Que o ex-presidente Lula é chegado a um show sempre que lhe é dada a palavra, ninguém tem dúvidas. Mas querer transformar um depoimento à Justiça em “evento partidário”, como definiu o juiz Sérgio Moro, é um escárnio. Em vez de querer ficar jogando para a plateia, o petista deveria apresentar provas concretas de que nada tem a ver com o tríplex de Guarujá, que ele teria recebido de presente da construtora OAS em troca de contratos com a Petrobras. Sem ter o que mostrar, a defesa do ex-presidente, depois de todas as ameaças que ele fez, agora quer adiar a oitiva marcada para esta quarta-feira.
Lula tem todo o direito de se queixar da enxurrada de denúncias de corrupção contra ele feitas por empreiteiros que tinham trânsito livre em seu governo. Isso, porém, não lhe dá o direito de zombar da Justiça e de partir para o confronto com o juiz responsável pela Operação Lava-Jato. O ex-presidente acredita que, insuflando a militância contra aqueles que estão investigando e explicitando a roubalheira que devastou o caixa da Petrobras, ficará mais forte. Não é só: ele passa a sensação de impunidade, de que ninguém será capaz de levá-lo para a prisão, se necessário, por ser um líder político intocável.
É preciso deixar claro que todos têm o direito de se defender perante a Justiça. E, em nenhum momento, essa prerrogativa está sendo negada a Lula. Muito pelo contrário. O ex-presidente já deu vários depoimentos negando todas as acusações que recaem sobre ele. Seria de bom tom, portanto, que o petista se portasse com sobriedade em relação à oitiva que terá com Moro. Querer transformar um depoimento em circo é um desrespeito.
Estamos diante do mais grave caso de corrupção da história do país. A população, com toda a razão, cobra punições exemplares. Não é por meio do deboche e de ameaças que qualquer acusado se verá livre de prestar contas à Justiça. Isso vale, inclusive, para Lula.
Reforma é o que interessa
Em outros tempos, os investidores estariam histéricos em relação ao depoimento do ex-presidente, devido ao impacto político que poderia gerar. O mercado, contudo, está muito mais preocupado com o andamento das reformas trabalhista e da Previdência Social, das quais dependem o futuro da economia. Se o governo de Michel Temer fracassar, sobretudo nas propostas de mudanças no sistema previdenciário, os riscos de o Brasil mergulhar novamente na recessão serão elevadíssimos. Até agora, a perspectiva de que o Palácio do Planalto consiga sair vitorioso no Congresso tem prevalecido entre os donos do dinheiro, o que vem permitindo uma ligeira melhora na atividade econômica.
“Neste momento, o mercado está muito mais interessado na reforma da Previdência do que na Lava-Jato”, diz Ivo Chermont, economista-chefe da gestora de recursos Quantitas. Os investidores entendem que as investigações sobre a corrupção na Petrobras são importantes, mas as decisões da Justiça levam tempo. Sendo assim, é melhor concentrar as atenções em medidas concretas que podem ajudar a tirar o país do atoleiro. “Com certeza, a aprovação das reformas dará mais conforto para que o Banco Central acelere o passo no corte da taxa básica de juros (Selic)”, afirma. Juros mais baixos resultam em mais consumo, mais investimentos e mais empregos.
O governo acredita que conseguirá votar a reforma da Previdência até o fim deste mês. Para isso, está trabalhando nos bastidores a fim de isolar o senador Renan Calheiros, líder do PMDB na Casa, que tem atuado para barrar tanto as propostas de mudanças na lei trabalhista quanto no sistema previdenciário. O Planalto também tentará convencer os senadores do PMDB, com os quais Temer se reunirá hoje, a aprovarem um regime de urgência para a votação da reforma trabalhista. Uma vitória nesse caso dará mais fôlego ao governo para levar a reforma da Previdência ao Plenário da Câmara nas próximas três semanas.
Corte maior nos juros
Toda essa movimentação do governo sustenta a aposta de Chermont de que o Banco Central cortará a Selic em 1,25 ponto percentual no fim de maio, dos atuais 11,25% para 10% ao ano. Essa expectativa também está baseada na forte desaceleração da inflação. Pelos cálculos do economista, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de abril, que sairá amanhã, ficará em apenas 0,12%. Com isso, a taxa acumulada em 12 meses ficará próxima de 4%, bem abaixo do centro da meta perseguida pela autoridade monetária, de 4,5%.
O economista da Quantitas destaca que, ontem, houve um certo ruído no mercado, porque a pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo BC, mostrou as projeções de inflação para 2018 subindo de 4,30% para 4,38%. Essa elevação, para muitos economistas, sustentaria um corte menor dos juros, de um ponto percentual. “Mas creio que foi um ajuste pontual das expectativas. A inflação do ano que vem ficará abaixo de 4,5%. E isso sanciona uma redução maior da Selic neste mês”, frisa. A aposta de Chermont é de que os juros básicos fecharão este ano em 8%.
Quanto à retomada da atividade econômica, o economista diz que é possível ver alguns sinais de melhora na indústria e nos investimentos. Mas tudo ficará mais claro a partir do quarto trimestre do ano. Isso, é claro, se as reformas forem aprovadas dentro dos prazos estimados pelo governo e se as investigações da Lava-Jato seguirem seu curso normal.
Brasília, 09h07min