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ARTIGO: O míssil, o vigário polonês e o ucraniano

Publicado em Economia

Por LUIZ RECENA GRASSI, de Portugal

 

O Ocidente dormiu com a terceira guerra mundial e acordou em braços vazios. Breve tentativa de conto do vigário polonês. E interesse do governo ucraniano. Só que, no meio do caminho da guerra, há pedras e bombeiros aplicados em removê-las, desobstruir a via que um dia leve à paz. Acusação polaca: míssil russo, por si só, motivo de envolver a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) no conflito. Acusação ucraniana: é russo, sem comentar seu sistema antiaéreo em funcionamento, ruim o suficiente para falhar e dar tiros na vizinha. Tudo errado.

 

Bombeiros foram rápidos ao deixar claro: o míssil pode até ser russo ou soviético (fabricação), mas não lançado pela turma do Kremlin, então mais entretida em bombardear Kiev e outras cidades a dezenas de quilômetros da fronteira polaca. Mais: não houve ataque deliberado nem contra a Polônia nem contra a Otan. Ok, a Rússia tem culpa por começar a guerra e toda essa confusão provocando retaliações que a Europa diz nem querer ter aplicado. Mas, desta vez, não foram os russos.

 

A Polônia desistiu de processar a Rússia, os países bálticos também, Otan, União Europeia e Estados Unidos foram atrás e só ele ficou a gritar que tudo era culpa da Rússia. Pela primeira vez, Volodimyr Zelensky entrou em desacordo com seus parceiros europeus de sempre. Até com Joe Biden resmungou, pedindo mais armas e dinheiro. Não levou. A Ucrânia custa US$ 90 milhões por dia a aliados. Ou, para outras fontes, 22 bilhões de euros até agora.

 

Há tempo ruim para a Ucrânia. Mais da metade do país sem água, luz e gás; comida via ajuda humanitária; filas, obstáculos na distribuição. A retomada de Kherson foi festa rápida e acabou. Apanham para se manter no jogo. Há fissuras: aliados cansados de guerra, de gastar dinheiro. Pedem sinais de paz a partir de Kiev. Em menos de um mês, pode haver a grande batalha e os russos terão mais de 300 mil soldados no front. É alto o estoque de armas e há acordos novos com Irã e Coreia do Norte. Discreto e constante apoio chinês na energia.

 

Nos EUA, vitória dos Republicanos na Câmara trouxe a notícia de auditoria nas verbas enviadas por Biden a Kiev. Viúvas trumpistas e outras querem esse dinheiro gerando empregos em casa. Guerra é caro. O segundo idioma do exército ucraniano é o polonês, o terceiro é o inglês. Mercenarismo voraz engole dinheiro.

 

Russos mantêm bombardeios e nevou na área do conflito. Uma boa: prorrogado por 120 dias o acordo de exportação de cereais, mas serve igual para a Rússia, a ganhar ainda o relaxamento do embargo às vendas de fertilizantes e itens do agronegócio. É a comida/moeda forte a voltar à mesa via Moscou. No bilateral, Putin e Biden deram luz verde às negociações de novo acordo nuclear. Sinais frágeis, mas de paz.

 

O CORREIO SABE PORQUE VIU

 

Estava lá. Guerra tem vários tipos de vítimas. Esta não é diferente. Amigos ainda em Moscou atestam o óbito de animadas noites moscovitas e em Kiev na mesma medida. Ucranianos e ucranianas eram conhecidos e reconhecidas pelo prazer com que animavam e viviam a festa.

O hotel Ucrânia, no centro de Moscou, além de monumento clássico Art Nouveau, era referência para jantares, bailes com orquestra e outras atrações. Conheci na primeira vez que fui, ainda na extinta União Soviética, para negociar com a agência TASS acordo que divulgasse governos de Gorbachov no Brasil e de José Sarney no mundo bolchevique. Voltei várias vezes durante a residência. As pontes com a TASS, o Brasil, o dólar azeitavam as relações. O velho prédio resistiu bem, assim como a cozinha, as atrações.

 

Agora, sem a Ucrânia, tirou de circulação grupos musicais, sempre acompanhados de modelos, atrizes e bailarinas. Estão por aí a matar-se. Uma pena. Ali, certa vez, comprei sobras de caviar negro (que não era servido, ficava nas latas e era reaproveitado) a 25 dólares o vidro de quase um quilo. Comeu-se com colher de sopa. Outros hotéis o faziam. Também acabou. Outra pena.