Severino Francisco
Nos anos 1970, o irreverente professor da UnB, João Evangelista, chegou a propor a criação de uma associação de não moradores de Brasília, tamanha era a alienação e o descompromisso dos brasilienses com a cidade.
Mas, nas duas décadas iniciais do século, as novas gerações abraçaram e ocuparam Brasília, amorosamente, com novos valores. Isso é algo para celebramos na passagem dos 60 anos da cidade, mesmo no caos.
É verdade que não foram os únicos. A primeira leva de brasilianos transplantados de outras regiões no início de Brasília tinha grande afeição pela cidade erguida em cima do nada: “A gente tinha a impressão de não estávamos construindo uma cidade, mas, sim, uma catedral”, disse o artista plástico Cildo Meireles.
Depois, dos anos de chumbo do regime de exceção, a geração do movimento Cabeças botou o bloco nos gramados das Superquadras. No entanto, agora, é uma onda muito mais ampla que tomou conta da cidade com shows ao ar livre, fruição dos parques, passeios de bicicletas, criação de coletivos, food trucs em Entrequadras e múltiplos projetos de ocupação cultural.
Em vez da ostentação predominante nas capitais, elas substituíram a pompa por uma concepção tribal da existência. Em primeiro lugar, houve a questão do pertencimento. As novas gerações resolveram fazer de Brasília o seu pedaço. Tem muita gente nas ruas para vender comida, roupas ou serviços.
No entanto, o dinheiro não é o único combustível. Essa turma organiza o trabalho e desfruta a cidade de maneira coletiva. As vaquinhas virtuais foram incorporadas para financiar projetos culturais.
E também os coletivos. Junta, por exemplo uma turma de estudantes de arquitetura, aluga um lugar desvalorizado por um preço mais em conta, transforma o espaço degradado e estabelece uma interação com o entorno. Muitos pequenos lugares foram revitalizados.
O gosto pela bicicleta também foi trazido pelas novas gerações. Na verdade, apesar da precariedade e insuficiência das ciclovias, a cidade é um permanente convite às pedaladas, com suas linhas retas que tocam no horizonte.
Os espetáculos gratuitos enriquecem a cidade em projetos desenvolvidos no Setor Comercial Sul, no Museu da República ou no Parque da Cidade. O carnaval transformou as avenidas de Brasília em sambódromos.
A cada ano surgem novos grupos. A alma brasiliense se renovou e a cidade ficou melhor. As novas tribos brasilienses reensinam a desfrutar a cidade, os espaços, os parques, o Eixão nos fins de semana, o sol e a alegria da luz brasiliana.
Se não fosse a pandemia, essa turma toda estaria na rua e faria da resistência democrática uma festa pacífica na Esplanada dos Ministérios, que projetaria uma imagem mais verdadeira (e digna) de Brasília para si mesma e para o restante do Brasil.
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