ROSANA HESSEL
Em meio à confusão do Orçamento deste ano, salta aos olhos o aumento de mais de 100% nas previsões de investimentos, justamente em obras eleitoreiras, que constam nas alterações feitas pelo Congresso no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021. As mudanças fazem parte da manobra fiscal realizada pelo relator, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), e com apoio do presidente Jair Bolsonaro, que quer pavimentar o caminho das eleições de 2022 inaugurando obras pelo país.
A previsão inicial de investimentos proposta pelo governo federal e que consta no projeto orçamentário enviado pelo Executivo ao Congresso, excluindo as estatais, era de R$ 25,9 bilhões. Mas, após as mudanças feitas pelo Legislativo apontadas no autógrafo do Congresso que foi disponibilizado em 31 de março, esse montante foi ampliado para R$ 52,5 bilhões — aumento de 102,7%, após os acréscimos de R$ 29,1 bilhões e os cancelamentos de R$ 2,5 bilhões, conforme dados levantados pela Associação Contas Abertas a pedido do Blog.
Como resultado das alterações, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), por exemplo, ficou com o maior volume de investimentos: R$ 16,1 bilhões. Antes, a previsão era de R$ 2,3 bilhões, o que representa um salto de 600% nessa rubrica da pasta comandada pelo ex-secretário especial da Previdência Social e do Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho — desafeto do ministro da Economia, Paulo Guedes. Marinho teve a previsão orçamentária ampliada em 158%, passando de R$ 9,1 bilhões, para R$ 23,5 bilhões. E esses R$ 14,4 bilhões a mais são, na verdade, emendas parlamentares com foco em obras em municípios, principalmente, no Nordeste.
O Ministério da Defesa, em segundo lugar, poderá investir R$ 8,9 bilhões e o Ministério da Infraestrutura, com R$ 8 bilhões, ficou na terceira colocação. Enquanto isso, as previsões de investimentos do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde, passaram de R$ 2,1 bilhões e R$ 1,9 bilhões, respectivamente, para R$ 4,1 bilhões e R$ 4 bilhões. Juntos, somaram R$ 8,1 bilhões, praticamente empatando com a Infraestrutura, mas perdendo para o orçamento de investimentos da Defesa e do MDR, que é o dobro. Logo, Educação e Saúde passam longe das prioridades do atual governo, destacam analistas.
“O Orçamento deveria espelhar as prioridades da União. Na proposta do Executivo, a Defesa foi o órgão melhor contemplado com investimentos, e não é difícil imaginarmos os motivos. Durante a tramitação no Congresso, a prioridade dos parlamentares em suas emendas foi o MDR”, lamentou Gil Castello Branco, secretário-geral da Contas Abertas. “Não há a mínima lógica, em um cenário agudo de pandemia, em que faltam hospitais e equipamentos, que o MDR tenha R$ 16 bilhões em investimentos e a Saúde tenha R$ 4 bilhões”, comparou.
Defesa também privilegiada
Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, também lamentou o fato de os investimentos do Orçamento não priorizarem Saúde e Educação e ainda destacou uma curiosidade entre os gastos com pessoal da Educação e da Defesa, única pasta em que os servidores, no caso, militares, tiveram reajuste salarial em 2021, apesar da pandemia, onde, em países desenvolvidos, servidores com estabilidade tiveram até redução salarial.
Conforme os dados do Orçamento, enquanto a previsão de gastos com pessoal da Educação para este ano é de R$ 45,6 bilhões, o segundo maior gasto com pessoal é do Ministério da Defesa, de R$ 43,2 bilhões, que possui um contingente de pessoal infinitamente menor, lembrou o economista da Tendências.
A única base de comparação disponível é de 2017, pois a Defesa, procurada, não informou o número atualizado de militares. Naquele ano, enquanto a Educação tinha 288,3 mil funcionários, a pasta agora chefiada pelo general Braga Netto e que está no centro do escândalo de compras de picanha, filé mignon e leite condensado, tinha 19,4 mil funcionários. “A diferença entre os dois quadros é gritante, pois sabemos que o número de professores é muito maior, em termos de capital humano, se comparado com os militares, que acabam custando praticamente o mesmo que os professores em um número infinitamente menor”, comparou Klein. “Isso comprova como a Educação não é prioridade e os professores são remunerados”, lamentou.
Pedaladas fiscais
Um grupo de 21 parlamentares acionaram o Tribunal de Contas da União (TCU) para investigar as irregularidades do Orçamento de 2021, que ampliou os gastos cortando despesas obrigatórias para aumentar despesas em obras eleitoreiras, sem priorizar os gastos com a pandemia. Parlamentares e especialistas apontam, entre os crimes do Orçamento, pedaladas fiscais, maquiagem contábil e contabilidade criativa. O processo está sob a relatoria do ministro Bruno Dantas e os auditores estão debruçados sobre os dados e, dependendo da conclusão, o processo poderá mudar de mãos no Tribunal. Se os auditores quiserem tratar o assunto de maneira mais suave, no Ministério da Economia, Dantas seria o relator. Mas, se eles quiserem endurecer e criar uma porta para responsabilizar o presidente da República, a investigação passaria para as mãos do ministro Aroldo Cedraz, que é o relator das contas de 2021. A expectativa é que, no final desta semana, o relatório seja concluído.
Diante do impasse, Bittar tinha sinalizado ao presidente que pretende cortar R$ 10 bilhões dos R$ 26,5 bilhões de emendas parlamentares criadas pelo relator cortando despesa obrigatória, como aposentadorias. Contudo, o valor ainda é insuficiente,mesmo considerando as estimativas iniciais de estouro do teto — emenda constitucional que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior — feitas pelo Ministério da Economia, de R$ 17,6 bilhões, que foram ignoradas na votação do Orçamento.
A bagunça no Orçamento está fazendo analistas lembrarem da época dos anões do Orçamento e ela acabou saindo no almoço de Bolsonaro com os líderes na residência oficial do Senado no dia da aprovação da peça orçamentária enviada pelo governo ao Congresso em agosto de 2021. Logo, foi o chefe do Executivo quem deu o sinal verde para o relator fazer o texto com o cancelamento de R$ 26,5 bilhões de despesas obrigatórias para criar espaço para emendas parlamentares em obras de infraestrutura, contrariando os argumentos do Ministro da Economia, Paulo Guedes e de seus técnicos. Se a peça orçamentária for sancionada sem vetos do presidente, devido a série de crimes fiscais apontados no Orçamento, vários integrantes da pasta ameaçaram não assinar as ordens de pagamento para não serem processados de crime de responsabilidade fiscal.
Novo corte
Governo e parlamentares tentam chegar a um acordo sobre o Orçamento. Contudo, o corte adicional de R$ 15 bilhões sinalizado pela pela ministra-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, Flávia Arruda, que deve ser oficialmente empossada na próxima terça-feira, ainda não cobre o rombo estimado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado. Pelos cálculos da entidade, há um buraco de R$ 31,9 bilhões que precisa ser coberto para evitar o estouro do teto de gastos.
Vale lembrar que os parâmetros macroeconômicos não foram atualizados pelo relator, e, com isso, o Orçamento foi aprovado com projeções de receitas superestimadas e despesas subestimadas e nem incluíram o reajuste do salário mínimo de R$ 1.067 para R$ 1.100, o que provoca um impacto em torno de quase R$ 12 bilhões nas despesas da Previdência.
Castello Branco, da Contas Abertas, reconheceu que ficou surpreso com tanta irregularidade no Orçamento de 2021, pois o acordo para a votação foi firmado justamente no almoço que Bolsonaro teve com os líderes na residência oficial do Senado Federal no dia da votação da peça orçamentária. “A situação é muito curiosa como esse acordo foi feito e, pelo resultado, a conclusão é que acabou o combustível do Posto Ipiranga”, comentou. “Na época dos anões do Orçamento, era comum superestimar as receitas e subestimar as despesas. Mas cortar despesa obrigatória, eu nunca tinha visto”, emendou.