Coluna no Correio: O Banco Central perde relevância

Publicado em Economia

ANTONIO TEMÓTEO

O país, que deveria comemorar o processo de redução da taxa básica de juros, está anestesiado com a profunda crise fiscal. A queda de cinco pontos percentuais da Selic ficou em segundo plano e levou o Banco Central (BC) ao papel de coadjuvante no processo de recuperação da economia. Isso porque as perspectivas para as contas públicas são cada vez piores, já que o governo dependerá do Congresso Nacional para aprovar uma série de medidas para reduzir despesas.

 

Após revisar as metas fiscais de 2017 a 2020, o governo acumulará um rombo fiscal de R$ 813,7 bilhões em sete anos. Para um ex-diretor da autoridade monetária, a crise fiscal, que já é aguda, corre o risco de se tornar crônica no curto prazo. Nesse contexto, a queda da inflação não seria suficiente para manter os juros baixos. Com a elevação dos riscos, os investidores tendem a cobrar um prêmio maior para aplicar em títulos da dívida pública.

 

De mãos atadas, caberia à equipe de Ilan Goldfajn apenas evitar o caos. A medida, entretanto, aceleraria a trajetória de crescimento da dívida pública. Os analistas mais pessimistas ouvidos pelo Ministério da Fazenda já estimam que a dívida bruta equivalerá a 92,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020. Os primeiros desafios da equipe econômica no curto prazo são a aprovação da mudança da meta fiscal de 2017 para um deficit de R$ 159 bilhões e a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP).

 

O projeto de lei para elevar em R$ 20 bilhões o rombo fiscal já foi enviado ao Congresso, e a medida provisória que cria a nova taxa de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está emperrada na comissão especial destinada a debater o tema. Caberá ao Executivo aglutinar a base aliada para aprovar a MP até 6 setembro. O colegiado é presidido pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ), e aliados do petista deixaram claro que ele não dará sossego ao governo.

 

Insatisfação

 

O nível de insatisfação da base aliada aumentou após o presidente Michel Temer não substituir os ministros tucanos. O Centrão — composto por PP, PTB, PR e PSD — cobra mais espaço e está insatisfeito com cargos de segundo e terceiro escalões. A pasta mais cobiçada por todas as legendas é o Ministério das Cidades. O nível de descontentamento também é grande entre integrantes do PMDB, que dizem que o capital político de Temer se esgotou após a Câmara barrar o prosseguimento da denúncia contra ele submetida ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

 

Para uma parte do mercado, ficou claro que Temer jogou para o próximo governo a responsabilidade de fazer o ajuste fiscal e de reformar a Previdência. Com isso, além de aprovar a nova meta fiscal e a criação da TLP, será necessário garantir o aval do Congresso para reduzir gastos com servidores públicos. As pressões de diversas categorias já começaram, e várias entidades prometem cobrar dos parlamentares apoio para manter os reajustes salariais e benefícios. O principal argumento é de que não é justo que os civis sejam prejudicados e os militares mantenham as revisões nos contracheques.

 

Obstáculos

 

Além de perder relevância em todo o debate econômico, a equipe de Ilan Goldajn terá de lidar com a frustração de ver naufragar a agenda de medidas propostas para reduzir estruturalmente os juros e tornar o sistema financeiro mais eficiente. Com uma pauta de iniciativas impopulares na frente, Temer terá de mostrar que conhece como ninguém os corredores do Congresso Nacional para ver avançar todas as matérias de interesse do BC.

 

Não restam dúvidas de que o chefe do Executivo é um hábil negociador político . Entretanto, são enormes os desafios para que o país saia do atoleiro e volte a crescer de forma sustentada. Com a proximidade das eleições de 2018, deputados e senadores terão interesse em garantir a reeleição e não em aprovar um “saco de maldades”.

 

Os sinais incipientes de lenta recuperação da economia tendem a se dissipar caso o governo não consiga fazer avançar a ampla agenda de reformas e ajustes. Sem ascendência e votos no Congresso, Ilan Goldajn terá de se preparar para o pior. Enquanto isso, a população brasileira sofre com desemprego e falta de perspectivas de longo prazo.

 

Brasília, 06h14min