O BRASIL DE DILMA É ASSIM

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O Banco Central sempre foi apontado como ilha de excelência, um foco de resistência contra maluquices que sempre acometem os governantes de plantão. Pela instituição, passaram decisões vitais que evitaram o desastre econômico em várias oportunidades. Desde que Dilma Rousseff tomou posse, porém, essa história começou a mudar. O BC foi perdendo, pouco a pouco, o seu bem mais precioso: a credibilidade.

 

Apesar de todo o processo de destruição da imagem do BC, acreditava-se, até ontem, que a instituição ainda seria capaz de se levantar, de reconstruir sua reputação. Mas toda a esperança se esvaiu diante da decisão do presidente do banco, Alexandre Tombini, de se manifestar no primeiro dia da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Além de quebrar a liturgia do cargo, ele disse exatamente o contrário do que vinha pregando há dois meses. Pior: manifestou-se no dia seguinte a um encontro com Dilma que não constava na agenda de ambos.

 

Um dos instrumentos mais importantes do BC para manter a inflação dentro da meta é o controle das expectativas. E, desde novembro do ano passado, com a inflação encostando nos 11%, Tombini e vários diretores do banco trataram de adotar um discurso duro, indicando que a instituição não se intimidaria em aumentar a taxa básica de juros (Selic) se o custo de vida não cedesse para o centro da meta, de 4.5%. Fixou-se até um prazo: o fim de 2017.

 

Esse discurso foi reforçado na semana passada, quando o presidente do BC enviou uma carta ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, explicando os motivos que levaram o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) a estourar o limite de tolerância de 6,5%. Ali, os que ainda tinham dúvidas em relação aos compromissos do banco compraram a versão de que a Selic não só subiria, como o aumento seria forte, de 0,5 ponto percentual, alta defendida por dois integrantes do Copom na última reunião de 2014.

 

Pois ontem pela manhã, logo depois de o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciar projeções desastrosas para a economia brasileira — queda de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2015 e de 3,5% neste ano —, Tombini soltou uma nota dizendo que esses dados e todas as demais informações relevantes seriam analisadas pelo Copom. Foi a senha para dizer que os juros poderiam ser mantidos em 14,25% e, caso subisse, a alta seria minguada, de 0,25 ponto.

 

Sem autonomia

 

O problema não está em manter a Selic inalterada ou dar um aumento menor. A questão é que Tombini agiu sob pressão, dando um sinal explícito de que o BC não tem autonomia para fazer o que acredita que deve ser feito. Desde o início da semana passada, como mostrou o Correio, o PT vem pressionando o governo para que a Selic não suba. O partido da presidente Dilma ressaltou, com todas as letras, que, caso sancionasse o arrocho monetário, Tombini seria demitido.

 

Se realmente está disposto a cumprir as determinações de Dilma e do PT para se manter no cargo, Tombini deveria, pelo menos, manter a discrição. Poderia expôr todos os seus argumentos no debate travado com os diretores do BC na reunião do Copom. Certamente, teria força suficiente para convencê-los de que o momento é gravíssimo, com a pior recessão em mais de 80 anos. Ele teria, inclusive, a seu favor, economistas de respeito, que vêm insistindo que uma elevação da Selic agora não terá qualquer eficácia para o combate à inflação, já que a raiz dos problemas está na falta de um ajuste fiscal.

 

Tombini, contundo, escolheu o caminho mais fácil. A partir de agora, qualquer que seja a decisão de hoje do Copom, ninguém acreditará no que diz ou faz a autoridade monetária. Mantidos os juros ou não, deixou-se de ter referências. Mas não é de agora que o BC tem optado por um caminho errático, indicando que foi cooptado pela política. Em 2012, mesmo com a inflação em alta, Tombini e companhia jogaram a Selic para o nível mais baixo da história: 7,25% ao ano. Era o troféu que Dilma queria para apresentar na campanha à reeleição.

 

A queda dos juros se mostrou tão equivocada, que, seis meses depois, o BC foi obrigado a aumentá-los. Deu-se início a um longo processo de arrocho, que durou até as vésperas das eleições. A autoridade monetária fez uma parada estratégica na alta da Selic para sustentar o discurso da então candidata petista de que a inflação não era um problema. Tanto era que, três dias depois de as urnas confirmarem a vitória de Dilma, o Copom retomou o processo de elevação da Selic.

 

Marionete

 

O presidente do BC pode até ter garantido a sua permanência no cargo. Mas perdeu o respeito, não apenas do mercado. Dentro do banco, funcionários admitem que Tombini se tornou apenas uma marionete nas mãos de Dilma. Uma pessoa que fala, fala, mas faz exatamente o contrário do que diz apenas em benefício próprio. Para técnicos da instituição, será difícil acreditar que a promessa de combate à inflação é para valer. O BC de Tombini, inclusive, nunca conseguiu entregar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no centro da meta.

 

Na visão de servidores do BC, não faltaram oportunidades para que Tombini pudesse expressar uma posição diferente daquela que vinha difundindo. Ao longo das últimas semanas, o banco liberou, semanalmente, pesquisas mostrando a deterioração da economia, justamente a qual ressaltou o FMI ontem. Não era surpresa para ninguém que o Brasil mergulhou em uma recessão profunda.

 

Mas Tombini preferiu se manifestar somente depois que a pressão do PT para tirá-lo do BC se tornou pública e após uma conversa secreta com a presidente Dilma. Ela, por sinal, não escondeu a satisfação ao saber que o subordinado seguiu à risca o roteiro traçado no Planalto. Houve assessores do governo que só faltaram soltar foguetes depois de o comandante do BC sinalizar a manutenção dos juros ou um aumento menor que o previsto pelo mercado.

 

Como bem definiu um funcionário graduado do BC, Tombini se tornou uma espécie de Joaquim Levy, que acreditava ser um ministro da Fazenda poderoso, mas só colecionava derrotas. Por um bom tempo, Levy foi um ministro zumbi. “O certo é que, no atual governo, a presidente da República é, também, a ministra da Fazenda e a presidente do Banco Central. Os ocupantes desses cargos são meras figuras decorativas”, diz. Sem a credibilidade do BC, o combate à inflação custará mais caro. O Brasil de Dilma é assim.

 

Brasília, 08h30min