POR HAMILTON FERRARI
O uso do cartão de crédito exige cuidados, sobretudo quando a grana está curta. Muitas pessoas estão usando um serviço pouco alardeado, mas que facilita a vida nesses tempos difíceis: o pagamento de contas como as de água e de escolas quando não houver dinheiro disponível nas datas de vencimento. Mas, para recorrer à ferramenta, é necessário que a pessoa tenha cautela e conheça o próprio orçamento. Ao pagar contas e boletos no cartão, o consumidor está sujeito a juros, que variam de 2% a 5% ao mês, mais tarifas.
Definida conforme a política de cada banco, a taxa de juros aplicada no pagamento de contas por meio do cartão não é tão elevada quanto à do rotativo, que passa de 400% ao ano, mas também pode ser um mau negócio quando se está endividado demais. O risco de não se poder pagar a fatura integral do cartão no vencimento aumenta e a inadimplência fica mais perto. Portanto, o uso do serviço deve levar em consideração dois elementos: a garantia de pagamento quando o cartão vencer e o valor dos boletos.
Pelas regras do cartão de crédito, é possível pagar faturas de água, luz, gás, boleto de academia, plano de saúde, telefone, escola, aula de violão ou de natação. O consumidor precisa, contudo, entender que os juros são aplicados pró-rata, o que significa que a taxa é cobrada nos dias entre o vencimento dos boletos e a data que expira a fatura do cartão. Ou seja, um cliente que tenha, por exemplo, uma conta a vencer no dia 30 e seu cartão tem vencimento no dia 10 do mês seguinte, vai pagar uma taxa de juros específica durante esses dias.
Há dois tipos de pessoas que pagam boletos com cartão de crédito. Aqueles que estão extremamente endividados e os que querem acumular pontos em programas de fidelidade. Esse benefício possibilita ao consumidor resgatar viagens, ganhar eletrônicos, produtos de beleza e descontos. Mas, nos dois casos, o pagamento de boletos com cartão de crédito pode gerar multas e tarifas, o que aumenta o custo das operações.
Alertas
Foi o que ocorreu com a funcionária pública Maísa Toledo, 40 anos. Em 2014, para não pagar a anuidade, precisava atingir uma meta de gasto mensal no cartão de crédito. Ao perceber que não chegava ao valor, Maísa decidiu pagar boleto de contas com o cartão, como o colégio dos filhos e as faturas de luz, água, telefone e plano de saúde. Depois de três meses, ela percebeu que não era um bom negócio. “Eu tive que parar, porque os juros estavam muitos altos. Não valia a pena. Na verdade eu estava perdendo dinheiro”, afirma.
O educador financeiro Pedro Braggio explica que não vale a pena pagar contas no cartão de crédito durante o ano para ganhar produtos e benefícios. “Quando se tem uma meta de gastos para atingir, a pessoa acaba sendo estimulada a comprar mais. É melhor juntar dinheiro, gastar menos e, assim, ter um retorno melhor que o benefício que se estava buscando por meio de programas de milhas”, orienta.
Quando as pessoas recorrem ao cartão de crédito porque não têm dinheiro para pagar as contas, o caso é mais crítico. A babá Mara Silva, 28 anos, acumulava dívidas no rotativo do cartão de crédito. Três meses atrás, ela começou a ter problemas financeiros e, em junho, precisou recorrer ao cartão para pagar contas. “Eu recebi minha fatura de telefone, mas não tinha mais dinheiro. Fiquei sem alternativa. Iam cancelar o serviço”, relata.
O educador financeiro Sílvio Bianchi recomenda que é preciso diferenciar os gastos supérfluos dos prioritários. “Não vale a pena pagar contas com o cartão, a não ser em caso de emergência, de necessidade. Por exemplo: a escola do filho que está há meses atrasada, exames e cirurgias, luz, água e gás que estão prestes a serem cortados. Só o essencial”, frisa.
Em casos em que é preciso pagar a fatura, mas não há dinheiro, o melhor é recorrer a operações de crédito mais baratas, como o consignado. “O cartão de crédito só deve ser usado se recursos como esses tiverem se esgotado. Aí é o caso de fazer um planejamento elaborado, mudar o filho para uma escola mais barata, sair da academia, vender o carro e reduzir drasticamente o consumo”, ensina Mauro Calil, fundador do blog Academia do Dinheiro e especialista do Banco Ourinvest. Ele faz outra ressalva importante. “A tarifa e os juros do cartão são, em muitos casos, mais altos do que a multa pelo atraso de contas, especialmente as de consumo”, diz.
Bianchi comenta que o cartão de crédito é uma ferramenta muito útil se bem utilizada. “Antes de usar é preciso avaliar a necessidade de cada transação. É primordial ter cautela com os parcelamentos para não afetar a renda futura. Além disso, o limite disponível não deve ultrapassar 50% dos ganhos no mês da pessoa”, afirma. A funcionária pública Maísa Toledo sabe bem disso.l “Eu nunca tive problemas de endividamento. Raramente uso débito, apenas em locais que não aceitam crédito. Meus gastos também nunca passaram de 50% da minha renda no mês, já que tenho um plano conjunto com meu marido”, afirma.
Braggio defende que as pessoas mais propensas ao endividamento não se disponham a ter mais de um cartão de crédito. “O brasileiro tem muitos cartões, de várias bandeiras. Não é necessário ter mais de um. Tem gente com três, quatro ou mais. O risco de ficar no vermelho é maior. Os bancos oferecem limites de crédito maiores do que a remuneração mensal das pessoas”, comenta. A babá Mara Silva que o diga. “Eu tinha três cartões de crédito. Com as dívidas de um, precisei cancelar outro. Agora decidi que vou cancelar mais um, porque não consigo mais pagar. Vou me livrar de todos”, lamenta.
Taxas
No serviço Pague Contas do Itaú, o consumidor pode incluir as contas com datas de vencimento diferentes, inclusive em débito automático e concentrar o pagamento de todas elas em uma única data: a do vencimento do cartão. O cliente do banco tem 40 dias para quitar boletos bancários e faturas de água, luz, telefone, IPTU e gás. A taxa é de 2,99% ao mês mais Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
No Banco do Brasil, o cliente pode concentrar o pagamento das suas contas na data de vencimento da fatura do cartão e receber pontos do programa de relacionamento. Sobre o serviço, incide taxa de R$ 4 por fatura e juros de 2,88% ao mês para as contas recorrentes — luz, água e telefone — e de 2,98% ao mês de não-recorrentes — títulos e boletos bancários. No último caso, as taxas de juros variam de 3,04% à 5,03% ao mês se parcelado de duas a 24 vezes, dependendo do pacote de serviço.
No Bradesco, é possível pagar contas de consumo e boletos, como condomínio, escola, água, luz, telefone e impostos, com cartão de crédito. É cobrada uma tarifa de R$ 10 por transação e os encargos são comoutados na fatura, entre a data do pagamento e a do vencimento do cartão, com juros de 1,99% ao mês. Dependendo do vencimento, o cliente tem um período de 40 dias para efetuar o pagamento. Caixa Econômica Federal e Santander não informaram tarifas e juros aplicados nos pagamentos via cartão de crédito. Sobre cada conta paga incide o IOF.
“Pode até compensar usar o cartão de crédito para ganhar benefícios em programas de fidelidade, mas não por meio do pagamento de contas e boletos. Cada pessoa tem que avaliar os próprios gastos e a situação financeira para estipular o quanto deve se comprometer com o cartão”, explica Bianchi.
Anuidade
Pelo uso do cartão de crédito, os bancos cobram uma taxa anual: a anuidade. Em alguns casos, definidos em contrato, ela oferece benefícios, como milhagens. Com a intenção de acumular pontos, as pessoas acabam gastando mais. Há várias maneiras de pedir isenção ou desconto na anuidade. “Basta você alegar que tem outros cartões com taxas mais baixas. Com o risco de perder o cliente, o banco cede”, orienta o educador financeiro Pedro Braggio.
Brasília, 17h30min