Coluna no Correio: De mãos dadas

Publicado em Economia

Por mais que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, insista em dizer que não há espaço para cortes de juros neste ano, os investidores mantêm firme a aposta de redução da taxa básica (Selic), que está em 14,25%, a partir de outubro. Os donos do dinheiro estão certos de que, aprovado o impeachment definitivo de Dilma Rousseff, o governo de Michel Temer baixará uma série de medidas para reforçar o ajuste fiscal, o que permitirá ao BC afrouxar a política monetária mesmo com a inflação ainda distante do centro da meta, de 4,5%.

 

O discurso duro de Ilan faz parte da nova roupagem do BC, que tenta reconstruir a credibilidade perdida. Ele acredita que as ações do banco devem estar perfeitamente casadas com as palavras emitidas pelo comando da instituição. É essa sintonia que guiará as expectativas do mercado. Para Ilan, até agora, tudo está funcionando como o previsto. Tanto que as projeções de inflação vêm caindo há duas semanas. As estimativas deste ano baixaram para 7,26%. As de 2017 cederam para 5,40% e as de 2008, para 4,71%. Já as previsões para 2019 e 2020 ancoraram nos 4,5%.

 

O presidente do BC sabe que esse é só o começo de um trabalho árduo. E não bastará apenas o esforço da instituição para que a inflação permita a tão esperada queda dos juros. Na verdade, o banco tem papel de coadjuvante no processo. As cartas estão com o Ministério da Fazenda, ao qual cabe apresentar as medidas para o ajuste fiscal, e com o Congresso, que precisa avalizar o que foi proposto.

 

Os técnicos do BC não gostam muito dessa posição secundária. Preferem dizer que a autoridade monetária está de mãos dadas com a equipe de Henrique Meirelles e com o Legislativo num processo maior, que é o da reconstrução de um país que luta para sair de uma gravíssima recessão. Vaidades à parte, todos no Banco Central reconhecem que, se o governo não se empenhar para aprovar, ainda neste ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos e não levar adiante projetos importantes como o reforma da Previdência Social, o rompimento com o mercado será traumático.

 

Pós-impeachment

 

Enquanto aguarda pelo ajuste fiscal e vai colhendo os frutos de um compromisso claro de levar a inflação para o centro da meta até o fim de 2017, Ilan tenta resolver um problema mais urgente: encontrar um ponto de equilíbrio para o dólar, de forma que não pressione a inflação nem tire a competitividade das exportações, o que poria em risco o único ajuste que o Brasil fez, o das contas externas.

 

A orientação, fechada com o diretor de Política Monetária, Reinaldo le Grazie, é de agir de forma gradual, sem sobressaltos, para evitar volatilidade desnecessária no mercado, pois, nos últimos tempos, o que não faltou foi ruído no câmbio. Com intervenções pontuais, de US$ 500 milhões ao dia, por meio de contratos de swap reverso, espécie de compra futura de dólar, Ilan explicita que o BC está atento a qualquer movimento atípico do mercado e, discretamente, começa a desmontar a montanha de US$ 60 bilhões em contratos tradicionais de swap (venda da moeda).

 

Ilan tem ouvido de vários interlocutores do sistema financeiro que a inflação vai cair. Mas a velocidade dependerá da força com que Temer emergirá depois de aprovado o impeachment de Dilma e do discurso que ele adotará. O presidente interino já avisou que está preparando um pacote de maldades para lançar assim que for anunciada a decisão do Senado. E a aposta é de aumento de impostos e de cortes mais radicais nas despesas do governo. O risco é de o peemedebista se inebriar pelo poder e acreditar que, sendo mais complacente com os males que afligem o país, será reeleito em 2018.

 

Cara nova

 

Economista-chefe da Quantitas Asset Management, Ivo Chermont ainda está resistente em ver um quadro mais benigno para a inflação em 2017. As projeções dele apontam para um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 5,7%, bem distante dos 4,5% prometidos por Ilan. No entender dele, com essa taxa, é impossível pensar em queda dos juros. Mas ele acredita que, se o ajuste fiscal andar, o BC cederá e assumirá que o arrocho reforçará o peso da política monetária, ao contrário do que se viu nos últimos anos, quando a autoridade monetária ficou isolada.

 

Para Chermont, não há dúvidas de que um deficit de R$ 139 bilhões em 2017 — o quarto ano seguido de contas no vermelho — é um terror para o BC. Contudo, dada a realidade do país, a tendência é de o time chefiado por Ilan olhar mais para as questões estruturais, como as medidas encaminhadas ao Congresso, que, se aprovadas, darão uma cara nova às finanças do país. “Se tudo caminhar como o desejado e esperado, veremos redução de juros ainda neste ano, mesmo com uma inflação um pouco maior do que o indicado pelo BC”, afirma.

 

Ele, porém, está mais cético que a maioria do mercado. Na avaliação dele, a Selic só começará a cair a partir de novembro e descerá até 11,25% ao longo dos meses seguintes. “Esse é o quadro mais compatível com a ortodoxia mostrada pelo BC de Ilan”, diz. A próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) está marcada para os dias 19 e 20 deste mês. Mais do que o resultado, que todos já sabem — os juros serão mantidos em 14,25% —, o que dará o tom será o comunicado pós-encontro. Será o primeiro documento preparado inteiramente pelo novo BC. Não é pouca coisa.

 

Brasília, 05h02min