Brasil investe só 0,08% do PIB em ferrovias. Audiência debate prorrogação de concessões

Publicado em Economia

Por Simone Kafruni

As duas últimas audiências públicas sobre a antecipação da prorrogação das concessões de ferrovias da Vale ocorrem esta semana em Brasília, na sede da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A discussão sobre a Estrada de Ferro Carajás (EFC), uma das mais eficientes do país, foi nesta segunda-feira. Na terça, o debate é sobre a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM). Ambas são da mineradora, que têm contratos diferenciados das demais concessionárias de ferrovias do país.

 

Durante o processo de privatização da Vale, a empresa comprou os ativos da União, inclusive as ferrovias, portanto nem sequer paga arrendamento como as outras concessionárias. Pela proposta do governo, para conseguir a antecipação a Vale terá, em contrapartida, que construir e entregar à União para licitação, a Ferrovia de Integração Centro-Oestre (Fico). Apoiadores da iniciativa participaram da audiência desta segunda-feira, que também contou com pessoas contrárias à prorrogação dos contratos da Vale.

 

Para os especialistas presentes, a antecipação das prorrogações são cruciais para que o país volte a investir no setor ferroviário. Cálculo da Consultoria de Negócios InterB aponta que o Brasil deve investir R$ 5,6 bilhões em ferrovias este ano, o equivalente a apenas 0,08% do Produto Interno Bruto (PIB). Para promover a modernização e a ampliação do modal na matriz, reduzindo a dependência do transporte rodoviário de cargas, seriam necessários R$ 15 bilhões por ano durante duas décadas.

 

O presidente da InterB, Claudio Frischtak, explicou que as prorrogações têm potencial de garantir mais R$ 5 bilhões em investimentos anuais ao setor ferroviário. Os outros R$ 5 bilhões para fechar a conta poderiam resultar de duas iniciativas, segundo ele. As concessões das Ferrovia Norte-Sul, Fiol e Ferrogrão (projetos que estão previstos e poderiam garantir R$ 3 bilhões anuais) e a permissão ao regime de autorização e não concessão. “Com isso, a redução do peso regulatório estimularia o investimento em linhas curtas (shorlines), que poderia gerar mais R$ 2 bilhões anuais em investimentos”, disse.

 

Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, observou que a proposta de antecipação das prorrogações é a mais vantajosa diante das alternativas. “A ideia é aumentar os investimentos por mais 10 anos e fazê-los 10 anos antes”, resumiu. O professor assinalou que os contratos preveem a redução dos conflitos urbanos. “As obras vão representar um impulso importante para a economia, que está com o nível de atividade deprimido”, acrescentou.

 

O diretor executivo da Associação Nacional dos Tranportes Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, destacou que as ferrovias da Vale têm os melhores índices de segurança do país. Também são as únicas com transporte de cargas e passageiros. No ano passado, transportaram 1,3 milhão de pessoas. “O mais importante é que vamos repactuar o que pode ser melhorado. Na década de 1990, quando houve as privatizações, os contratos não eram detalhados. Agora, há um conjunto de obrigações. As regras ficarão mais claras”, defendeu.

 

Conflitos

 

A Vale deve investir R$ 2 bilhões, sendo R$ 1,2 bilhão na EFVM e R$ 800 milhões na EFC, para resolver conflitos urbanos, melhorar passagens de nível, construir passarelas e viadutos, fazer a vedação das linhas (com telas de proteção), entre outras adequações necessárias. Conforme o superintendente de Ferrovias da ANTT, Alexandre Porto, os ativos da Vale no setor são calculados em R$ 18,87 bilhões, portanto, se chegou a uma valor de outorga negativa de R$ 2,1 bilhões. “A medida que o valor é deduzido da outorga, os bens passam a ser reversíveis”, afirmou.

 

Porto destacou que as regras ficaram mais claras. “Agora temos o mecanismo do gatilho de expansão de capacidade, quando o índice de saturação chega a 90%”, disse. O superintendente reconheceu que a capacidade das ferrovias da Vale é adequada, assim como o estado de conservação da malha. “A EFC tem bons indicadores de segurança. Na verdade, o melhor índice do país, de 2,67 de acidentes, ante uma média nacional de 10,7”, comparou.

 

Segundo ele, após a audiência pública, a ANTT fará um relatório final, com os ajustes necessários, e encaminhará ao Tribunal de Contas da União (TCU). Se houver anuência, a renovação é assinada. O secretário de Coordenação de Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Tarcísio Gomes de Freitas, presente na audiência pública, estima que as assinaturas das prorrogações da Vale e da Malha Paulista da Rumo (que estão ainda mais adiantadas, já no TCU) devem sair ainda este ano.