IFI aponta necessidade de corte de R$ 31,9 bilhões no Orçamento para evitar estouro do teto

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ROSANA HESSEL

O Orçamento de 2021 aprovado na noite de quinta-feira (25) continua dando o que falar, pelo fato de não respeitar as regras fiscais e ainda ser de difícil execução para o governo federal, que será obrigado a anunciar um contingenciamento duro, mais cedo ou mais tarde, para não descumprir a regra do teto de gastos e a meta fiscal.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), por exemplo, aponta vários problemas do Orçamento de 2021 em uma nota técnica divulgada nesta segunda-feira (29/03). O documento, assinado pelos diretores Felipe Salto e Daniel Couri, estima em R$ 31,9 bilhões o estouro do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas sujeitas a essa regra pela inflação.

O limite deste ano para as despesas sujeitas ao teto é de R$ 1.485,9 bilhões, mas, pelos cálculos da IFI conforme o que está previsto dos gastos aprovados pelo Congresso, essa despesas já somam R$ 1.517,8 bilhões, considerando R$ 139,1 bilhões em despesas discricionárias (não-obrigatórias).  “Essa simulação indica que, para cumprir o teto, caso as despesas obrigatórias da IFI se confirmem, ao longo do ano, seria preciso cortar as despesas discricionárias da coluna “autógrafo” em R$ 31,9 bilhões. O teto de gastos permitiria despesa discricionária de, no máximo, R$ 107,2 bilhões, em 2021″, escreveram os economistas na nota técnica.

Além do teto, a meta fiscal também está ameaçada, de acordo com a nota da IFI. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 permite um deficit primário nas contas públicas de até R$ 247,1 bilhões nas contas do governo central e ela será desrespeitada se as despesas discricionárias forem mantidas nesse patamar de R$ 139,1 bilhões, ou seja, será preciso corte na despesas para que  a regra não seja descumprida.

De acordo com a nota, “o contexto fiscal de 2021 é marcado pela incerteza associada à evolução da covid-19”. Os economistas lembram que no Orçamento aprovado pelo Congresso, não está previsto o gasto com o auxílio emergencial. No cenário base da IFI, esse gasto seria de R$ 45 bilhões, quando considerada a parcela que migraria do Bolsa Família, ou R$ 34,2 bilhões, sem essa parcela. Eles destacaram no documento que uma regra fiscal nova, introduzida pela emenda constitucional 109, oriunda da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, recém-aprovada para recriar o auxílio emergencial a partir de abril, também corre o risco de de ser burlada. A emenda estabeleceu que a razão entre as despesas obrigatórias e as despesas primárias totais, ambas sujeitas ao teto, não poderá ultrapassar 95%. Se isso acontecer, medidas automáticas de ajuste (gatilhos), já previstas na emenda do teto, em boa medida, serão acionadas, mas tudo ainda precisará ser observado.

A nota da IFI ainda destacou que um grupo importante de despesas do Orçamento, de cerca de R$ 451 bilhões, está condicionado à aprovação de créditos suplementares, pelo Congresso, em razão da regra de ouro — prevista na Constituição determinando que as operações de crédito (dívida pública) não superem a despesa de capital, incluídos os investimentos, ou seja, o governo não pode emitir títulos para pagar despesas correntes acima desse limite. “Assim, neste ano, foi necessário aprovar um projeto de lei que permitiu trocar fontes orçamentárias para viabilizar a execução provisória de gastos correntes essenciais cujas fontes eram a emissão de dívida”, informou o documento.

O contingenciamento, apesar de necessário para o cumprimento das regras fiscais, poderá comprometer o funcionamento da máquina pública, segundo especialistas e parlamentares que têm apresentado críticas ao texto da peça orçamentária.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem reunião com técnicos da equipe econômica que sempre se debruçam sobre o Orçamento na manhã de hoje. Ele tem evitado fazer declarações sobre o Orçamento aprovado pelo Congresso, que o deixou sem muito espaço até para recriar o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), cuja medida provisória era esperada por empresários para ser assinada na sexta-feira (26).

Contabilidade criativa e pedaladas

A manobra contábil do relator da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), de criar um espaço de R$ 26,5 bilhões cortando despesas obrigatórias, como aposentadorias, para ampliar as emendas parlamentares de obras, principalmente, as do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), que teve o orçamento de investimentos mais do que dobrado, passando de R$ 2,3 bilhões para  R$ 6,9 bilhões, deixou um rastro de irregularidades, de acordo com especialistas ouvidos pelo Blog.

“Tem de tudo nesse Orçamento, que é uma verdadeira peça de ficção. Tem pedalada, tem maquiagem contábil, tem contabilidade criativa”, denunciou Gil Castello Branco, especialista em contas públicas e secretário-geral da Associação Contas Abertas.  Ele lembrou que a ex-presidente Dilma Rousseff pedalou na execução orçamentária. E, agora, a pedalada está sendo feita pelo Congresso e pelo Executivo no Orçamento, que foi acordado naquele almoço entre o presidente Jair Bolsonaro e os líderes da base governista na casa do presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, na quinta-feira passada, quando o Orçamento foi aprovado.

Castello Branco apontou como pedalada o adiamento do pagamento do abono salarial para 2022, mas os recursos deste ano entraram na conta dos R$ 26,5 bilhões das emendas parlamentares, ainda que tenha a autorização do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat). “Contabilidade criativa é é jogar no colo do empresário o pagamento do auxílio-doença de um beneficio que ainda não está regulamentado e fugir do teto de gastos, tirando R$ 13,5 bilhões de despesas da Previdência e, tudo isso, com apoio da base parlamentar”, destacou. “O problema de Dilma foi que ela pedalou na execução do Orçamento, e, agora, estão pedalando antes mesmo de ele ser executado”, comparou.

Um dos problemas no Orçamento apontados por Castello Branco é o fato de as despesas estarem subdimensionadas e as receitas, superestimadas, pois não houve correções dos parâmetros macroeconômicos, e, muito menos do salário mínimo, de R$ 1.100. Na peça, ainda consta o valor de R$ 1.067 previsto no Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), enviado ao Congresso em agosto de 2020 pelo Executivo. Considerando que a cada R$ 1 a mais no piso salarial implicam em R$ 360 milhões, em média, de despesas adicionais à Previdência Social, há um custo que não está sendo contabilizado, e que afeta o teto de gastos, de R$ 11,9 bilhões.

Enquanto isso, os investimentos para Educação e Saúde, passaram, respectivamente de R$ 2,1 bilhões para R$ 3,1 bilhões e R$ 1,1 bilhões para R$ 3,6 bilhões. Juntos, são gastos inferiores aos do MDR e aos R$ 8,4 bilhões previstos para a Defesa, único órgão que recebeu reajuste salarial no meio da pandemia. “Isso mostra bem quais são as prioridades do Orçamento e do governo”, lamentou o economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria.

No relatório de avaliação de receitas e despesas do primeiro bimestre, a meta fiscal tem uma folga de R$ 13,5 bilhões, considerando o salário mínimo atualizado, em R$ 1.100, mas há um aumento expressivo de receitas na comparação com o PLOA, de R$ 83,5 bilhões, uma vez que a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, de 3,2%, foi mantida. Já a de inflação, foi elevada de 3,2% para 4,4%.  Os dados ainda estão defasados se comparados com atual projeção do mercado e já previam um estouro de R$ 17,6 billhões no limite previsto para o teto de gastos, que deveria ser o valor a ser contingenciado.

Conforme dados do Banco Central, a mediana das estimativas do mercado para o PIB deste ano foi reduzida de 3,22% para 3,18%. Já a de inflação, subiu de 4,71%, na semana passada, para 4,9%, nesta segunda-feira.

O Tribunal de Contas da União (TCU) deverá alertar para os riscos de crime fiscal que o presidente Jair Bolsonaro deverá cometer se aprovar o Orçamento sem vetos.

Vicente Nunes