Afonso defende um código fiscal nacional, como ocorre com o código penal. “Temos várias normas espalhadas e elas são, inclusive, complexas e contraditórias. Está na hora de harmonizar tudo em uma lei complementar”, afirmou o economista, nesta terça-feira (27/04) durante o seminário virtual “Responsabilidade fiscal em tempos de pandemia”, organizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e a Instituição Fiscal Independente (IFI). “Ninguém no mundo tem tanta matéria em um texto constitucional, mas elas não funcionam adequadamente. Se fosse isso, seríamos campeões do mundo em matéria de responsabilidade fiscal”, comparou.
O especialista lembrou que, devido à pandemia da covid-19 e da necessidade dos enormes pacotes fiscais adotados pelos países, é preciso revisar regras fiscais rígidas que não consideram o fato de a economia ser cíclica e essa discussão já vem ocorrendo internacionalmente. “Precisamos revisar e harmonizar os instrumentos fiscais e associar a responsabilidade fiscal com responsabilidade social e ambiental para uma nova lei complementar para uma nova governança”, defendeu.
Afonso foi um dos palestrantes do seminário virtual do TCU e da IFI. Houve um consenso entre os debatedores de que a credibilidade do mercado em relação ao país está encolhendo por conta do descontrole das contas públicas. Eles lembram que, isso vem sendo observado após o país começar a crescer pouco depois da crise financeira global e já não é mais possível fazer superavit primário — economia para o pagamento de juros da dívida pública — apenas aumentando imposto, como no passado. Além disso, o fato de o Brasil ter muita regra fiscal e não respeitar a maioria delas também ajuda a piorar a imagem do país frente aos credores, que, em sua maioria, são os próprios brasileiros, porque o grosso da dívida é doméstico.
O ministro do TCU Bruno Dantas, durante a abertura do evento, defendeu propostas como a de Afonso para o fortalecimento das regras fiscais. “Uma das nossas preocupações é o receio de que a busca por brechas possa velar um naufrágio do arcabouço normativo e nos lançamos a uma tarefa de encontrar uma proposta de reestruturação em 2021. Acredito que eventos como este nos permitirão aprofundar e amadurecer ainda mais essas ideias”, afirmou.
Riscos à economia
Economista e ex-presidente do Banco Central, Afonso Celso Pastore alertou para o aumento dos riscos fiscais para o Brasil e as consequências danosas para a economia. Ele lembrou que, após o abandono da regra de superavit primário — economia para o pagamento dos juros da dívida pública — o país perdeu grau de investimento do país — selo de bom pagador das agências internacionais de classificação de risco, em 2015.
A regra do teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento da dívida pública pela inflação — foi criada em 2016 para compensar o fato de o país registrar deficit primário desde 2014, mas ela também já está comprometida por conta da confusão em torno do Orçamento deste ano, que acabou tirando despesas extraordinárias dessa regra, como no ano passado, quando os gastos com saúde foram uma parcela bem pequena do rombo em torno de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado.
Pastore lembrou que os riscos para a economia quando há um afrouxamento no conjunto das regras fiscais faz o país perder credibilidade junto aos investidores e o reflexo nisso é o aumento dos juros e a desvalorização da moeda, que tem consequências diretas na inflação para o consumidor. Ele lembrou que a falta de um limite para o aumento da dívida pública, atualmente em 90% do PIB, contribui para o aumento da desconfiança do mercado e vem provocando uma nova escalada da curva de juros e do dólar, o que faz o real ser uma das moedas mais desvalorizadas no mundo emergente.
“Em 2015, o Brasil perdeu o grau de investimento e tivemos saída de capital. O risco fiscal aumentou e algum prejuízo aconteceu para o país por conta do financiamento mais caro. Em 2019, tivemos a reforma da Previdência, e o país caminhava para equacionar o problema com outras reformas quando o ciclo foi interrompido pela pandemia, em 2020. A covid-19 obrigou o governo a aumentar os gastos e o governo foi obrigado a aumentar a dívida pública. Isso reflete em riscos e gera um deslocamento para cima da curva de juros”, explicou o ex-presidente do BC.
Pelos cálculos de Pastore, mesmo considerando projeções otimistas, como um crescimento do PIB de 2% ao ano e uma taxa de juros real (descontada a inflação) neutra em torno de 3%, o Brasil a dívida pública bruta continuará elevada e acima de 90% do PIB, pelo menos até 2037. Segundo ele, esse crescimento potencial de 2% ao ano só deverá ocorrer se os investidores acharem que o risco fiscal é baixo, porque se eles acharem que será maior, o país não conseguirá crescer mais do que 2%. “Existe um prêmio de risco para os investidores comprarem um título público. E eles exigem um retorno maior para para que enquanto o governo continua gerando deficit primário, que aumenta a dívida”, complementou.
Equilíbrio
O especialista em contas públicas e diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, reconheceu que, em meio à pandemia, é preciso encontrar um equilíbrio entre o aumento da demanda por gastos públicos em meio à pandemia e a busca de um plano de saída fiscalmente responsável, que cuida da relação dívida-PIB. “Sem responsabilidade fiscal não vamos a lugar algum”, afirmou. “A ação contra a crise não deve representar abandono de regras fiscais”, acrescentou
Para o diretor da IFI Daniel Couri, é preciso evitar que a pandemia seja desculpa para que o governo aumente os gastos em outras áreas que não seja a Saúde. “No contexto da pandemia, o país deu estímulos como os outros países, mas boa parte dos gastos não foi direcionada para a Saúde. Estamos usando a crise para aumentar outros gastos. E isso é algo que não deve ser feito”, aconselhou.