Desempregado agora e com renda menor no futuro

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POR ANTONIO TEMÓTEO E RODOLFO COSTA

Dois anos atrás, a jovem Luênia Félix, 22 anos, decidiu fazer um curso de auxiliar de odontologia certa de que todas as portas do mercado de trabalho se abririam para ela. Afinal, tudo o que ouvia era que um diploma de um curso técnico driblaria qualquer dificuldade que pudesse surgir no país que já enfiava os dois pés na recessão. No dia em que pegou o certificado final do curso, Luênia, que havia perdido o emprego de operadora de caixa, gritou: “Meu futuro está garantido”. Um sorriso iluminava seu rosto, simbolizando toda a esperança que carregava no coração.

Os dias que se seguiram foram cruéis para Luênia. As portas que ela imaginava abertas no mercado de trabalho se mostraram mais fechadas do que nunca. Em vez de um emprego que lhe garantiria um bom sustento, obteve uma coleção de falsas promessas. Nenhum dos telefonemas que lhe foram prometidos se concretizou. A jovem sentiu todo o peso da recessão num país em que 11,4 milhões de pessoas formam um exército de desempregados. Para Luênia, só restou uma opção: vender marmitas.

“Foi o que sobrou para mim. Mas é melhor um emprego informal do que nada. Preciso pagar minhas contas”, diz Luênia. Ela ressalta que, com as marmitas, vendidas a R$ 6 cada, fatura, em média, R$ 200 por semana. São R$ 800 por mês, 11,1% a menos do que os R$ 900 que ganhava quando tinha a carteira assinada. “Essa perda de renda é o reflexo da falta de oportunidades neste país”, afirma. “Estamos no Brasil da decepção, não no país do futuro que eu acreditava existir”, emenda.

Como Luênia, milhares de jovens que são despejados no mercado de trabalho a cada seis meses se deparam com essa realidade desanimadora. O Brasil vive o que os economistas chamam de desperdício de capital humano. Prepara-se a mão de obra, gasta-se uma fortuna para formá-la, mas todo o conhecimento é jogado fora. Os formandos não conseguem encontrar vagas nas áreas em que estudaram. E quando conseguem uma oportunidade, ganham, em média, 13% menos do que receberiam numa economia em expansão. É o pedágio da recessão.

“Fiz várias pesquisas antes de me formar e vi que, com o meu diploma, conseguiria um salário de R$ 1,2 mil por mês. Triste ilusão”, enfatiza Luênia, cujo diploma, que ela pensou ser um troféu, está guardado no fundo de uma gaveta. O economista Sérgio Firpo, professor da escola de negócios Insper, entende perfeitamente a decepção da jovem. Ele explica que, em momentos de recessão, o desemprego aumenta e os salários encolhem. Nos últimos 12 meses, 3,3 milhões de pessoas entraram na fila de desempregados. Um e cada quatro é jovem.

Desvantagem

Na recessão, todos sofrem. “A probabilidade de um cidadão se recolocar no mercado de trabalho diminui muito. Mesmo os jovens, que têm mais anos de estudo e deveriam levar vantagem entre os mais velhos, sentem o baque da falta de crescimento econômico”, frisa Firpo. Ele revela outro lado dramático de períodos em que o Produto Interno Bruto (PIB) está em contração: quem perde o emprego e fica mais de seis meses sem um trabalho fixo dificilmente voltará a ter a renda igual ou superior à recebida anteriormente quando se recolocar no mercado.

“Com o desemprego em meio à recessão, a capacidade de recuperação da trajetória salarial diminui. A situação é ruim para quem foi dispensado e para quem é contratado em momentos de dificuldades econômicas”, diz o professor do Insper. Pesquisas feitas nos Estados Unidos reforçam essa tese. Em média, quem ficou desempregado por mais de seis meses terá um salário10% menor em relação ao que recebia antes de ser dispensado, mesmo 20 anos depois. Não é só. Na comparação com os que nunca foram demitidos, aqueles que, em algum momento, perderam o emprego terão rendimentos 20% menores.

Para Firpo, não há melhoras à vista tão cedo. Ele alerta que os brasileiros não se preparam para a recessão e o desemprego. Durante os períodos de bonança, muitos aproveitaram a oferta abundante de vagas para mudar de ocupação em busca de salários melhores ou para usufruir do colchão de proteção social, sobretudo do seguro-desemprego e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Assim, chegaram em 2016 sem a possibilidade de contar com tais benefícios. “A alta rotatividade no emprego acabou se transformando em uma armadilha para muitas pessoas”, ressalta.

João Antonio Nascimento, 44 anos, não se deixou levar pelos ventos a favor que sopravam na economia. Todos os meses, poupava pelo menos 10% do salário para tempos difíceis. Um ano e meio depois de ser demitido, o engenheiro civil viu as reservas financeiras se esvaírem. Agora, sabe que não terá outra opção a não ser pegar o que aparecer pela frente. “Não dá mais para esperar por uma vaga na minha área. Estou aceitando qualquer coisa, pois preciso garantir o sustento da minha mulher e das minhas duas filhas”, diz.

Mesmo abrindo mão da formação, Nascimento não terá vida fácil. Até empregos de menor remuneração sumiram. A perspectiva é de que o desemprego, que está em 11,2%, ainda avance até os 14%, apesar de muitos analistas preverem um 2017 melhor, com crescimento de até 2%. Cada ponto percentual a mais na taxa de desocupação significa pelo menos 1 milhão de novos desempregados. Um filme de terror que ainda assustará muita gente.

Brasília, 05h10min

Vicente Nunes