Orçamento foi aprovado pelo Congresso, mas os riscos fiscais aumentaram

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ROSANA HESSEL

O Congresso Nacional aprovou o Orçamento de 2021, ontem, mas deve continuar gerando polêmicas. A aprovação deveria ter ocorrido no ano passado, pois a peça orçamentária foi enviada pelo Executivo em agosto de 2020. E, apesar de agentes de mercado considerarem esse fato positivo e especularem apenas com uma parte da informação, fazendo a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) subir nesta sexta-feira (26/03), e o texto final, na verdade, amplia riscos de descumprimento das frágeis regras fiscais e, portanto, deverá gerar mais instabilidade, segundo especialistas.

A peça orçamentária não condiz com a realidade. É uma verdadeira peça de ficção, segundo os especialistas. Aliás, tem até requintes de crueldade, pois manteve o reajuste salarial de militares, que receberam R$ 8,3 bilhões para investimentos, e reduziu a previsão de recursos para o pagamento de aposentadorias. Aumento de salário de servidor, que tem estabilidade, quando há mais de 13 milhões de desempregados no país, chega ser um tapa na cara do contribuinte que paga uma das maiores cargas tributárias do mundo e não tem um retorno do governo federal decente em serviços públicos. Qualquer reajuste salarial na esfera pública é totalmente desnecessário na atual conjuntura.

Nos países desenvolvidos, durante essa pandemia, houve corte de salários de servidores e de parlamentares, algo totalmente fora de cogitação no Brasil, que está com as contas públicas no vermelho desde 2014, tem um endividamento muito acima da média de países emergentes e gasta com subsídios praticamente o mesmo que desembolsa com salários. Outros problemas apontados são suspeitas de pedaladas e de crimes de responsabilidade, mas os dados ainda estão sendo levantados.

O relator do Orçamento, o senador Marcio Bittar (MDB-AC), entregou um texto cheio de problemas e que foi piorado durante a votação. O senador não fez correções das atualizações de receitas e despesas, e, muito menos alterou o valor do salário mínimo, de R$ 1.100, mantendo o valor anterior do projeto, de R$ 1.067. Como, em média, cada real a mais no piso salarial implica, em pelo menos, de R$ 360 milhões de gastos adicionais com Previdência Social, pelo menos, R$ 11,9 bilhões foram ignorados nas despesas e que precisarão de algum recurso para serem cobertos e que se somarão aos R$ 13,5 bilhões dos gastos da  Previdência que foram tirados para criar, na última hora, espaço para R$ 26,5 bilhões de emendas parlamentares destinados para obras e para a saúde.

Ao propor os cortes de gastos obrigatórios na última hora, Bittar ainda criou problemas para seus assessores técnicos, que não conseguiram, até agora, os dados para fazer de forma consistente com a mudanças das fontes, revisando receitas específicas. No orçamento toda despesa tem que ter uma receita equivalente para ser justificada.

Outro problema são as projeções macroeconômicas, que são fundamentais para o dimensionamento correto, defasadas e devem ameaçar as regras fiscais. O texto, por exemplo, prevê uma taxa crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano de 3,2%, mas vem caindo pelas projeções do mercado. E a inflação, de 3,24%, está bem abaixo das projeções do Banco Central, de 5%. Logo, se o país crescer menos, as receitas vão encolher, e se a inflação subir muito mais, as despesas vão disparar, e, portanto, a conta não vai fechar e o rombo será maior do que a meta fiscal, que permite um déficit primário de até R$ 247,1 bilhões.

Além disso o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento das despesas para inflação e que é a âncora fiscal para a qual o mercado olha — não vai conseguir parar em pé, apesar dos remanejamentos de última hora. Analistas estão fazendo as contas mas admitem que o teto poderá estourar neste ano, pois o fato de o Orçamento ter despesas subdimensionadas para caberem nesse teto. Logo, o contingenciamento de despesas será inevitável. Caso contrário, o governo precisará mudar a meta fiscal e também estourar o teto.

“O orçamento que foi aprovado não espelha a realidade. O governo vai ter que fazer um contingenciamento brutal. Mais uma vez, estamos vendo uma peça de ficção”, destacou Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. Ele lembrou o corte de gastos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que compromete a realização do censo de 2020, que deveria ter sido feito no ano passado.

O especialista em contas públicas e analista do Senado Leonardo Ribeiro também vê uma série de problemas no Orçamento de 2021. “Daqui para frente, o que a gente vai estar vendo será a quebra das regras fiscais. Há um grande problema de falta de transparência. A peça apresenta despesas obrigatórias subestimadas para ampliar os gastos discricionários só para aprovar um orçamento respeitando o teto de gastos, como emendas para investimentos que foram para militares e outras áreas do governo, como o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional). O que vimos foi um faroeste promovido pelo Executivo para saques no Orçamento”, lamentou.

Ribeiro estima um contingenciamento de, pelo menos R$ 30 bilhões, que é mais ou menos o que o relator tentou criar. E ele prevê que o Ministério da Economia deverá iniciar esses adiamentos nos pagamentos de despesas justamente pelas emendas.  O relator  incorporou quase R$ 19,8 bilhões oriundos de 7.133 emendas parlamentares às despesas. A maior parte das sugestões (86%) é de emendas impositivas, ou seja, de execução obrigatória pelo Executivo. Desse total, mais de R$ 8,3 bilhões dessas emendas impositivas  de deputados e R$ 1,3 bilhão, de senadores.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, contou que ele e sua equipe estão analisando os números e, em rede social, postou um texto adiantando que “a análise do orçamento de 2021 requer consolidar os cancelamentos e rearranjos de fontes feitos em complementação de voto, ontem. Só assim é possível ver os números finais de (despesas: pessoal, Previdência, BPC (Benefício de Prestação Continuada), Abono etc. Vamos concluir se está ou não ‘subestimado’ ao comparar com o cenário da IFI”, escreveu.

Procurado, o senador Marcio Bittar e o Ministério da Economia não comentaram o assunto. Em nota, a pasta apenas informou que “os aspectos questionados pela reportagem serão analisados após o recebimento do Autógrafo da Lei Orçamentária, a ser encaminhado pelo Congresso Nacional, em razão da necessidade de o Poder Executivo conhecer, oficialmente, os valores e termos finais aprovados pelo Legislativo”.

Vicente Nunes