Maria Lucia Verdi
O Museu da República exibe a mostra Ruídos: a coreografia da violência, de Wagner Hermusche, e o Museu dos Correios exibe Lugares e ficções, de Pedro de Andrade Alvim. Duas mostras consistentes, frutos de trajetórias sólidas, que nos impactam de modo totalmente distinto.
Dois artistas brasilienses com vivência europeia, que nos trazem universos dissimiles, mas que se aproximam como contrapontos, como as extremidades do círculo (o real) se encontram. Frente a essas duas trajetórias, damos um Viva à Subjetividade, aquela que teima em resistir como conceito, num tempo histórico avassalador, onde as individualidades estão mais e mais padronizadas. Um Viva também à pintura e ao desenho!
Hermusche reitera, com grande impacto visual, os signos, os símbolos, a linguagem da violência, da realidade e da tecnologia invasoras; Pedro Alvim revisita signos e símbolos da história da arte e da cultura ocidental, relendo-os pelo viés da citação, da homenagem (algumas vezes comovedora, como em “Medusa” e em “Spitzberg”) e, mesmo, do humor.
Hermusche nos crava no peito uma bala perdida. Pedro Alvim faz com que nos percamos em seus lugares de ficção. Une-os, o cenário aberto e devastador desta capital apocalíptica – espaço para coreografias assustadoras, mas também espaço para aventuras de um olhar inquieto, que reinventa.
Hermusche traz a agressividade do que vemos e ouvimos na mídia, aliás, do que não aguentamos mais ler e ouvir. Como diz no texto autoral de apresentação, ele retrata o poder das corporações, do capital e seu discurso único, do perigo do estilo de vida contemporâneo, do isolamento das individualidades, do horror da política muito bem expresso em um dos grandes quadros da mostra.
Pedro Alvim traz a possibilidade da momentânea evasão desse mundo – em suas pinturas, nos perdemos no imaginário de outros tempos, um flanar pela pintura em si. As evocações de uma ficção surpreendente, de um autor que é como o alter ego daquele (o mesmo) que escreve o “Libreto” distribuído na mostra, libreto de uma ópera cifrada, ao mesmo tempo bufa e nostálgica – a própria mostra.
A arte contemporânea é assim múltipla, com mil faces, híbrida, impossível de restringir – como o mundo de hoje, que nos escapa, fluido, líquido, escorrendo como nas pinturas de Pedro Alvim, ao mesmo tempo que se afirma concreto e cruel, como no trabalho de Hermusche. Necessitamos da arte política de Wagner Hermusche, necessitamos da arte atemporal de Pedro Alvim. Brasilienses, fujam para os museus!