Acabou a euforia

Publicado em Economia

A grande maioria dos investidores e analistas de mercados acreditou que, com o afastamento de Dilma Rousseff do poder, uma onda de otimismo varreria o Brasil e a recessão que maltrata empresas e população seria varrida rapidamente do mapa. Apressados, muitos economistas e gente graúda do governo de Michel Temer trataram de divulgar estimativas mostrando que não só o segundo semestre deste ano seria melhor, como havia a possibilidade de o Produto Interno Bruto (PIB) crescer 2% ou mais em 2017. A onda de euforia se mostrou forte, mas não conseguiu resistir à realidade. A situação do país continua muito ruim, a recessão ainda domina a cena e a recuperação no ano que vem, se vier, será fraca.

 

Cair na real é doloroso. Mas não há escapatória. A destruição da economia durante o governo de Dilma foi tão profunda, que reconstruir as bases levará mais tempo do que o desejado. Nem mesmo a superequipe montada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, apontada como salvadora da Pátria, está conseguindo reverter o desastre. É verdade que não faltou esforço por parte do governo, mas todos subestimaram a situação da economia. Empresas e famílias estão superendividadas, minando as duas principais forças motoras do PIB, os investimentos e o consumo.

 

O sentimento de desânimo já vinha se desenhando no governo e no mercado havia algumas semanas, mas, agora, há a certeza de que o quadro é devastador. Pior: a percepção de que a economia permanece em frangalhos se juntou à eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Desde que o resultado foi anunciado, um sentimento de pânico tomou conta dos investidores, com o dólar subindo quase 9%, flertando com os R$ 3,50. A disparada da moeda norte-americana traz de volta ao cenário a inflação, que vinha dando trégua, e inibe os passos cuidadosamente traçados pelo Banco Central para reduzir a taxa básica de juros (Selic).

 

“Entramos em um quadro em que só prevalecem notícias ruins”, diz um integrante da equipe econômica. “A economia vai demorar mais para se recuperar, a inflação pode se assanhar de novo e os juros vão cair menos”, acrescenta. Para tentar minimizar os estragos, ele acredita que o governo precisa se movimentar no Senado para aprovar, o mais rapidamente possível, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos públicos. “Temos que mostrar que continuamos agindo para criar todas as bases para o crescimento sustentado da economia, mesmo que isso se dê mais adiante. Não podemos descuidar desse assunto em nenhum momento”, frisa.

 

Prejuízos

 

A situação está tão complicada que, para conter o sentimento de pânico que começa a tomar conta dos investidores, o governo decidiu fazer uma intervenção conjunta do Banco Central e do Tesouro Nacional nos mercados. De um lado, o BC vendendo dólares; de outro, o Tesouro comprando títulos públicos, já que muitos detentores desses papéis vêm acumulando pesados prejuízos. “Não podemos ficar parados, assistindo passivamente o que está acontecendo no mercado. A intervenção conjunta é uma maneira de reafirmar a nossa disposição de conter movimentos atípicos”, ressalta um técnico da Fazenda.

 

A determinação de Temer é para que o BC e a Fazenda contenham o nervosismo e indiquem que não permitirão distorções nos mercados. “O presidente está ciente de que a maior parte da volatilidade dos mercados tem a ver com a eleição de Trump. Contudo, ele têm cobrado uma ação mais enérgica, para evitar a percepção de que o governo está se deixando tragar pela onda de pessimismo”, emenda um assessor presidencial.

 

O Palácio do Planalto acredita que as desconfianças em relação ao futuro presidente dos Estados Unidos tenderá a diminuir nos próximos dias, à medida que ele for revelando a composição de sua equipe e deixando de lado o discurso mais radical. “Não dá para acreditar em tudo o que Trump prometeu na campanha. Os investidores acabarão entendendo isso. Só resta saber quando isso acontecerá”, afirma o auxiliar de Temer. O maior temor dos donos do dinheiro é que o sucessor de Barack Obama traga de volta a inflação, estraçalhe as contas públicas e ponha em prática medidas protecionistas.

 

Reservas

 

No Banco Central, a ordem é manter a serenidade. Os técnicos acreditam que os leilões de swap tradicional serão suficientes para pôr os preços do dólar nos trilhos. Eles ressaltam, no entanto, que a instituição está pronta para atuar em todas as frentes, como já declarou seu presidente, Ilan Goldfajn. Isso quer dizer que, numa situação extrema, o BC não se furtará de vender dólares das reservas internacionais no mercado à vista. “Não acreditamos que chegaremos a esse ponto. Mesmo em momentos críticos, como o da demissão de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda, não recorremos a esse expediente”, diz um graduado funcionário da autoridade monetária. “Podemos dizer seguramente que, neste momento, as circunstâncias são administráveis”, complementa.

 

Seja como for, o sinal de alerta está ligado. O governo está monitorando até onde o dólar pode ir, qual o tamanho da destruição de riquezas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), como será a reação da inflação se os preços da moeda norte-americana se sustentarem num nível acima de R$ 3,40 e como as empresas mais endividadas no exterior serão impactadas. Não se pode esquecer que o alívio do dólar nos últimos meses permitiu um alívio fundamental no caixa das companhias. “Estamos em outro mundo. A euforia de até uma semana atrás não existe mais”, sentencia um subordinado de Meirelles. Agora, acrescenta ele, aumentou a responsabilidade do governo. Qualquer ato falho será um potencializador de uma crise que nada tem de insignificante.

 

Brasília, 06h50min