Correio Econômico: Fatura de promessas não cumpridas

Publicado em Economia

O real teve a pior semana do ano. O tombo de quase 4% ante o dólar refletiu toda a insegurança dos investidores em relação ao Brasil num mundo cada vez mais avesso a riscos. O governo reclama dos exageros do mercado e assegura que a situação do país é muito melhor do que em outras crises. Há, porém, um mar de incertezas pela frente. A equipe econômica não conseguiu resolver os problemas fiscais — este será o quinto ano com as contas no vermelho — e nenhum dos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais assume compromissos com as reformas de que o Brasil tanto precisa.

 

Ao longo dos últimos dois anos, os investidores foram muito complacentes com o governo, que prometeu arrumar as finanças do país, mas pouco conseguiu avançar nesta direção. Mesmo diante de todas as promessas não cumpridas, o mercado pouco contestou a equipe econômica. Preferiu fechar os olhos, acreditando que, em algum momento, a questão fiscal seria enfrentada com vigor. É verdade que o governo aprovou o teto para os gastos públicos, contudo, fracassou na aprovação da reforma da Previdência. Nem mesmo para medidas mais triviais consegue aval do Congresso.

 

Agora, com o mundo mais conturbado, com petróleo em alta e perspectiva de aumento maior do que o previsto nas taxas de juros nos Estados Unidos, os investidores resolveram fincar os pés na realidade e ressaltar as fragilidades brasileiras. A cobrança vem tarde, mas com força suficiente para fazer estragos na economia. O dólar acima de R$ 3,70 começa a contaminar os preços de vários produtos e serviços e, por tabela, empurra a inflação para cima. Bem pouco tempo atrás, corria-se o risco de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrar este ano abaixo do piso da meta, de 3%. Neste momento, o BC já projeta inflação de 4%, com tendência de alta.

 

Esse movimento do mercado mostra que, uma hora, a fatura chega. Foi o que aconteceu na Argentina, onde o presidente Maurício Macri optou por um ajuste fiscal gradual e pela queda lenta da inflação. É o que está ocorrendo com o Brasil. Quando olham ao redor do mundo, os investidores diferenciam os países. Se a economia global está indo bem, minimizam os problemas. Num ambiente mais hostil, não perdoam as nações que não fazem o dever de casa. O deficit público brasileiro deverá atingir R$ 159 bilhões neste ano. A dívida caminha para 80% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média observada nos países emergentes.

 

Ruído desnecessário

 

O Palácio do Planalto acredita que a tensão observada no último mês, que levou o dólar a saltar de R$ 3,30 para R$ 3,74, vai passar rapidamente. A aposta é de que, com o Banco Central ampliando a intervenção no câmbio, a cotação da moeda norte-americana tenderá a corrigir as distorções. Os especialistas, porém, veem exatamente o contrário. Para eles, a volatilidade do dólar vai continuar, impactando a inflação e reduzindo ainda mais o ritmo de crescimento econômico. Parte do mercado não descarta a possibilidade de o BC ser obrigado a elevar os juros logo depois das eleições.

 

Se realmente quiser minimizar os estragos, o governo terá de demonstrar força no Congresso e aprovar, ao menos, a privatização da Eletrobras e o projeto que reonera as folhas de salários de várias empresas. Essas medidas, dizem os especialistas, são fundamentais para que a equipe econômica consiga fechar as contas deste ano dentro do previsto e evitar que a regra de ouro, que impede o pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias, por meio de dívidas, seja descumprida — essa ameaça será muito maior em 2019.

 

Há ainda outro detalhe importante: o BC precisa recuperar seu discurso. Nos últimos dias, o presidente da instituição, Ilan Goldfajn, cometeu um grande equívoco ao assumir o compromisso de que o Comitê de Política Monetária (Copom) cortaria mais uma vez a taxa básica de juros (Selic), de 6,50% para 6,25%. Quando chegou a hora, refugou. O ruído desnecessário incentivou o mercado a partir para cima da instituição. Até agora, o BC está em desvantagem. Vamos ver quando, efetivamente, retomará o controle da situação.

 

Brasília, 06h06min