Coluna no Correio: O Brasil em deflação

Publicado em Economia

O Brasil vai registrar deflação em junho e o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) também pode ser negativo em julho. A fragilidade da economia é tamanha que quase todos os grupos de preços pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estão em queda. O monitor diário dos preços da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta para deflação de 0,24% neste mês. As cinco instituições que mais acertam as pesquisas semanais realizadas pelo Banco Central, os Top Five, projetam deflação de 0,16% em junho. A média do mercado aposta em recuo de 0,07% do IPCA.

 

Diante desses números, mesmo com toda a gravíssima crise política vivida pelo país, não restará alternativa ao Banco Central a não ser a de manter o corte da taxa básica de juros (Selic) em um ponto percentual. O discurso conservador do presidente da instituição, Ilan Goldfajn, será desmontado pelos fatos. Não haverá justificativa para o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzir o ritmo de baixa da Selic com o Brasil convivendo com deflação decorrente da fraca atividade. Se há alguma pressão sobre a inflação neste momento é para baixo. A Selic deve baixar de 10,25% para 9,25% ao ano em julho.

 

Os preços dos alimentos estão supercomportados em função do fraco consumo e da desvalorização das principais commodities — mercadorias com cotação internacional. O grupo alimentação será afetado favoravelmente, nas próximas semanas, pela forte queda da arroba de boi (15 quilos) — cotada, ontem, a R$ 123 —, o que levará junto toda a cadeia da carne, com peso importante no IPCA. Não é só. Com os brasileiros sem dinheiro, os preços dos serviços, altamente resilientes, despencaram, girando, atualmente, entre 3,5% e 4% ao ano, algo sem precedentes em pelo menos uma década.

 

Também os preços da energia elétrica e dos combustíveis estão em baixa, com repercussão em quase todos os produtos e serviços pesquisados pelo IBGE. Quando se olha para os Índices Gerais de Preços (IGPs), que medem o custo de vida no atacado, entre produtores e empresas, todos estão negativos há quase três meses, afastando qualquer possibilidade de repasses aos consumidores. Sendo assim, diz o especialista em inflação Carlos Thadeu Filho, da consultoria Macroagro, o IPCA deste ano ficará em 3,5% ou abaixo disso, distante, portanto, do centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%.

 

Crise política

 

Tudo indica que o segundo semestre será extremamente positivo para a inflação, independentemente do desenrolar da crise política e da aprovação ou não das reformas trabalhista e da Previdência Social. Poderá haver instabilidade nos preços dos ativos financeiros, mas não terá demanda para mudar a rota do IPCA. A economia está no limbo. Pelas projeções de Thadeu Filho, supondo que, a partir de 2018, o Brasil cresça, em média, 3% ao ano, somente a partir de 2021 ou de 2022, a atividade terá musculatura para pressionar a inflação. É nesse período que o país atingirá, novamente, o seu Produto Interno Bruto (PIB) potencial, isso é, quanto a economia pode crescer sem detonar um movimento generalizado de reajustes de preços.

 

A inflação será favorecida, de um lado, pelas fragilidades domésticas, de outro, pelos ventos vindos de fora. As commodities continuarão em baixa. Os Estados Unidos deverão interromper o movimento de alta dos juros. Na Europa, foi afastado o risco de radicalismo com a eleição de Emmanuel Macron para a presidência da França, e os especialistas não descartam novas medidas de estímulos à economia. Já a China parou de piorar. Nesse contexto, os investidores estrangeiros manterão o apetite pelo risco, o que favorece, e muito, países emergentes como o Brasil.

 

No cenário conservador de Ilan Goldfajn, os juros de equilíbrio hoje no Brasil seriam de 8,5%. Esse é o nível para o qual o BC acredita que pode levar a Selic sem assanhar a inflação. Mas boa parte do mercado aposta que a autoridade monetária será empurrada pelos fatos e romperá esse piso, com a taxa básica caindo abaixo de 8%. Para os analistas, é compreensível que o presidente do Banco Central adote um discurso cheio de ressalvas. Contudo, a instituição fará o que tem que ser feito: livrar o país de uma anomalia que sufoca a atividade.

 

Brasília, 06h09min