Severino Francisco
Oito mil indígenas de mais de 200 povos marcharam mais uma vez pela Esplanada dos Ministérios rumo ao Congresso Nacional para reivindicar direitos, principalmente o direito essencial à demarcação das terras, do qual decorrem muitos outros cruciais para a sobrevivência dos povos originários e do planeta.
Quando eu vinha para a redação nos deparamos com um cenário estranho. Os policiais militares se postaram em duas pistas para liberar o caminho aos indígenas do movimento Terra Viva. É sempre um grande momento da Esplanada quando a capital modernista recebe indígenas das mais diversas etnias. Cada uma delas tem uma maneira de se pintar, de tocar música e de ritualizar os acontecimentos.
Eles marcharam em pequenos blocos, com cores e coreografias distintas. Fizeram da via uma passarela para um desfile marcado pelo ritmo dos chocalhos e pela exuberância das pinturas corporais. Ritualizaram uma batalha de vida ou morte. O Marco Temporal é a morte.
Para eles, a beleza não é algo apenas para se contemplar. Ela está mistura às funções mais triviais da vida. Eles trouxeram a beleza para Esplanada dos Ministérios e ritualizaram o seu clamor de vida ou morte. Brasília fica mais bonita e mais autenticamente brasileira com os índios.
O artigo 231 da Constituição é muito claro: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
Constituição não fala em marco temporal; fala em direito originário. Segundo a argumentação do marco temporal, para ter direito à demarcação da terra, os índios precisariam ocupá-la na data da promulgação da Constituição de 1988. Todos sabem que os índios são escorraçados, perseguidos e expulsos de seus territórios a todo o momento. Como exigir marco temporal?
Além de ser injusta, a tese do Marco Temporal é insensata. Recentemente, a revista Piauí publicou matéria sobre pesquisa de cientistas do Brasil e da Holanda que calcularam, pela primeira vez, que 80% da área coberta por lavouras e pastagens no Brasil depende das chuvas produzidas pelas florestas remanescentes nas terras indígenas da Amazônia.
Os cientistas há haviam detectado já haviam detectado que as árvores da Amazônia arremessam na atmosfera uma enorme quantidade de vapor d’água. Esse vapor d´água é carregado pelo vento para até outras regiões. Eles se transformam em chuva que é essencial para viabilizar a produção agrícola. É o fenômeno chamado de “rios voadores”.
Os nove estados mais bem aquinhoados produzem 57% da receita do agronegócio, informa a matéria. O Paraná, grande produtor de soja e milho, é a unidade da federação mais beneficiada pelas chuvas formadas nos territórios indígenas da Amazônia, com 25%. Em seguida, vem o Acre e o Mato Grosso do Sul, com 20%.
É ou deveria ser óbvio que o agronegócio deveria ser o primeiro a defender a preservação das matas, pois depende, em larga escala, de um ciclo regular de chuvas para desenvolver as suas atividades. Segundo dados levantados pela Confederação Nacional dos Municípios, os prejuízos com as mudanças climáticas alcançaram a cifra de 6,7 bilhões em 2024.
Mais uma vez, os índios nos deram uma lição democrática de cidadania, de consciência, de bravura, de resistência, de dignidade, de brasilidade e de beleza. Não se mobilizaram para garantir a impunidade de golpistas. Estão na Esplanada para lutar pela vida deles e de todos. A preservação de suas terras é condição para a regularidade da chuva e para o controle das consequências das mudanças climáticas. O Congresso Nacional precisa acordar para essa questão que afetará a todos.
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