Coluna no Correio: Confiança em alta

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POR ANTONIO MACHADO

Com meio ano já passado, e talvez perdido dependendo do que vier à frente, e nada resolvido quanto a questões substantivas que escapam ao poder decisório do governo interino, ao contrário, servem apenas para enfraquecê-lo, é digno de nota o sentimento de alívio ou quase isso na sociedade, refletido por todos os indicadores de confiança.

Mais que as sondagens de popularidade, e a mais recente, do Ibope, indicou alta insatisfação com a gestão do presidente em exercício Michel Temer, as pesquisas sobre o nível de confiança do consumidor e do empresariado é que expressam o sentimento real do país, já que relacionado com questões tangíveis, como a segurança no emprego (um antecedente do nível de consumo) e para produzir.

Tais indicadores vêm crescendo nos últimos dois meses e, em junho, parecem ter firmado uma tendência, conforme o monitoramento regular do economista Fernando Montero. No caso do comércio, o indicador de confiança em junho, na pesquisa da FGV, foi o maior desde maio de 2015; o da indústria passou a marca registrada em fevereiro de 2015 no dado da FGV, e em junho de 2014, na apuração da CNI. Esses bons resultados, ainda que cotejados aos níveis muito baixos nos últimos meses do governo Dilma Rousseff, despontam em todos os segmentos.

O índice de confiança no setor de serviços, também da FGV, chegou a 72,4 pontos em junho, na quarta alta mensal consecutiva. Esse é o setor de maior relevância na economia, representando 72% do Produto Interno Bruto (PIB). Já
a produção industrial, cujo peso no PIB é menor (22,7%), embora seja a que traciona a economia no médio prazo e lidera o investimento e a inovação, a forte depressão iniciada em 2013 dá sinais de estar chegando ao fim.

Na pesquisa mensal do IBGE, o nível da produção ficou estável em maio. Foi o terceiro registro sem retração em base mensal, apesar de apontar queda expressiva sobre igual mês de 2015 (-7,8%) e em 12 meses (-9,5%). Chamou atenção a gradativa recuperação da produção de bens de capital, termômetro do investimento: subiu 1,5% no mês, a quinta alta seguida, mas ainda está longe do pico (a queda em 12 meses até maio foi de 26,9%, e de -11,3% sobre
igual mês de 2015).

Mudança de ares fez bem

Como os fatos mais relevantes a precipitar tais movimentos nesses dois meses foram o afastamento de Dilma (em 12 de maio), a posse de Temer e seu compromisso com um ajuste fiscal duro a partir de 2017, deduz-se que as expectativas positivas da sociedade em relação ao novo governo são maiores do que sugeriu a pesquisa do Ibope.

Tanto os indicadores de produção quanto os antecedentes de confiança informam que a reversão do ajuste recessivo da economia, iniciado quando o saldo das contas externas fechou 2014 com déficit de 4,3% do PIB, estava em marcha e ganhou impulso com a mudança de governo. “Parece haver uma melhora contratada da confiança após a mudança de governo”, avalia Montero. E confiança, parafraseando reflexão sobre produtividade do economista Paul
Krugman, não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo. Esse é o ativo que Dilma e o PT dilapidaram.

Tirando força da fraqueza

O ritmo maior ou menor da retomada da economia será função de dois eventos: a capacidade de o governo Temer se equilibrar diante de um Congresso em que dezenas de parlamentares, vários de seu partido, o PMDB, estão ameaçados pela Lava Jato e a viabilidade de vir a ser efetivado sem maior delonga. Ele tem seus handicaps neste processo.

O mais evidente é a explicitação do PT e aliados como minoritários no Congresso. Na Câmara, não têm 100 entre 513 deputados, o que diz muito sobre a natureza do antigo bloco majoritário, alvo da devassa dos investigadores da Lava Jato, e da impossibilidade de Dilma (se não for enredada) aspirar a sua volta. O cenário tampouco é folgado para Temer devido à massa sub judice no Congresso. Ambos estão com as mãos atadas neste aspecto, com vantagem
para ele, se usar a sua relativa fraqueza política como meio para negociar reformas.

Limite é o vácuo de poder

Se, no curto prazo, o interinato o força a condescender com achaques dos aliados e do funcionalismo, cabe-lhe governar de olho no médio prazo, definido como o tempo para conclusão do impeachment e para o STF e o juiz
Sérgio Moro expedirem as sentenças mais emblemáticas. Tal é o sentido da emenda constitucional que propõe cingir o gasto orçamentário a partir de 2017 à inflação do ano anterior. O ajuste para valer virá aos poucos, aproveitando a retomada da arrecadação tributária prevista pela volta do crescimento econômico. Sem isso, nenhum ajuste fiscal para de pé.

Já na política, discute-se o meio de reinserir a questão da cláusula de barreira, dispositivo vetado pelo STF em 2006, 10 anos depois de o Congresso impor limites para um partido ter representação parlamentar. A maioria legitimada pelo voto tende a barrar a corrupção sistêmica tipo petrolão/mensalão. O terreno continua movediço, mas parece clara a intenção do STF de evitar que as punições criem um vácuo de poder, como há na Câmara. Frente a tais limitações, até que o governo não tem se saído mal.

Verbo chave do pós-Dilma

Como um time desacreditado que está em campo para cumprir tabela, esperava-se pouco deste governo. Mas ele tem surpreendido. A última boa nova foi a lei que moraliza a direção das estatais, aprovada no Senado sem a mudança da Câmara para que políticos ocupem cargos em entidades públicas. Temer sancionou a lei mantendo tal restrição.

Há quem o chame de dúbio por não se opor a que a Câmara aprovasse aumentos para o funcionalismo, além de reajustar o Bolsa Família em 12,5%. O último fora em 2014, antes das eleições, e foi mais que os 9% prometidos por Dilma dias antes de cair. É preciso cautela neste juízo. Temer não fará ajustes ao gosto do mercado financeiro, não é de sua índole, mas, se puder, vai agir para tirar os óbices à livre iniciativa. Esse exercício, ele e Henrique
Meirelles, o ministro da Fazenda, estão aprendendo juntos. Negociar é o verbo chave do pós-Dilma. Lula sabia conjugá-lo. Mas Temer o recita como uma prece.

Brasília, 00h01min

Vicente Nunes