O modelo de crescimento econômico baseado no consumo, que prevaleceu nos governo de Lula e de Dilma Rousseff, não só se mostrou insustentável, como deixou uma fatura pesada demais para o país carregar. Os dados são estarrecedores. Mais de 60 milhões de pessoas físicas estão na lista de maus pagadores e 54,4% (4,42 milhões) das empresas têm débitos em atraso, que totalizam R$ 105,6 bilhões, quase 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Com o desemprego em alta e a recessão longe do fim, reverter esse quadro levará anos.
Esse Brasil dos endividados está na base dos argumentos que gente graúda do governo de Michel Temer e políticos travestidos de empresários vêm usando para defender a rápida queda das taxas de juros. Alegam que, sem condições mais confortáveis para se renegociar os débitos, dificilmente o país conseguirá sair do pântano da recessão e voltar a crescer para gerar emprego e renda. O perigo desse discurso é a tentação de se resvalar para o populismo, criando ainda mais distorções numa economia que precisa de previsibilidade.
Nos governos petistas, acreditou-se que, estimulando o endividamento e forçando os bancos públicos a darem crédito a rodo, o país cresceria indefinidamente. Com isso, em vez de se construírem fábricas para aumentar a oferta de mercadorias e reduzir o custo de vida, as cidades foram abarrotadas de shopping centers e de revendas de automóveis. Bastou, porém, o PIB perder força para que as opções erradas apresentassem as contas. As vendas caíram, a indústria encolheu, as demissões aceleraram e a renda recuou. Não há atividade que se sustente nesse ambiente hostil, contaminado ainda pela inflação alta, pela desconfiança e por uma crise política devastadora.
O Brasil teve tempo de sobra para mudar de rumo. Mas a intransigência de Dilma pôs tudo a perder. Mesmo ciente de que as famílias já não tinham condições de assumir mais dívidas, ela continuou insistindo no erro. Tanto que obrigou a Caixa Econômica Federal a criar o programa Minha Casa Melhor, para que os beneficiários do Minha Casa Minha Vida pudessem mobiliar seus imóveis. Mais de 30% dos agraciados com um cartão de R$ 5 mil nunca pagaram à Caixa, que foi obrigada a lançar R$ 534 milhões em prejuízos em seu balanço. A perda só não foi maior porque o banco transferiu para a Engea, empresa pública especializada em créditos podres, R$ 1 bilhão em financiamentos que dificilmente serão recuperados.
Recuos de Meirelles
Se realmente quiser mudar a cara desse Brasil dos endividados, em vez de ficar contando com o Banco Central para reduzir juros, o governo terá que abraçar de vez o ajuste fiscal. É aí que está a base de todos os problemas na economia. Com Henrique Meirelles no comando do Ministério da Fazenda, surgiu a real possibilidade de arrumação das contas públicas. Mas, aos poucos, dúvidas vão pairando no horizonte. O governo fiscalista já não se mostra tão comprometido assim com as finanças do país. Dia após dia os sinais nessa direção vão ficando mais claros.
Agora, já se fala em flexibilizar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento dos gastos à inflação do ano anterior. De início, Meirelles garantiu que o projeto a ser encaminhado ao Congresso não teria prazo de vigência, pois a prioridade era garantir que, ao longo do tempo, a dívida pública entraria em trajetória de queda. Pressionado pela alta política do governo, Temer admite fixar um prazo de até cinco anos de validade para a medida. Em vez de gritar contra, o ministro da Fazenda indicou que cederá.
Assim como está sendo complacente em relação ao prazo para a PEC, Meirelles fechou os olhos para a farra de reajustes dos servidores públicos. Em nenhum momento colocou empecilho para a aprovação, na Câmara dos Deputados, da fatura que pode chegar a R$ 100 bilhões até 2019. Mais que isso, avalizou uma manobra para que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) recebessem uma gratificação no valor do reajuste que seria vetado por Temer para dar exemplo de austeridade. O ministro da Fazenda também sancionou o aumento de mais de R$ 38 bilhões nos gastos públicos, que serão acomodados na previsão de rombo de até R$ 170,5 bilhões. O certo seria manter esses recursos contingenciados.
Um auxiliar próximo de Meirelles diz que esses recuos fazem parte do jogo. E menciona o exemplo de Joaquim Levy, que, de tão intransigente na proposta de ajuste fiscal, perdeu apoio dentro do governo e no Congresso. O importante, avalia o técnico, é que a essência do ajuste fiscal seja mantida. E, disso, o ministro da Fazenda não abre mão. Não é bem assim. Meirelles deixou de anunciar recentemente medidas para a melhora das contas, como a alta de impostos, que defendia com todas as forças quando estava fora do governo, porque foi avisado que o momento político não comporta ações impopulares.
Tudo como está
Os recuos de Meirelles se somam aos movimentos de patrocinadores de Ilan Goldfajn para a Presidência do Banco Central, que passaram a defender uma postura mais branda no combate à inflação. Dizem que, em vez da convergência para a meta, de 4,5%, em 2017, o objetivo poderia ficar para 2018. Ainda que seja quase impossível para Ilan entregar o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) na meta no ano que vem, soa estranho que, antes mesmo de o novo presidente do BC se sentar na cadeira — a transmissão de cargo ocorrerá na segunda-feira — haja um movimento para tornar a vida dele mais fácil.
Para quem está sofrendo com a gravíssima crise econômica, como empresas e famílias endividadas, a mudança de postura do governo, sobretudo da equipe econômica, que se apresenta como fiadora de Temer, é o pior que pode acontecer. Indica que a tão prometida melhora da economia vai atrasar. E isso significará mais desemprego, mais inflação, menos vendas, menos produção. Quer dizer: o risco de tudo continuar como está passou a ser uma possibilidade nada desprezível.
Brasília, 07h01min