“Reforma dá voto a parlamentar”, diz Meirelles

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PAULO SILVA PINTO, ROSANA HESSEL E HAMILTON FERRARI

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem planos de longo prazo para o país. Qualquer pessoa do mundo político diria que é porque ele pretende se instalar no terceiro andar do Palácio Planalto. O chefe da equipe econômica nega que, por ora, seja essa a intenção. “A prioridade é que eu cumpra a minha missão e deixe o Brasil em uma trajetória de crescimento consolidado.” Em abril, ele vai decidir se será candidato a presidente ou não, reitera nesta entrevista ao Correio.

Meirelles vê o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil crescendo 3,7% ao ano por um longo período. Para isso, considera necessária, claro, a aprovação da reforma da Previdência, assunto predileto dele e do governo. O ministro acha que os parlamentares erram ao pensar que o apoio à proposta de emenda constitucional vai lhes tirar votos em 2018. Lembra que o próprio presidente Michel Temer, quando deputado federal, foi relator de projeto de modificação das aposentadorias no governo Fernando Henrique Cardoso, em 1998. E acabou tirando disso vantagem nas urnas: passou de 71 mil votos no pleito anterior para 207 mil.

Equacionar a questão previdenciária será essencial, lembra, para conter o aumento dos gastos públicos, permitindo ao governo cumprir o teto de aumento de gastos e, assim, reduzir a carga tributária, o que tornaria mais fácil outra reforma, a tributária. O ministro fala também da necessidade de melhorar a qualidade na educação. Não é difícil ver nisso discurso de campanha, mas ele diz que está falando de melhora na produtividade dos brasileiros, preocupação essencial na Fazenda.

Candidato ou não, ele considera a próxima eleição fundamental para o país. “Qual será a política econômica em 2019, 2020 e 2021? Isso é um fato que o Brasil vai ter que enfrentar”. Diz esperar um novo presidente reformista, capaz de aprofundar as transformações iniciadas no atual governo.

Depois de um ano e meio no cargo, a economia cresce e a taxa de juros está na mínima histórica, mas uma coisa continua pendente: a reforma da Previdência. A votação na Câmara ficou para o próximo ano. Como o senhor avalia isso?
A reforma da Previdência é difícil em qualquer país. Nós vimos a aprovação da reforma da Previdência na Argentina, que teve uma margem pequena de votos, em meio a uma greve geral. É uma luta séria em qualquer país, eu nunca achei que fosse um processo rápido e sem discussão. Em qualquer lugar é uma discussão muito séria porque é legítima. A Alemanha, por exemplo, é um país que tem uma história de austeridade fiscal consolidada e tal. E é um país no qual a reforma foi uma discussão seriíssima. É o que está acontecendo no Brasil, sempre dissemos isso. Hoje, a situação evoluiu muito, a população tem uma visão muito melhor da reforma. A mídia já tem uma posição consolidada a favor da Previdência em geral. Então, está avançando. Acho que esse adiamento de um lado é negativo, porque gera uma incerteza. Evidente que se tivesse sido aprovado hoje, seria um cenário ideal.

É uma frustração para o governo?
Não é uma frustração, é uma realidade. A expectativa é de que, em fevereiro, tenhamos os votos necessários. Acredito que os próprios parlamentares, voltando às suas bases, vão ver que o ambiente de hoje é muito diferente do que o do ano passado em relação à Previdência. Existe uma compreensão muito maior, esse trabalho todo que está sendo feito pelo governo com a campanha e também pela mídia. Acho que eles próprios, os parlamentares, vão entender que é em benefício de todos. Chamei atenção até de líderes da oposição: é melhor vocês torcerem pela reforma da Previdência, porque se vocês ganharem a eleição, tendo feito a reforma, o país vai estar com uma governabilidade muito melhor.

Mas por que a base não apoia? O seu próprio partido, PSD, tem muitos parlamentares que são contrários à reforma.
Isso ocorre exatamente por essa percepção de que é eleitoralmente desfavorável. Nós achamos exatamente isso, que esse período do recesso vai ajudar, fazer com que a grande maioria vote a favor em fevereiro. É uma das razões do adiamento.

Estaremos mais perto das eleições em fevereiro. Não será mais difícil?
A eleição é em outubro. Cada vez mais se tem o entendimento de que, se a reforma da Previdência for aprovada e o país crescer e criar emprego, o assunto Previdência não será um objeto válido na eleição. Pode ser uma tentativa de exploração na eleição, mas, o país crescendo e criando emprego, isso será passado, já estará resolvido. Agora, se não votarem, aí a Previdência será um debate, sim, na eleição.

“A reforma da Previdência vai fazer com que os saldos primários cresçam muito. Isso vai dar uma oportunidade histórica de diminuir a carga tributária, que, no Brasil, independente do conflito distributivo, é uma das maiores do mundo. Baixando a carga, é o momento ideal e fácil de fazer uma reforma tributária”

Períodos de bonança tendem a atrapalhar as reformas, dizem analistas. Com a inflação baixa e o emprego crescente, a população verá necessidade de mudanças?
Uma alternativa é a seguinte: com a situação ruim, o deputado ou senador da base ficaria preocupado com todo mundo reclamando. No momento em que melhora e que ele se convence de que a aprovação da reforma fará o país crescer mais e mais empregos serão criados. Eu acho que se pode entender isso como eleitoralmente positivo. O presidente Temer conta inclusive um caso desse, teve aquela reforma lá atrás da qual ele foi relator. Ele tinha tido 71 mil votos na eleição para deputado federal em SP. Depois da relatoria, teve 207 mil votos.

Sobre o debate eleitoral: em 2014 não se falou da necessidade de ajuste fiscal. O senhor espera que a próxima eleição seja diferente?
Sim. A questão de 2014 é que não existia esse debate, não foi só na eleição.

Não deveria ter existido?
O que se via desde 2003 era um problema principalmente cambial e de inflação. Não esqueçamos que, em maio de 2003, a inflação acumulada em 12 meses atingiu 17%, e as reservas chegaram ao piso de US$ 15 bilhões. Então, na medida em que estabilizamos a economia, essa frente foi equacionada e o Brasil cresceu naquilo que, na época, chamei muito de “bônus da estabilidade”. Cresceu e não enfrentou a questão fiscal.

Tentou-se estabelecer um limite ao aumento de gastos em 2006, e isso não evoluiu no governo. Por quê?
Não, não foi possível. O FHC (Fernando Henrique Cardoso) também não fez. Tentou e desistiu. Assim como o Lula. A questão fiscal continuou, mas não estava aparente, porque nós viemos de um período de crescimento, de 2004 em diante. A crise em 2009 zerou. E, mesmo assim, a média de crescimento foi quase 4% de 2004 até 2010, com 7,5% em 2010. Aí veio aquela sensação de euforia, eleição e tal. A taxa de crescimento estava caindo, mas ainda crescendo até 2014, e o desemprego estava muito baixo. O desemprego tem uma defasagem muito grande. A sensação de bem-estar era muito maior. Agora, não: nós saímos da maior crise da história. Em maio de 2016, medido em 12 meses, o PIB (Produto Interno Bruto) tinha caído 5,4%.

“Minha expectativa é de que ganhe um candidato reformista. Um candidato modernizante, que, de fato, proponha a continuação da agenda de reformas do país, a agenda implantada pelo governo Temer”

Como podemos evitar ficar presos neste buraco da crise fiscal?
O debate neste ano foi muito voltado para as medidas econômicas. Não há dúvida de que, à medida que começarmos a avançar, cada vez mais o debate vai ter um componente eleitoral importante. Qual será a política econômica em 2019, 2020 e 2021? Isso é um fato que o Brasil vai ter que enfrentar.

O mercado aposta no crescimento de um candidato de centro. Como o senhor vê isso?
Eu já disse que a minha expectativa é de que ganhe um candidato reformista. Um candidato modernizante, que, de fato, proponha a continuação da agenda de reformas do país, a agenda implantada pelo governo Temer. Eu acho que é normal que cada vez mais, à medida que a sensação de bem-estar aumente, a população comece a ter mais a noção de que não dá para voltar atrás.

O senhor acha que esse candidato reformista vai ser um candidato com apoio do governo?
Isso vai ser uma decisão dos partidos da base. Eu acredito que o governo terá candidatos, sim.

E o senhor vai ser candidato?
Primeiro, eu preciso decidir se vou ser candidato, no começo de abril. É questão de prioridade. Acho que o interesse de todos é que o Brasil continue a crescer e aumente cada vez mais a criação de emprego. Não há dúvida de que a minha prioridade é que eu cumpra a minha missão e deixe o Brasil em uma trajetória de crescimento consolidado.

Mesmo que não seja presidente, o senhor continuará na política?
Vamos aguardar. Vamos ver.

Como fazer a reforma tributária?
O problema da reforma tributária é o conflito distributivo. Estados, municípios e o federal. Também existe a questão setorial, que é mais complexa. Eu acho que a reforma tributária é viável agora. Vamos supor que não dê para fazer. Eu acho que a reforma da Previdência vai fazer com que os saldos primários cresçam muito. Isso vai dar uma oportunidade histórica de diminuir a carga tributária, que, no Brasil, independentemente do conflito distributivo, é uma das maiores do mundo. Baixando a carga, é o momento ideal e fácil de fazer uma reforma tributária.

Vamos ter de esperar baixar a carga tributária para fazer essa reforma?
Eu acho que dá para fazer agora. Se, por ventura, não fizer, será inevitável e muito mais fácil fazer à frente.

“Chamei atenção até de líderes da oposição: é melhor vocês torcerem pela reforma da Previdência, porque se vocês ganharem a eleição, tendo feito a reforma, o país vai estar com uma governabilidade muito melhor”

Mas depende da reforma da Previdência?
A reforma da Previdência não é uma opção. Ela será feita como foi feita na Argentina, na Alemanha. Estamos discutindo quando. Se vai ser em fevereiro, em 2019. Se não for em 2019, vai para 2020.

A decisão do Supremo Tribunal Federal que suspende o aumento da alíquota previdenciários servidores e o adiamento dos reajustes não são um revés do governo?
Não. Isso faz parte da democracia. Talvez tenhamos que pensar em medidas alternativas.

O teto para o aumento de gastos não ficará comprometido?
O teto será cumprido em 2017. Não há dúvida. Ou por essa medida ou por outras. Sempre tem o expediente de novo contingenciamento, que não é bom. Vamos tentar não tomar medidas para isso. O teto inclui medidas autocorretivas, que são fortes. Caso seja extrapolado, há congelamento de salário, proibição de criar cargo mesmo com vacância, veto a novos subsídios. Está na Constituição.

É uma possibilidade isso acontecer em 2018?
Isso não vai acontecer em 2018. O reajuste é uma das questões. A reoneração pode ser aprovada no início do ano. Mas o fundo não afeta a questão do teto. A despesa que tem que ser controlada mesmo. É uma medida que não será necessária.

Ministro, olhando um pouco para 2019, muitos economistas dizem que tudo que é ruim para a área fiscal vai estourar, como o teto e a regra de ouro (que impede envidamento para despesas de custeio). A dívida pode passar de 80% do PIB. Como o senhor vê 2019?

Isso demanda a aprovação da reforma da Previdência, que ocorrerá no governo Temer, não tenho dúvidas sobre isso. A questão da regra de ouro é um outro desafio. Também temos que enfrentar.

O descumprimento pode gerar um impeachment?
Sim, pode gerar. Tem que tomar as medidas necessárias para que isso não ocorra. E nós estamos tomando. Exatamente para assegurar que não teremos essa situação de problema grave há regras: a Lei da Responsabilidade Fiscal, a regra de ouro e o teto. Existem para prevenir problemas graves. Acho isso positivo, muito bom.

O problema estourou antes nos estados, certo?
Sim, houve problemas graves e tiveram que fazer ajustes. O Rio de Janeiro completou o plano e já recebeu a primeira parcela do empréstimo.

Por que o Brasil é um país que entre os emergentes tem maior carga tributária? Por que aqui as coisas são tão mais difíceis em vários aspectos?
Eu acho que não é mais difícil.

Por que os problemas não são percebidos?
Um problema importante é o crescimento das despesas públicas nos últimos 25 anos. São basicamente despesas constitucionais e a Previdência. Então o xis da questão é a Previdência.

A Constituição vai fazer 30 anos em 2018. Ela contém muitos erros?
Não, a Constituição foi uma conquista histórica do povo brasileiro. Consolidou livre opinião, liberdade da mídia, então vocês podem escrever livremente, o que é ótimo. Estabelece a independência do Judiciário, do Ministério Público. Tudo isso é coisa importante. Consolida as garantias individuais, democracia, eleição a cada quatro anos para prefeito, vereador e todo mundo. Judiciário funcionando forte, como vemos agora, independente, firme. Tudo isso são conquistas históricas da Constituição de 1988. Agora, é uma Constituição que previu de fato um momento de, digamos, livre benefício previdenciário. Com o aumento da idade média da população, que é bom porque significa um longo parâmetro de vida, gerou, ao longo do tempo, uma situação insustentável.

Os salários de uma parcela dos servidores públicos brasileiros são altos em comparação com outras nações, até com países desenvolvidos. Como que o senhor vê isso?
Parte disso não é a Constituição, já é parte do trabalho democrático, e isso é um assunto que está cada vez mais em discussão, em pauta.

A estabilidade, estabelecida na Constituição, deveria abarcar tantas carreiras?
Estabilidade em si tem uma base importante: diminuir a influência política e não criar uma rotatividade excessiva a cada mudança de governo. A estabilidade na Secretaria do Tesouro Nacional, na Receita Federal, na Procuradoria da Fazenda Nacional é muito importante para o funcionamento das instituições do governo. O fato de eles não estarem preocupados lá em quem vai ser o novo secretário, quem será o novo ministro, se pode ser demitido, é importante. Temos que enfrentar essas questões. A discussão necessária, muitas vezes, é pontual, na época de discutir aumento de salário. Tudo isso começa a fazer parte do debate.

Fiscais costumam ter estabilidade em vários países, mas não professores universitários de forma ampla. Como o senhor avalia isso?
Esse é um debate mais abrangente. Eu acho, falando em educação, que nós precisamos de fato começar a observar uma série de coisas no desempenho. O Brasil, sem dúvidas, melhorou o nível da educação, a escolaridade, isto é, o número de alunos na escola e o número de anos que cada estudante passa na escola, mas a qualidade, não, continua baixa. Ficou estagnada ou caiu um pouquinho segundo o relatório do Pisa (programa internacional de avaliação, na sigla em inglês). É preciso mudar alguns critérios de avaliação e de cobrança de desempenho. Essa questão de aprovação automática, por exemplo, é ruim. Países que passaram por uma revolução na educação e na taxa de crescimento, por exemplo, a Coreia do Sul, têm cobrança do desempenho.

O senhor acha que seria o caso de cobrar a mensalidade em universidade pública, como sugere o Banco Mundial?
É uma outra discussão. Há vantagens e desvantagens. Tem que ver como faz para quem não tem condições de pagar. Eu acho que, havendo condições, sim. Agora, o problema, de novo, é que é uma questão muito mais abrangente e complicada. O que eu quero dizer é o seguinte: temos que discutir as coisas por etapas, se não a gente se perde e não vai a lugar nenhum. Nós precisamos aprovar a Previdência, em primeiro lugar. A reforma no Ensino Médio já foi feita. Então, vamos com calma, porque aí o país avança. Se não a gente fica querendo resolver tudo sem resolver nada, e aí não dá.

Quando é que o investimento vai crescer de forma consistente no Brasil, puxando o PIB?
A janela da poupança do setor privado é muito maior do que a do setor público. Com o teto e a Previdência, haverá, a longo prazo, uma sobra de 10% do PIB pela redução da despesa do montante federal. Isso trará impacto direto na taxa de investimentos.

O investimento iria de 15% do PIB para 25%?
Vamos supor que o ganho seja metade disso, que vá para 20%. Além do mais, tem a questão toda da produtividade. Estamos falando de capital, número de pessoas e produtividade da mão de obra. Na produtividade, a educação é um fator, certamente. Criamos agora uma secretaria no Ministério da Fazenda que só trabalha com isso, produtividade, e estamos trabalhando fortemente nesta direção. Então, é o seguinte: se olharmos a taxa média de crescimento do Brasil, do potencial, nos últimos 12 anos ,foi de 2,5%. A secretaria acredita que nosso potencial pode estar um pouquinho abaixo disso. Vamos supor que seja 2,3%, na pior hipótese. A expectativa é de que essa diferença de 10% de PIB pode gerar 0,7 de crescimento potencial, de 2,3% para 3%. Todas as reformas microeconômicos, inclusive a trabalhista, podem dar mais 0,7 ponto. Então, estamos falando de 3,7% de crescimento potencial. Vamos nessa direção correta.

Brasília, 13h15min

Vicente Nunes