Em tempos de confinamento, vários amigos reaparecem misteriosamente. E um deles é Luiz Martins, professor da UnB e poeta. Ele me diz que, com a reclusão imposta pelo coronavírus, a gente presta mais atenção aos objetos, aos acontecimentos e à paisagem da casa.
Luiz mora em um condomínio rural de Sobradinho, estava mirando a janela quando observou um fato interessante: as ramas de abóbora subiram nas árvores de frutas e se aninharam na copa das árvores. Mas, antes de desfiar a trama da história é preciso contextualizá-la com outra de Monteiro Lobato.
Lobato escreveu um conto protagonizado pelo personagem Américo Pisca-Pisca. Pois bem, América era opiniúdo, tinha o hábito de botar defeito em tudo e mete na cabeça a ideia de fazer uma reforma da natureza. Denuncia que a natureza só faz asneiras. E argumenta: ali está uma enorme jabuticabeira sustendo frutas pequeninas e, mais adiante, uma abóbora enorme presa ao caule de uma planta rasteira. Não seria mais lógico que fosse tudo invertido?
E, no ápice da arrogância, começa a especular se a natureza não seria melhor se ele fosse inteiramente reorganizada por ele. Desta maneira, as jabuticabas mudariam para as ramas das abóboras e as abóboras para o alto das jabuticabeiras. No seu entender, nosso personagem provou que tudo estava errado e, modestamente, Pisca-Pisca achava-se o único no mundo apto a fazer uma reforma na natureza.
Todavia, fatigado de tantos devaneios, Pisca-Pisca resolve tirar uma soneca embaixo da jabuticabeira. Dormiu e sonhou com a natureza reformada. Mas eis que uma jabuticaba caiu-lhe bem no meio da testa e ele acordou assustado. E fez a reflexão dramática: já pensou se tivesse reformado a natureza e uma abóbora lhe acertasse a cabeça. Seria a primeira vítima do desatinado projeto.
Voltemos ao quintal do Luiz. Ele me enviou uma série de fotos para comprovar a história. As cenas reveladas parecem a reforma ideada por Américo Pisca-Pisca transformada em realidade. As ramas de abóboras subiram as jabuticabeiras, se entrelaçaram aos galhos, se fundiram na mesma trama vegetal e se acomodaram no alto da fruteira.
E não se apossaram apenas das jabuticabeiras; ascenderam também às goiabeiras e aos mamoeiros. De modo que o quintal-chácara de Luiz virou uma obra de ficção, um verdadeiro Sítio do Picapau Amarelo.
Lá, é possível encontrar abóbora de jabuticabeira, goiabeira de abóbora, aboboreira de mamão, mamoeiro de abóbora, aboboreira de goiaba. É preciso deixar claro que a reforma da natureza de Luiz não foi, em nenhum momento planejada, aconteceu à revelia, pois ele não se preocupa com assuntos hortifruti; só pensa em poesia.
O fato é que, de sua despreocupação agrária, vicejaram abóboras do tamanho de jacas em cima das fruteiras. Eu não me arriscaria a tirar uma soneca embaixo das jabuticabeiras do Luiz.