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Mercado reage mal ao pedido de “licença” de Guedes para furar o teto de gastos

Publicado em Economia

ROSANA HESSEL

O mercado voltou a reagir negativamente, nesta quinta-feira (20/10), após a confirmação, ontem, do governo de que o valor do benefício Auxílio Brasil, programa que vai substituir o Bolsa Família, deverá ser de, “pelo menos”, R$ 400. E, para conseguir financiar essa despesas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que estuda uma forma de alterar teto de gastos e, inclusive, pretende pedir uma “licença” ao Congresso Nacional para o governo gastar mais. A Bolsa abriu em queda, o dólar disparou e o governo precisou suspender as negociações do Tesouro Direto.

 

Essa ‘licença” para furar o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior — defendida por Guedes não agradou os agentes financeiros diante da ameaça cada vez mais clara de que o governo já jogou a toalha para preservar a última âncora fiscal que está funcionando, ainda de forma torta, pois , possui várias chaminés construídas durante a crise provocada pela pandemia da covid-19. Teoricamente, com a vacinação em curso e com metade da população totalmente imunizada, o governo não tem argumentos para voltar a furar o teto no ano que vem. Bastava cortar as gorduras nas despesas que não dão retorno à atividade econômica e que nunca foram revisadas por este governo como o prometido.

 

De acordo com especialistas em contas públicas, o governo precisa cortar subsídios e emendas parlamentares — como as do relator do Orçamento, a jabuticaba criada neste governo e que ninguém sabe direito para onde vai efetivamente porque é usada na compra de apoio da base — , como vem sugerindo analistas em contas públicas. Contudo, esse tipo de medida não agrada a ala política do governo, que quer torrar dinheiro público em ano eleitoral, com medidas populistas.

 

Logo no início desta quinta-feira (20/10), o dólar disparou quase 2% e chegou a ficar perto de R$ 5,70 e o Tesouro Nacional precisou suspender as negociações do Tesouro Direto, devido à volatilidade no mercado, ou seja, investidores aumentaram o custo do prêmio de risco para os títulos públicos. A negociação “já foi normalizada” após a “reprecificação”, de acordo com o Ministério da Economia. O órgão informou que os títulos indexados à taxa básica da economia (Selic) foram negociados normalmente pela manhã, mas “os demais títulos foram reprecificados em aproximadamente uma hora, com a redução da volatilidade do mercado secundário de títulos públicos”.

 

A Bolsa de Valores de São Paulo (B3), opera em forte queda, com as ações da Eletrobras liderando as perdas.  Por volta do meio dia, o Índice Bovespa, principal indicador da B3, recuava 2%, chegando a 108,6 mil pontos.

 

“O real é a moeda que mais tem se desvalorizado no mundo e isso é um fenômeno que reflete os problemas domésticos”, comentou Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Gestora de Recursos, que já estima queda de 8% do real frente à divisa norte-americana no ano, considerando os valores de hoje.

 

“O Brasil está com problemas fiscais sérios e está perdendo a âncora fiscal e o governo quer jogar o peso do ajuste para o Banco Central”, avaliou. Para Velho, com essa confusão toda, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), entre os dias 26 e 27 deste mês, o BC será obrigado a dar uma “cacetada” na taxa básica da economia (Selic), podendo elevar os juros o básicos de 6,25% para 8,25% ao ano. “A meta de inflação está sob o risco de virar uma piada, como as regras fiscais”, completou. Ele contou que, desde o Plano Real, nunca mais tinha ouvido a palavra “waiver” (renúncia) citada por Guedes em relação ao pedido de “licença” de Guedes para gastar nada mais é do que uma autorização para uma espécie de calote da dívida, como ocorria nos 1980, durante a hiperinflação. “Isso é um tremendo retrocesso”, lamentou.

 

José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, também aposta em uma alta superior aos 1,0 ponto percentual inicialmente sinalizado pelo Banco Central na próxima reunião da diretoria sobre a política monetária e prevê 9,25% para a Selic no fim do ano, com duas altas de 1,5 ponto percentual nas duas próximas reuniões. “A inépcia do governo no trato de suas promessas e dívidas justifica atualizações quase diárias nas projeções de variáveis sujeitas a expectativas de curto prazo. Uma alta de 150 pontos na Selic no próximo Copom pode colocar o comitê à frente da curva. E, com algum tempero no comunicado, reduzir as taxas curtas”, escreveu, em comunicado aos investidores. “As longas, só com o mercado digerindo um extra teto definido, com o aval do ministro da economia. O dólar, fica combinado, vai para novo patamar, o BC entrando para evitar rupturas nas operações. O Copom não pode mudar de ideia sobre o risco fiscal e abrir mão de tentar levar a inflação para a meta. Alteramos nosso call para duas altas de 150 pontos nas próximas reuniões. E ressalvamos que a inflação não vai ceder de modo relevante no horizonte relevante, dada sua natureza”, acrescentou.