Protocolo da insensatez

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Severino Francisco

Mesmo se os governos tomassem todas as decisões corretas, a luta contra o coronavírus seria titânica. Mas, no Brasil, o vírus tem um aliado poderoso: o negacionismo de alguns governantes. Por isso, a todo momento, somos obrigados a lutar para que prevaleça o óbvio: o respeito à vida, a primazia da ciência e o cuidado com o outro.

A decisão do governo do Distrito Federal de promover a reabertura de todas as atividades é surreal. Causa espanto em qualquer pessoa sensata, pois ocorre precisamente no momento em que a escalada de contaminação está em curva ascendente, os leitos das UTIs são escassos, os profissionais de saúde reclamam da falta de equipamentos de proteção, não existe transparência sobre dados dos hospitais, alguns brasilienses precisam mover ações judiciais para serem internados e o próprio governo decreta estado de calamidade pública.

Não poderia haver, portanto, período mais inoportuno para tal deliberação precipitada. Desde o início da pandemia, os cientistas alertaram que os idosos e as pessoas com comorbidades precisavam de isolamento para preservar a vida.

Pois bem, com a decisão desrazoada, todas as pessoas são lançadas à condição de vulneráveis. O potencial de contaminação será incontrolável. De nada adiantará o esforço que muitos idosos e crianças com outras doenças fazem por meio do isolamento.

Uma legião de profissionais autônomos, professores, vendedores, comerciantes, treinadores e funcionários públicos estará nas ruas, nos shoppings, nas academias, nas escolas e nos ônibus lotados transmitindo o vírus.

A retomada das atividades escolares é preocupante. Ela tem caráter compulsório, coloca, imediatamente, em risco, alunos, professores e familiares. Como será possível manter os alunos de máscara, sem tocar nos colegas, sem tocar no material dos outros, durante cinco horas? Como a professora será ouvida se precisa portar máscara? Que protocolo evitaria o contágio em escolas com mais de 1 mil ou 2 mil alunos?

O governador do DF abandonou qualquer parâmetro científico e afirmou em entrevista que, desde o início, a Covid-19 deveria ser tratada como uma “gripe”. Não ouvi nenhum epidemiologista que concordasse com a retomada das atividades, como se já tivéssemos superado a crise sanitária.

A Associação de Pediatria de Brasília se posicionou contra a medida. Todos têm alertado para os graves riscos da reabertura. Parece que o governador do DF segue os conselhos de quem não está apto a dar orientações seguras.

Não adianta fazer carreta, formular um protocolo inviável ou impor um calendário fictício. O vírus não vai aceitar. É a ciência que está com a palavra. Alertas, diretrizes e bons exemplos não faltam. Sensatamente, a UnB descartou a volta a aulas presenciais neste ano.

A Câmara Legislativa não pode se omitir desse debate. Como bem disse o disse o presidente da Cruz Vermelha, Francesco Rocca: “Não é possível ser neutro quando há mortes”.

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