proposta “um aperfeiçoamento” de uma regra da Constituição que permite o parcelamento de precatórios que excedam 15% do total previsto para essa despesa e adiciona a possibilidade de pagamento em até 10 anos das dívidas judiciais que superem R$ 66 milhões até 2029, sendo que esses valores parcelados constarão do teto de gastos em anos futuros, podendo acumular com os que devem ser informados anualmente pelo Judiciário que deverão ser pagos.
Segundo a proposta, nenhum precatório abaixo de R$ 455 mil parcelado no exercício de 2022 e todos os precatórios de pequeno valor, abaixo de R$ 66 mil, “sempre estarão fora da regra de parcelamento”.
“Surpresa” antiga
Inicialmente, os secretários falaram que houve uma “surpresa” no aumento das despesas com precatórios no Orçamento deste ano, passando de R$ 54,7 bilhões, em 2021, para R$ 89,1 bilhões, em 2022. Esse aumento de R$ 34,4 bilhões superam a nova previsão de R$ 30,4 bilhões estimada pela pasta para a folga no limite do teto de gastos de 2022. A previsão inicial do governo com essa despesa estava em torno de R$ 57 bilhões. Contudo, reconheceram que boa parte desses gastos contavam nas estimativas de riscos fiscais que precisam constar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Logo, com a aprovação da PEC, o governo terá uma “folga” para gastar de R$ 33,5 bilhões dentro do limite da regra do teto, de R$ 1,610 trilhão, no ano que vem.
Os técnicos defenderam a tese de que o parcelamento dos precatórios não é calote e reconheceram que a maior parte desse aumento “atípico e inesperado” da despesa é decorrente da ações antigas que a União perdeu na Justiça, como a da inclusão do ICMS na base de Pis-Cofins, neste ano, e dos precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que em 2019, o Supremo Tribunal Federal deu um decisão favorável aos estados para receberem os precatórios do Fundef, que poderiam chegar a R$ 81 bilhões. Contudo, técnicos atribuem à modificação no Código Civil, em 2015, como um fator que acelerou o andamento dos processos, o que aumentou a fatura com as dívidas judiciais.
“Os órgãos responsáveis da União, AGU (Advocacia-Geral da União) e PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional), trabalham em perfeita harmonia, mas sempre se esgota a possibilidade de evitar perder a causa na Justiça. A legislação permite que haja acordo que são fruto no passado e foi alertado uma percepção do fruto histórico, como o ICMS na base de cálculo e o Fundef. A União tentou fazer modulações, mas a Justiça tem o fator imponderável”, afirmou o procurador-geral substituto da Fazenda Nacional, Cristiano Neuenschwander Lins de Morais. Segundo ele, a pasta só tomou ciência dos valores excedentes em julho e, por isso, a surpresa.
Segundo o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, boa parte dos precatórios são de decisões que abrangem o Fundef, somando R$ 16,7 bilhões para a previsão de pagamento no próximo ano. Outras despesas que ajudaram nessa ampliação foram precatórios referentes a royalties e subsídios tarifários do estado de Goiás e do Fundo de Participação de Estados (FPE) do Maranhão. “Esses foram alguns acréscimos que contribuíram para o crescimento dos precatórios. Mesmo se a previsão fosse feita, não iria mudar a regra do teto”, acrescentou.