POR ANTONIO TEMÓTEO
As chances de o Banco Central (BC) reduzir hoje a taxa básica de juros (Selic) em mais de um ponto percentual perderam força após o vazamento da lista de políticos delatados pelos executivos da Odebrecht na Lava-Jato. Poucos minutos após o relator da operação no STF, Edson Fachin, autorizar a abertura de inquérito para investigar ministros, parlamentares e governadores envolvidos no maior esquema de corrupção do país, os plenários do Senado Federal e da Câmara dos Deputados foram esvaziados. A votação de socorro aos estados em crise financeira, por exemplo, foi adiada mais uma vez.
A escalada da crise política trará dois problemas imediatos para a equipe econômica. Caso haja paralisia dos trabalhos no parlamento, a reforma da Previdência será engavetada e o ajuste das contas públicas fracassará. O risco país aumentará, e há o risco de uma escalada do dólar e de uma queda significativa da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa).
Ontem, o pregão, que operava em leve alta, terminou o dia com queda de 0,45%, aos 64.360 pontos. Já a moeda norte-americana teve tímida valorização de 0,13%, cotada a R$ 3,145. Com o risco de o imbróglio político paralisar o país novamente, o ritmo de cortes dos juros e o tamanho do ciclo de afrouxamento monetário terão de ser revistos pelo BC e pelo mercado. Apesar da agitação política, o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor da autoridade monetária, avalia que a redução de um ponto percentual da Selic na reunião de hoje é certa.
Segundo ele, o BC tem demonstrado, nas últimas comunicações, a crença de que a reforma da Previdência será aprovada mesmo com os ruídos políticos dos últimos meses. Entretanto, Schwartsman alerta que, se a proposta for desidratada ou não receber o aval dos parlamentares, o processo de queda de juros será comprometido. “Um corte superior a um ponto percentual saiu do radar nesse momento. Mas, se a situação piorar, a autoridade monetária não terá como justificar uma aceleração do ritmo de corte, mesmo que moderada”, afirma.
A cautela assumida pela equipe de Ilan Goldfajn diante de tantas incertezas desde a chegada de Michel Temer ao Palácio do Planalto é acertada, avalia o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC. De acordo com ele, a atual gestão da autoridade monetária tem méritos por consolidar o processo de queda das expectativas de inflação e iniciar o ciclo de afrouxamento monetário. Freitas destaca que esse processo precisa ser cuidadoso, diante das incertezas existentes e dos riscos inflacionários.
O ex-diretor do BC comenta que os juros altos, a fraqueza da atividade econômica e a deterioração fiscal levaram os investidores a fazer aplicações em renda fixa, o que aumentou significativamente o nível de recursos encarteirados. Freitas ressalta que uma aceleração do ritmo de corte dos juros poderia trazer pressões inflacionárias que não estão no radar dos analistas e que os agentes financeiros se disporiam a tomar mais risco em busca de rentabilidade maior, já que os títulos públicos, por exemplo, pagariam menos. “Estamos pagando pelos erros do passado, que repercutem agora. O BC deve analisar a questão da mesma maneira que um médico cuida de um paciente com pressão alta. Fazendo medições periódicas para avaliar o processo de melhora, os riscos envolvidos e o melhor remédio”, destaca.
Habilidade política
Toda a instabilidade trará mais um desafio para a lista de Michel Temer. Mais do que nunca, ele terá de usar toda a sua habilidade para convencer a base aliada de que, mesmo alvejada pela Lava-Jato, aprovar a reforma da Previdência é essencial para o país voltar a crescer. As décadas de experiência como parlamentar serão colocadas à prova em um momento delicadíssimo tanto para a economia quando para a política.
Vale lembrar que o chefe do Executivo se comprometeu a afastar temporariamente todos os ministros que fossem denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) e fossem investigados com autorização do Supremo Tribunal Federal (STF). Essa promessa trará uma dor de cabeça adicional a Temer em um momento que precisará dos subordinados para convencer os parlamentares a votar favoravelmente à aprovação da reforma da Previdência.
De olho nas eleições do próximo ano, muitos deputados e senadores, em tese, teriam de explicar aos eleitores o suposto envolvimento no maior esquema de corrupção do país e uma “retirada” de direitos com as mudanças nas regras para concessão de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entretanto, a reforma é essencial para o Brasil voltar a crescer. Mas ela precisa afetar, igualmente, homens e mulheres, servidores públicos e militares, além de acabar com os privilégios e distorções ainda existentes.
O que precisa ficar claro para a sociedade é que um país com juros baixos e justos, além de uma economia que gera empregos, dependem de contas públicas equilibradas para atrair investimentos. No país das desigualdades, o futuro de muitos já foi hipotecado e o risco de perdemos o pouco que ainda resta é enorme.
Brasília, 09h30min