NÃO SE BRINCA COM INFLAÇÃO DE 10%

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A combinação perversa de inflação alta, desemprego e crédito caro e escasso fará com que o consumo das famílias registre queda por dois anos seguidos, em 2015 e 2016, o que não se vê desde 1990 e 1991, quando o então presidente, Fernando Collor de Mello, confiscou a caderneta de poupança dos brasileiros. Essa retração será determinante para o tombo do Produto Interno Bruto (PIB), que, pelos cálculos do Banco Central, encolheu 3,3% nos nove primeiros meses do ano ante o mesmo período de 2014.

 

Economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Fábio Bentes explica que, nos últimos quatro anos, as famílias conseguiram driblar a inflação alta recorrendo ao crédito para reforçar o orçamento. Como havia boas perspectivas para o mercado de trabalho, a preocupação com o acúmulo de dívidas era mínima. Por isso, as vendas de bens duráveis, como móveis, eletrodomésticos e carros, cresciam a um ritmo impressionante.

 

Mas, com a inflação chegando aos 10%, as empresas demitindo sem parar e os juros médios do crediário atingindo 63,2% ao ano — o nível mais elevado desde 2011, início da série histórica do Banco Central —, as famílias tiveram que pisar fundo no freio no consumo. “Não dá para competir com uma inflação de 10%. E assumir dívidas, com o desemprego dando as caras, ficou arriscado demais, passou a ser um tiro no pé”, diz o economista.

 

A dificuldade dos lares em lidar com momento tão adverso é tamanha que nem mesmo o consumo de alimentos está resistindo. Pelos cálculos de Bentes, as vendas de hiper e supermercados fecharão 2015 com queda de 2,9%, a primeira contração em mais de uma década. É possível que também o setor de medicamentos aponte retração. Em setembro, houve encolhimento de 1,1%, o primeiro tombo mensal desde 2003. “O orçamento das famílias ficou sem elasticidade”, ressalta.

 

Efeito cascata

 

O consumo das famílias começou a desabar na mesma velocidade em que o governo decidiu liberar os reajustes das tarifas de energia elétrica e os preços dos combustíveis, contidos por um bom período para evitar que a inflação superasse o teto de meta, de 6,5%, e complicasse o projeto de reeleição da presidente Dilma Rousseff. “Estamos falando de serviços essenciais, difíceis de serem retirados do orçamento”, explica Bentes. Mas não é só. Os aumentos desses serviços se espalharam por toda a economia, produzindo aumentos em cascata.

 

As primeiras vítimas do desarranjo foram os bens de consumo duráveis, que dependem de crédito. As vendas de carros tombaram 16,1% nos nove primeiros meses do ano. As de móveis e eletrodomésticos encolheram 13%. As de livros, 9,7%. “Tudo que depende de financiamento está numa situação tenebrosa”, destaca o economista da CNC. Também no setor de serviços, que vinha sustentando a economia, o quadro de retração impressiona. As receitas de serviços prestados às famílias estão em queda há 16 meses seguidos.

 

Esses números, destaca Bentes, levam a crer que, em 2016, o quadro não será muito diferente, sobretudo porque o impacto da recessão ainda não chegou com tudo ao mercado de trabalho. “Estamos projetando queda de 2,8% para o consumo das famílias em 2015 e de 1,3%, no ano que vem. Mesmo que a inflação ceda um pouco, de mais de 10% para algo próximo de 6,5%, não há como ver melhora no poder de compra dos lares”, frisa.

 

É por isso, no entender do economista da CNC, que a confiança de consumidores e empresários está no chão. As famílias só estão comprando o essencial. E continuarão assim até que a economia comece a dar sinais concretos de recuperação, o que não está no horizonte de ninguém. Nas empresas, a ordem é reduzir custos. E demitir o número necessário de trabalhadores para que não haja quebradeira.

 

Enganação

 

Responsável por mais de 60% do PIB, do lado da demanda, o consumo das famílias fará com que a retração da economia se prolongue pelo menos até o terceiro trimestre de 2016. Por mais que o governo consiga dar um rumo ao ajuste fiscal — o que poucos acreditam — a desconfiança prevalecerá. Dilma conseguiu desestruturar a economia de tal forma, que será preciso um longo período para a reconstrução das bases essenciais à estabilidade.

 

Na avaliação de especialistas, diante de toda a enganação do governo que os brasileiros tiveram de engolir nos últimos anos, e que estão custando muito caro ao país, será preciso mais do que discursos otimistas e conciliadores para reverter o pessimismo. A fatura do desastre só está no começo. Não à toa, a maior parte dos eleitores desaprova a atual administração.

 

Brasília, 08h10min