ANTONIO TEMÓTEO
A reunião trimestral realizada ontem em São Paulo pelo diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Carlos Viana, com economistas teve alguns momentos de tensão. Uma das principais cobranças dos analistas que visitaram a sede da autoridade monetária na Avenida Paulista foi a mudança no formato do encontro. Segundo os convidados, as diretorias anteriores faziam reuniões menores e havia uma interlocução maior entre as partes, sem que qualquer regra fosse desrespeitada ou informação privilegiada fosse repassada aos ouvintes.
Quem participou das reuniões promovidas por Viana reclamou que ele entra mudo e sai calado. Além disso, os economistas deixaram claro que a última comunicação da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) foi confusa. Eles detalharam que, no comunicado após a decisão de reduzir a taxa básica de juros (Selic) em 0,25 ponto percentual, para 6,75% ao ano, o BC “fechou a porta” e sinalizou claramente que o ciclo de cortes tinha chegado ao fim. Entretanto, os especialistas ressaltaram que a “porta foi destrancada e aberta” após a ata do Copom sinalizar uma divergência entre os integrantes do colegiado e indicar que uma nova queda de 0,25 ponto percentual poderia ocorrer.
Os economistas ainda destacaram, no encontro, que a mediana das expectativas para inflação tendem a se aproximar de 3,5% nas próximas semanas, diante das surpresas inflacionárias e da ausência de pressões de curto prazo. O boletim Focus, publicado na última segunda-feira, aponta que a mediana para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 3,73% e acumula quatro quedas consecutivas. Há quatro semanas estava 3,95%.
Os analistas relataram que esse movimento não está ligado somente às surpresas positivas com alimentos, mas relacionadas à redução de preços dos serviços e aos núcleos de inflação baixos. “Um dos colegas apontou que, se o BC entregou o IPCA em 2,95% em 2017 e as expectativas para 2018 estão se aproximando de 3,5%, com uma meta de 4,5%, alguma coisa está errada. Claramente, a inflação não tem se comportado como o esperado e isso mostra que há espaço a curto prazo para redução de juros”, disse.
Outro analista afirmou que ficou claro, durante o encontro, que um grupo se mostrava favorável à queda de juros e outro à manutenção do patamar atual por mais tempo. Parte do mercado já precifica alta de juros a partir do primeiro trimestre de 2019, quando haveria uma perspectiva de que a economia estaria novamente aquecida, o que exigiria um freio para evitar que a inflação se transformasse de novo em problema. O único momento de descontração ocorreu quando um analista sugeriu a possibilidade de queda de juros e movimento de parada no processo para avaliar os efeitos. “Essa estratégia é da Anitta, que faz a uma paradinha”, disse um dos participantes, em alusão à música da cantora carioca.
Debate
Após a pressão dos analistas, o diretor de Política Econômica do BC deu alguns recados. Segundo Viana, o Focus não faz parte do cenário base da autoridade monetária e é usado para algumas análises. Além disso, ressaltou que os resultados da inflação corrente são como se o motorista estivesse olhando pelo retrovisor, para uma situação que já passou. “Ele deixou claro que o IPCA só é importante quando traz alguma variante que mude o cenário prospectivo. Mas isso está ocorrendo agora e parece que não está claro para a autoridade monetária”, disse outro economista.
Viana relembrou que o momento atual parece muito com o que ocorreu durante o início do ciclo de queda de juros, quando parte do mercado debatia se a Selic ficaria em 10% ou 9%, diante da resiliência da inflação, que não dava sinais concretos de queda. “De fato, a inflação cedeu e o BC cortou juros. Mas, agora, os núcleos estão abaixo de 4%. Parece-me que diante dessa linha de raciocínio, o ideal seria continuar cortando”, destacou um economista ouvido pela coluna.
Outro analista destacou que toda essa mudança de cenário, com um crescimento econômico ainda lento e gradual, alinhado com inflação comportada, afetará as projeções do BC que devem vir mais baixas na próxima ata do Copom e, sobretudo, no Relatório Trimestral de Inflação (RTI), que traz uma série de projeções e detalhamentos e será publicado em 29 de março.
Brasília, 06h07min