Agentes financeiros reforçam apostas de manutenção da taxa de juros

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ROSANA HESSEL

Enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta dar sinais ao mercado financeiro de que está conseguindo avançar nas conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sobre o desenho do novo arcabouço fiscal — sem abrir o teor da proposta –, agentes financeiros reiteram a aposta de que não haverá mudanças na taxa básica da economia (Selic), na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco  Central, que começa nesta terça-feira (21/3) e termina na quarta-feira (22/3). Para eles, não dá para achar que o Copom vai começar a reduzir os juros somente a partir do terceiro trimestre deste ano.

Haddad mudou a agenda para priorizar conversas com parlamentares nesta segunda-feira (20/3), que estavam reclamando de estarem fora das conversas iniciais sobre o novo arcabouço fiscal. Logo no início do governo, Lula chegou a afirmar que pretendia revogar o teto de gastos — regra constitucional que limita o aumento das despesas pela inflação do ano anterior –, a única âncora fiscal em vigor, apesar de sofrer alterações, com ampliação do limite de gastos, desde 2019.

O Copom desta semana coincide com os mesmos dias da reunião do Fomc, comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Analistas preveem que o Copom mantenha a Selic no patamar atual e que o Fed diminua o ritmo de alta dos juros norte-americanos de 0,50 ponto percentual para 0,25 ponto. O banco Safra, contudo, não descarta a possibilidade de manutenção da taxa de juros no atual intervalo entre 4,50% e 4,75% ao ano. A instituição prevê crescimento de 1% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e manteve a previsão de manutenção da Selic na reunião do Copom desta semana.

Na avaliação do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, demonstrou preocupação com o fato de Haddad demorar tanto para apresentar o arcabouço fiscal, o que pode sinalizar que vai vir algo bem ruim, que acabe tirando muitas despesas da regra do teto de gasto e, assim, o compromisso com o equilíbrio fiscal perder credibilidade de vez. “Não dá pra acreditar em queda de juros antes de o arcabouço ser aprovado pelo Congresso”, alertou.  Vale prevê que o Copom só deverá iniciar o novo ciclo de queda da Selic “a partir do terceiro trimestre”.

O banco suíço UBS que fechou, ontem, um acordo para comprar o rival Credit Suisse, que estava à beira da falência, também prevê manutenção da taxa Selic em 13,75% no Copom desta semana, apesar de prever alta do IPCA de 0,65% em março, abaixo da mediana do mercado coletada no boletim Focus do Banco Central, de 0,75%. Conforme o boletim, divulgado hoje pelo BC, a mediana das previsões de crescimento do PIB deste ano recuou 0,89% para 0,88%.

A Associação Brasileira de Bancos (ABBC) também projeta a manutenção da taxa de juros em 13,75%. “Acreditamos que a Selic deva ser mantida, ainda que tenha ocorrido alguns eventos no sistema bancário internacional que trazem riscos consideráveis à estabilidade financeira e ao cenário econômico”, aponta Everton Gonçalves, Superintendente da Assessoria Econômica da ABBC, em nota divulgada pela entidade destacando que “as pressões inflacionárias globais reduziram-se ligeiramente” e houve “relativa redução da incerteza sobre a evolução da consolidação fiscal do país”. “Sem alterações significativas no balanço de riscos que tivessem um efeito líquido que justificasse uma alteração nas diretrizes da política monetária e um processo de desinflação bem gradual, as expectativas para 2024 mantiveram-se praticamente estáveis”, analisou.

Na avaliação de analistas, os receios em relação da formação de uma crise financeira aumentaram o grau de imprevisibilidade para a tomada de decisão dos agentes econômicos. “Embora esse quadro possa levar a uma desinflação mais rápida e uma queda mais intensa na atividade econômica internacional, uma valorização do dólar no mercado internacional terá impacto na taxa de câmbio das moedas de países emergentes”, acrescentou o analista.

O economista Alberto Ramos, chefe de estudos para a América Latina do Goldman Sachs, também acredita, o Copom manterá a taxa Selic inalterada em um restritivo 13,75%, e ainda deve reiterar uma postura vigilante, apesar do enfraquecimento da atividade econômica, com sinais de desaceleração do mercado de trabalho e das condições de crédito mais restritivas.  “Esperamos que o Copom manifeste desconforto com a deterioração adicional das expectativas de inflação de curto e de médio prazos desde a última reunião (que leva a uma trajetória de inflação projetada mais alta e aumenta o custo da desinflação) e o alto nível e rigidez do núcleo da inflação; isso provavelmente limitará o escopo para uma flexibilização precoce e agressiva da política monetária, embora, em nossa avaliação, não elimine totalmente o espaço para um início lento de um ciclo de flexibilização até o terceiro trimestre de 2023”, alertou Ramos, em comunicado enviado aos clientes.

Na avaliação de Ramos, o fato de o Banco Central preservar uma postura restritiva e permanecer vigilante é justificado devido aos setor de serviços, que ainda sofre pressões inflacionárias devido à retomada mais tardia da pandemia, e à maior deterioração da expectativa de inflação de curto e médio prazos, incerteza persistente em torno da postura fiscal e da regra fiscal final de médio prazo. Ele destacou ainda que o BC ainda não poderá contar com a âncora fiscal que o Congresso aprovará com base em uma proposta do governo “ainda desconhecida” e dos crescentes estímulos fiscais e parafiscais do novo governo.

A XP Investimentos também reforçou as apostas de manutenção da Selic em 13,75% no Copom desta semana, mesmo patamar que a instituição prevê para a taxa de juros básica no fim do ano. “Reconhecemos, entretanto, a possibilidade de cortes mais cedo, a depender da evolução dos choques financeiros e da forma que o Copom optará por administrar o balanço entre desaceleração da atividade e convergência da inflação”, alertou o comunicado da empresa divulgado na tarde de hoje.

A expectativa dos economistas da XP é de que o comunicado pós-decisão deixe as portas abertas diante do aumento das incertezas por conta dos choques recentes das quebras dos dois bancos regionais nos Estados Unidos, e da confusão em torno da fraude contábil das Lojas Americanas, que entrou com pedido de recuperação judicial. Pelas simulações do da XP replicando o modelo do Copom, a inflação continua pressionada com aumento das projeções para o IPCA deste ano de 5,6% para 5,4% e as do ano que vem de 3,4% para 3,5%

Vicente Nunes