Correio Econômico: Banco Central sob ataque

Publicado em Economia

O papel do Banco Central é manter a tranquilidade nos mercados, evitando movimentos disfuncionais que possam estimular crises desnecessárias, com custos pesados para a economia real. Não há dúvidas de que, desde que assumiu o comando da instituição, Ilan Goldfajn seguiu à risca tal missão e deu serenidade à condução das políticas monetária e cambial.

 

A aura de credibilidade de Ilan, no entanto, se rompeu na noite de terça-feira, quando, em entrevista à GloboNews, ele deixou dúvidas sobre as ações do BC para conter a disparada dos preços do dólar e cravou mais uma queda da taxa básica de juros (Selic), para 6,25% ao ano, a despeito de todos os riscos para a inflação trazidos pela forte desvalorização do real.

 

O sempre comedido Ilan abriu as portas para a especulação. O mercado, que sempre esteve ao lado do BC, passou a forçar a alta do dólar. Sob o argumento de busca de proteção (hedge) ante as incertezas internas, provocadas pelas eleições presidenciais, e as externas, decorrentes da possibilidade de alta maior dos juros nos Estados Unidos, decidiu testar até onde vai a disposição da autoridade monetária para conter a valorização da moeda norte-americana.

 

O mercado encontrou outro argumento para pressionar o BC: Ilan se amarrou a um corte de 0,25 ponto na Selic, mesmo com todo o estresse no câmbio, com o dólar rompendo o teto psicológico de R$ 3,60. Para os especialistas, essa redução nos juros não fará nenhuma diferença para a economia, mas um dólar mais caro sempre pressiona a inflação. A expectativa é de que as projeções do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passem a subir a partir de agora.

 

Comparações

 

O governo acredita que o ataque iniciado ontem contra o BC não tem consistência e vai perder força rapidamente. Na visão de assessores do presidente Michel Temer, a autoridade monetária tem instrumentos de sobra para encarar qualquer movimento especulativo contra o real. Além de US$ 381 bilhões em reservas internacionais, pode ampliar a oferta de contratos de swap cambial, nos quais aposta na queda do dólar e o mercado, no aumento dos juros.

 

Não custa lembrar que esses foram os mesmos argumentos apresentados por Alexandre Tombini, antecessor de Ilan na presidência do BC. À época, a instituição despejou no mercado mais de US$ 100 bilhões em contratos de swap, mas, ainda assim, o dólar rompeu os R$ 4, refletindo a ruína do governo de Dilma Rousseff. Foi um longo processo para que o BC se livrasse desse passivo e a moeda norte-americana recuasse, acompanhando a reconstrução da confiança no país.

 

Para o Palácio do Planalto, não há como fazer comparações. Hoje, diz um dos auxiliares de Temer, há um compromisso com o equilíbrio macroeconômico do país, que começa pelo combate à inflação. Não por acaso, acrescenta ele, o IPCA acumulado em 12 meses está abaixo de 3%, o piso da meta perseguida pelo BC. É essa inflação tão baixa que permitiu ao Copom promover o mais longo ciclo de redução da Selic, que está no menor nível da história.

 

Dominância

 

Entre os especialistas, o debate sobre os rumos do dólar e dos juros se intensificou. A maioria reconhece a força do BC para dissipar qualquer ataque especulativo contra o real, movimento que já atingiu o peso argentino e a lira turca. Mas ressaltam a preocupação com o que chamam de dominância cambial no regime de metas de inflação. Ou seja, se o dólar sobe muito, o custo de vida vai junto. Se a moeda norte-americana perde força, a inflação cai.

 

Dentro do governo, o discurso é de que há um grande exagero nesse debate. “Não existe dominância cambial no Brasil. Isso é uma realidade na Argentina”, frisa um técnico da equipe econômica. Ele reconhece, porém, que todo o estresse registrado ontem no mercado poderia ser sido evitado se Ilan não tivesse rompido o protocolo de não falar às vésperas da reunião do Copom. Agora, está pagando um preço alto por um grave erro de comunicação.

 

Na avaliação desse mesmo técnico, o melhor que o BC faz neste momento é se preparar para as turbulências que vão surgir com as eleições, especialmente se, em um eventual segundo turno, a disputa for entre Ciro Gomes e Jair Bolsonaro. “Com certeza, o dólar irá para R$ 4,10, R$ 4,20. E a inflação subirá”, ressalta. Diante de tal possibilidade, manter a credibilidade do Banco Central intacta será mais do que indispensável.

 

Brasília, 06h19min