Correio Econômico: Crise na Argentina deixa Brasil em alerta

Publicado em Economia

Desde que tomou posse, há pouco mais de dois anos, na Presidência da Argentina, Maurício Macri foi apontado como exemplo de administrador a ser seguido. Com um discurso liberal, prometendo recolocar o país vizinho nos trilhos, sem personalismos, caiu na graça do capital. Era a antítese da família Kirchner, que havia dominado a Argentina por mais de uma década. Os últimos cinco dias, no entanto, foram suficientes para mostrar que Macri se tornou sinônimo de decepção. Os tão prometidos ajustes na economia ficaram pela metade. E a Argentina voltou a conviver com o fantasma de uma crise cambial.

A desconfiança retornou tão forte à Argentina que o Banco Central local foi obrigado a elevar ontem a taxa básica de juros para 40% ao ano. Em apenas uma semana, foram três altas, totalizando 12,75 pontos percentuais. O aperto monetário foi uma tentativa desesperada do governo de Macri de conter a desvalorização do peso argentino. Na última quinta-feira, a moeda se desvalorizou 8,5% e atingiu o menor nível ante o dólar. No ano, o peso argentino acumula queda de quase 20%.

 

Os investidores reclamam, sobretudo, dos deficits gêmeos. Nas contas públicas, o rombo chega a 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) sem incluir os gastos com juros. Com os encargos da dívida pública, praticamente dobra. No setor externo, o buraco no primeiro trimestre chegou a US$ 2,5 bilhões contra US$ 1,9 bilhão verificado no mesmo período de 2017. A inflação, que se acreditava domada, aponta para 23% neste ano, e o crescimento patina. O mercado, portanto, deixou de ser complacente com o gradualismo do ajuste do governo argentino, que flexibilizou as metas de inflação e reduziu o compromisso fiscal.

 

A tempestade que varre o país vizinho deve servir de alerta para o Brasil. A poucos meses da eleição, nenhum candidato se comprometeu com o equilíbrio das contas públicas. O debate está pobre e nada indica que melhorará quando a campanha efetivamente começar. Os potenciais concorrentes ao Planalto não parecem dispostos a se comprometerem com medidas impopulares, como a reforma da Previdência, fundamental para o equilíbrio das finanças federais.

 

Diferenças e semelhanças

 

O atual governo brasileiro, que promoveu avanços importantes, como a fixação de um teto para os gastos públicos, também parece ter se descompromissado do ajuste fiscal. No máximo, trabalha para o quadro não piorar. O rombo consolidado nas contas do setor público somou, em março, R$ 25,1 bilhões, o maior para o mês desde 2001, início da série histórica. A equipe econômica raspa o tacho para não descumprir a regra de ouro, que impede o pagamento de despesas correntes, como salários e aposentadorias, por meio da emissão de dívida. Michel Temer está deixando para seu sucessor a responsabilidade do ajuste.

 

Os investidores admitem que a situação fiscal do Brasil é um grande problema, mas está longe do descontrole. Será preciso, porém, que o próximo presidente não só assuma compromissos com reformas como a da Previdência, mas lute efetivamente por elas, por mais impopulares que sejam. Sem o reequilíbrio efetivo das finanças do governo, o país não conseguirá manter, por muito tempo, a inflação e os juros tão baixos.

 

O que se vê agora na Argentina pode se repetir por aqui, a despeito de o governo brasileiro alardear as diferenças entre os dois países, a começar pela montanha de US$ 380 bilhões de reservas cambiais — na Argentina, somam apenas US$ 55 bilhões e vêm encolhendo rapidamente. A desconfiança, porém, ronda o Brasil. Desde o piso neste ano, em janeiro, o dólar já subiu 12,5% frente ao real. Parte dessa alta se deve ao quadro externo, em especial, à expectativa de elevação maior dos juros nos Estados Unidos. Parte tem a ver com as incertezas eleitorais.

 

Além da desvalorização do real, o Brasil vê os economistas reduzirem, sistematicamente, as projeções de crescimento do PIB neste ano. Já se alardeou, no governo e no mercado, estimativa de avanço de mais de 3%. Agora, 2,5% passaram a ser teto, e o mais provável é incremento de 2%. Nessa conta mais conservadora já está embutida a redução das exportações de carros para a Argentina. A indústria automobilística foi uma das alavancas da retomada da economia brasileira depois de dois anos de recessão.

 

Brasília, 06h37min