Paulo Guedes e Bolsonaro
Paulo Guedes e Bolsonaro Evaristo Sá/AFP Paulo Guedes e Bolsonaro

PEC dos precatórios viola, pelo menos, 8 artigos da Constituição, diz especialista da OAB

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, insistiu em enviar ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) propondo o parcelamento no pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — em uma clara medida de pedalada fiscal e de institucionalização do calote, para pavimentar a plataforma eleitoreira do presidente Jair Bolsonaro, violando, pelo menos oito artigos da Constituição Federal.

 

De acordo com o presidente da Comissão Especial de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Eduardo Gouvêa, a PEC dos precatórios é inconstitucional ao tentar mexer em cláusulas pétreas e ir na contramão do princípio da isonomia, violando, pelo menos, oito artigos da Constituição e, portanto, deverá ser barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 

“A PEC viola o Estado Democrático de Direito (art. 1º, CF) , o princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF), o direito de propriedade (Inciso XXII do Artigo 5º, CF), o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), o direito à tutela jurisdicional efetiva e razoável duração do processo (5º, LXXVIII, CF), o princípio da segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI, CF), o respeito à coisa julgada e ao direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, CF) e, por fim, o princípio da moralidade administrativa (art. 37, CF)”, enumerou Gouvêa, em entrevista ao Blog. “Se o Congresso aprovar a PEC, a OAB vai entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) na hora, porque é claro o desrespeito à Constituição”, acrescentou.

 

Um precatório é uma dívida judicial que não cabe mais recurso, logo, cabe ao governo negociar antes de chegar à sentença de fato. Bastava profissionais mais bem preparados para administrar o que estaria por vir, pois cabe aos técnicos do Ministério da Economia traçar anualmente uma previsão dos riscos fiscais na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), inclusive, os referentes às ações judiciais e não apenas justificar o aumento de R$ 54,7 bilhões para R$ 89,1 bilhões como algo “inesperado” e, muito menos, culpar a mudança no Código Civil, em 2015, que acabou dando maior celeridade aos julgamentos. Ao buscar parcelar da dívida para abrir espaço para aumento de gastos eleitoreiros, o governo parte para o desespero fiscal e a contabilidade criativa, extremamente condenada nos governos petistas.

 

Não adiantaram os alertas feitos desde 2019 sobre o aumento do volume de precatórios, de acordo com Gouvêa. Ele avaliou que essa PEC criará um ambiente de enorme insegurança jurídica não apenas para o pagamento de dívidas da União como também com o fato de que todo credor, pelo princípio da isonomia, também vai poder se achar no direito de querer parcelar dívidas judiciais.

 

A ousadia do governo com as pedaladas propostas na PEC foi tanta que, se aprovada, a PEC vai superar os crimes cometidos pela ex-presidente Dilma Rousseff, nos piores moldes da contabilidade criativa, de acordo com Gouvêa. “Estamos falando de criatividade contábil e de pedaladas no pior conceito.  Há alternativas para o problema dos precatórios e não é preciso atropelar a Constituição como estamos vendo”, alertou.

 

Um dos pontos críticos da PEC, segundo o representante da OAB, é indexar o parcelamento pela taxa básica de juros (Selic) em vez da inflação, como vem sendo praticado, o que, deverá ser barrado no Supremo Tribunal Federal (STF), como ocorreu em propostas anteriores de mudança no indexador. “O governo quer prorrogar por 10 anos o pagamento e ainda diminuir a taxa de correção, de forma unilateral e impositiva, como o governo vem atuando”, alertou.  “Esse tipo de mudança no indexador é um assunto que já foi discutido no Supremo e a Corte considerou ilegal”, adicionou. Gouvêa ainda lembrou que, no caso de dívida tributária, o contribuinte não tem a opção de parcelamento do débito e muito menos pode escolher o indexador que vai corrigir o passivo.

 

O jurista contou que já discutiu o problema dos precatórios com o governo há dois anos, sugerindo propostas para evitar a bomba fiscal atual, mas “nada foi levado em consideração no projeto da PEC dos precatórios”. Uma das propostas, era a exclusão dessa dívida judicial da regra do teto de gastos, porque ela não depende diretamente do Executivo e sim do Judiciário, que vem acelerando o ritmo das decisões após a reformulação do Código Civil. “Agora, o governo não pode reclamar que o Judiciário ficou mais ágil”, pontuou, em referência à justificativa dos secretários sobre a “surpresa” com o crescimento na previsão dessa despesa no ano que vem.

 

Ao ser questionado sobre os alertas ignorados e o porquê de deixar essa bomba fiscal estourar agora, o Ministério da Economia respondeu que a conta de precatórios a serem pagos no exercício seguinte “é apresentada em sua integralidade pelo Judiciário ao ME todos os anos somente em julho, conforme determina o artigo 100 da Constituição Federal”. “O aumento de quase 100% do valor apresentado neste ano, levando em conta apenas os precatórios, foi, sim, inesperado e atípico. Nesse sentido, a elaboração da PEC e a sua apresentação ao Congresso representam um esforço para endereçar o problema. Ao modernizar a regra de parcelamento e alinhá-la ao arcabouço fiscal vigente no país, a PEC propõe uma maneira perene e previsível de lidar com essa questão nos próximos anos”, afirmou.

 

De acordo com o secretário do Tesouro Nacional e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, se aprovada, a PEC dos precatórios vai abrir um espaço de R$ 35,5 bilhões no limite do teto de gastos de 2022, que hoje está sendo consumido pelos R$ 89,1 bilhões da fatura de precatórios que precisarão ser pagos no ano que vem.

 

Apesar de o governo justificar a PEC pelo fato de os estados e municípios poderem parcelar precatórios e a União, Gouvêa lembrou que a OAB está questionando no Supremo a inconstitucionalidade desse parcelamento. O novo prazo para a quitação de precatórios devidos pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, previsto na Emenda Constitucional (EC) 109/2021, que deu lugar à PEC Emergencial, está sendo questionado pelas ADIs 6804 e 6805 impetradas pela entidade.

 

Mais tarde, em nota explicativa produzida pela Secretaria de Política Econômica (SPE) a pasta reforçou o crescimento das sentenças judiciais como “apenas uma parte do problema”.  “A acomodação do gasto sob o regime do teto de gastos federal deve ser considerada na equação”, justificou.