MP do etanol gera insegurança jurídica e não deverá reduzir preços

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ROSANA HESSEL

A Medida Provisória que libera a venda direta de etanol para os postos de combustíveis, publicada nesta quinta-feira (12/08) no Diário Oficial da União (DOU) está sendo considerada mais uma lambança do governo Jair Bolsonaro, a exemplo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe o parcelamento em 10 anos dos precatórios — dívidas judiciais da União — acima de R$ 66 milhões , que é apontada como inconstitucional por especialistas da área jurídica e uma pedalada fiscal gigante por especialistas em contas públicas, além de burlar o teto de gastos –– emenda constitucional que limita ao aumento de despesas à inflação.

Além de não ter a garantia de que haverá redução no preço do combustível na bomba, porque não há redução de carga tributária, a proposta cria insegurança jurídica, porque interfere nos contratos atuais entre os postos e as distribuidoras.  “O governo atropelou a discussão que estava sendo conduzida junto ao setor e pegou todo mundo de surpresa com a MP. Ele quer reduzir a margem das distribuidoras na comercialização do etanol, de 7% a 10%, mas que não terá um impacto muito grande em um litro que hoje custa, em média, R$ 5”, alertou o presidente do Sindicombustíveis-DF, Paulo Tavares.

De acordo com dados do Ministério da Economia, o governo não vai reduzir a arrecadação dos tributos federais com a medida. Hoje, as alíquotas de PIS-Cofins é de R$ 0,1309, por litro ao produtor e de R$ 0,1109 por litro ao distribuidor. “Essa incidência permanecerá caso a comercialização do etanol ocorra por meio das distribuidoras. Contudo, caso de venda direta de produtor ou importador para comerciante varejista, a incidência será de R$ 0,2418 por litro ao produtor ou importador, que corresponde a R$ 0,1309 + R$ 0,1109”, informou a pasta. Com isso, o produtor passará a recolher também a alíquota do distribuidor, e, portanto, recolherá mais imposto.

“Essa MP tem vários vícios de origem e não vai baixar os preços nas bombas, porque o governo não está abrindo mão de nada. Além disso, é uma é medida inconstitucional, porque interfere no contrato entre as partes. Além disso, vai aumentar a sonegação, abrindo espaço para distribuidores clandestinos e adulteradores, deixando o consumidor sem garantias sobre a qualidade do produto que vai consumir”, lamentou.  “Somos a favor de uma medida a favor do livre mercado, mas que respeite os contratos”, alertou.

Tavares lembrou que a venda direta aos postos de combustíveis era uma demanda de pequenas usinas do Nordeste, mas para postos próximos da localidade. Com a retirada das distribuidoras, o risco de aumentar o contrabando será maior.

Reação das distribuidoras

Além dos postos, Tavares lembrou que as distribuidoras também foram surpreendidas com o anúncio da MP. “Recebemos com surpresa a publicação da Medida Provisória, tendo em vista as discussões regulatórias que vem sendo conduzidas pela Agência Nacional de Petróleo e Biocombustíveis – ANP e que deveriam ser o meio próprio para discussão de tais matérias.  As medidas propostas não deveriam concentrar esforços em alterar regras regulatórias que não trarão qualquer benefício para o consumidor ou para os agentes regulados, tendo em vista que a atual regulação já prevê dois formatos de operação: posto com bandeira e posto bandeira branca, de livre escolha do revendedor”, destacou nota da Raízen enviada aos revendedores Shell, que possuem cláusula de exclusividade.

“Entendemos que os esforços deveriam se concentrar em uma reforma tributária ampla, no avanço da agenda da quebra do monopólio do refino e em regras efetivas de combate ao comércio irregular no setor de combustíveis”, emendou o comunicado, acrescentando que “a relação não sofrerá qualquer impacto” porque a Medida Provisória “não tem qualquer efeito” sobre os contratos em vigor.

A BR Distribuidora também enviou nota aos revendedores destacando que a MP atropelando o processo atual de revisão que estava sendo conduzido pela ANP. “Acreditamos que a medida não traz benefícios à revenda e tampouco ao consumidor. Ela aumenta os custos regulatórios e fiscais e cria uma desestruturação em um mercado bastante maduro e complexo”, informou.  A instituição lembrou que, no Brasil, os postos de combustíveis já têm a opção de ostentar ou não marcas comerciais de distribuidora.

“Quando opta por uma bandeira, o revendedor acredita que o investimento que a distribuidora faz em sua marca através de ações de marketing e fidelidade, controle de qualidade, tecnologia, desenvolvimento de novos produtos, infraestrutura e logística beneficiam diretamente seu negócio – é o poder da rede representada. Cerca de metade dos postos revendedores no Brasil optaram por ostentar uma marca de bandeira e a outra metade não, demonstrando que os dois modelos estão à disposição para que o empresário tome a sua decisão”, destacou lembrando que a bandeira transmite mais confiança ao consumidor sobre a qualidade do combustível.  “Uma vez dentro do posto, ele tem a garantia de que os produtos ali ofertados carregam os atributos compatíveis com sua escolha. Em um posto onde os produtos oferecidos possam vir de fontes diferentes, a escolha do consumidor fica menos clara e, sem dúvida alguma, prejudicada”, acrescentou.

Diante das críticas crescentes em relação à MP sobre a venda direta do etanol, o Ministério da Economia divulgou uma nota tentando justificar a medida, alegando que “promove ajuste tributário para alterar a incidência da PIS e COFINS nessas operações. “No caso dos ajustes no ICMS, fixa-se uma vacatio legis mínima de 120 dias para que haja tempo hábil para adequação desse imposto pelos Estados da Federação. Com isso, garante-se neutralidade tributária nas operações e evita-se distorções concorrenciais no setor”, destacou o documento da Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria da pasta (Secap), que garantiu respeito aos contratos. “A flexibilização da chamada tutela regulatória da fidelidade à bandeira tem o objetivo de aumentar a competição no setor de combustíveis por meio da entrada de novos agentes no mercado, ao mesmo tempo em que preserva o direito do consumidor à informação clara sobre a origem dos produtos e respeita as relações contratuais.”

Vicente Nunes