Coluna no Correio: Alívio à vista

Publicado em Economia

Técnicos do Banco Central acreditam que o corte da taxa básica de juros (Selic) está a caminho, mas ressaltam que o mercado deve manter o pé no freio nas apostas de mudança na política monetária em outubro. Ele dizem que as condições para que o time comandado por Ilan Goldfajn dê o alívio que todos esperam estão criadas, mas tudo dependerá de como o governo encaminhará no Congresso Nacional a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o aumento de gastos à inflação do ano anterior e a reforma da Previdência Social.

 

Se o projeto for aprovado pela Câmara dos Deputados até as vésperas da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para 18 e 19 de outubro, as chances de queda da Selic aumentarão muito. Nesse caso, acreditam os técnicos, o BC nem esperaria a convergência das projeções de inflação para 4,5%, como vem pregando o comando da instituição. Ilan e companhia teriam a justificativa de que o tão esperado ajuste fiscal ficaria mais próximo de sair do campo das promessas para se tornar realidade.

 

Na avaliação de técnicos do BC, as expectativas de inflação caíram bem nas últimas semanas, refletindo a maior confiança na equipe econômica. Mas a estimativa de 5,1% para 2017 ainda está contaminada pelo risco fiscal. Quer dizer: os especialistas incluem nas projeções a hipótese de o ajuste das contas públicas não sair, com o governo sendo derrotado no Congresso em relação à PEC dos gastos. “Uma vitória na Câmara com a PEC certamente jogará a expectativa de inflação do próximo ano para mais próximo de 4,5%. Não temos dúvidas disso”, diz um conceituado funcionário da autoridade monetária.

 

Ele ressalta que outra condicionante imposta pelo time de Ilan para o corte dos juros, a queda dos preços dos alimentos, já está se materializando. Os recentes índices de inflação têm ficado muito próximos de zero, justamente porque os reajustes da comida perderam força e não se vislumbra, pelo menos no curto prazo, uma recuperação. “O BC já percorreu pelo menos metade do caminho que traçou para reduzir os juros. É verdade que a outra metade exigirá um esforço muito maior, pois depende, sobretudo, da resposta do Congresso. Mas estamos confiantes”, assinala.

 

Simbolismo

 

Se começar, porém, a derrubar a Selic em outubro, o BC o fará de forma muito lenta, começando com 0,25 ponto percentual, de 14,25% para 14% ao ano. Será mais um corte simbólico. Caso a opção seja pela baixa a partir de reunião de novembro do Copom, aí, sim, o tombo será maior: de 0,5 ponto. Tudo isso, claro, condicionado ao avanço da agenda fiscal no Congresso — a meta do Palácio do Planalto é liquidar a fatura da PEC dos gastos no Senado até o fim do ano — e ao comportamento mais benigno da inflação.

 

“É preciso deixar claro que não há aventureiros no comando do BC. Da mesma forma que todos cobram uma política fiscal responsável, o banco age para que a política monetária cumpra seu papel”, destaca um outro técnico da instituição. Para ele, a preocupação do BC é que tudo seja definido de forma muito técnica. Os diretores não querem que fique a impressão de que bastou Michel Temer ser efetivado na Presidência da República para os juros caírem. “Isso não existe. Mas não basta dizer. É preciso comprovar com fatos. E o BC está pronto para responder a todos os questionamentos”, emenda.

 

Entre os técnicos, ninguém descarta que, caso o Copom decida manter os juros em 14,25% em outubro, haja dissidência entre os diretores, com dois ou três deles votando por um corte de 0,25 ponto. Seria a senha para que, no mês seguinte, a Selic caísse. “Essa estratégia já foi usada várias vezes pela autoridade monetária. Resta saber se o atual comando do BC está disposto a repeti-la. Sabemos que tudo o que o time de Ilan não quer é ficar parecido com a gestão anterior, liderada por Alexandre Tombini”, diz um funcionário com trânsito na diretoria do banco.

 

Ilan e subordinados já deixaram claro, em conversas dentro do BC, que reputação é tudo. Sendo assim, todos os passos estão sendo dados de forma calculada. Num primeiro momento, a opção foi por falar grosso, até para separar bem o Ilan economista-chefe do Itaú Unibanco, que defendia corte de dois pontos na Selic neste ano, do Ilan presidente do BC. A retirada de um trecho do mais recente comunicado do Copom — “não há espaço para flexibilização da política monetária” — já mostra um BC mais dono de si, confiante de que os agentes econômicos não vislumbram nenhum tipo de estripulia. O corte da Selic será a coroação do trabalho de reconstrução da credibilidade.

 

O que vem na ata

 

No mercado, que, em boa parte, prevê baixa dos juros em outubro, aumentou a expectativa quanto à ata da reunião do Copom de anteontem, que será divulgada na próxima terça-feira. Os economistas se perguntam se o BC tenderá a usar uma linguagem mais firme que a do comunicado pós-manutenção da Selic em 14,25% para pôr fim às expectativas de afrouxamento da política monetária no próximo mês. Os técnicos do banco dizem que a tendência é de o BC manter a coerência. Alegam que não há por que ficar criando ruídos com um vaivém de posições. A instituição só perde com isso.

 

Para o Planalto, o novo discurso do BC soou como música. A orientação, porém, é não jogar pressão sobre o banco. Um assessor de Temer afirma que, quanto menos o governo politizar as decisões de política monetária, mais o Copom se sentirá confortável para entregar a redução da Selic. “O que temos que fazer, neste momento, á ajudar o BC. E isso significa aprovar a PEC dos gastos ainda neste ano e fazer andar a reforma da Previdência. Temos dois terços do Congresso para garantir a vitória”, destaca. Tomara que esse discurso não seja propaganda enganosa.
 

Brasília, 05h17min