A máquina do caos

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Severino Francisco

O STF está julgando uma ação crucial para o futuro das redes sociais e para a maneira com que elas moldam o pensamento, os valores e as ações. Em jogo, está o caso de Aliandra Cleide Vieira, professora do ensino médio de Belo Horizonte, que, em 2009, pediu ao Google que fosse retirada do ar uma comunidade criada no Orkut contra ela, batizada de “Eu odeio a Aliandra”. O Google se recusou, Aliandra entrou com uma ação contra a empresa, ganhou na primeira e na segunda instância. Mas o Google recorreu e o caso está com o STF para a decisão final.

Precisamente neste momento, uma boa alma me repassou o livro A máquina do caos – Como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo, de Max Fisher (Ed. Todavia), que acaba de ser lançado no Brasil. A pergunta que impulsionou Fisher a fazer a pesquisa que resultou no livro é a mesma que está no centro do debate do julgamento no STF: as redes sociais são ferramentas que apenas refletem a natureza das pessoas, ou estimulam comportamentos extremistas e a disseminação de notícias falsas?

Fisher é aquele repórter Sherlock Holmes que escarafuncha tudo de maneira implacável. A história da reportagem é muito interessante. Ele ficou cara a cara com os executivos que decidem o que pode ou não ser veiculado no Facebook por caminhos tortuosos. E pôde constatar a burocracia kafkiana e a negligência na divulgação dos conteúdos de ódio, violência e extremismo.

Um funcionário do Facebook vazou 1.400 páginas de documentos internos, captados em diversas regiões do planeta, mostrando, segundo Fisher, a mão invisível da corporação na aceitação dos limites de participação política e de discurso político para 2 bilhões de usuários. O fato ensejou um convite para conversar com os executivos que cuidavam da suposta civilidade das plataformas.

No início, Fisher imaginava que as redes sociais eram mero canal passivo de expressão dos problemas da sociedade. Todavia, no decorrer da pesquisa, ao visitar lugares da apuração, revoltas e ascensão de ditadores cômicos, mudou de opinião: “Uma revolta repentina, um novo grupo extremista, a disseminação da crença em alguma conspiração bizarra… tudo tinha um ponto comum. E embora os Estados Unidos ainda não tivessem explodido em violência, as semelhanças com que o estava acontecendo por lá eram inegáveis”.

Vejamos algumas conclusões de Fisher: no decorrer do tempo, as manifestações extremistas só se acirraram. Mas a reação das corporações foi protocolar, burocrática e negligente, apesar de os executivos responsáveis por manter a civilidade reconhecerem os conteúdos ameaçadores. Os manuais eram insuficientes para conter males que, muitas vezes, a própria plataforma incentivara. “Nossos algoritmos exploram a atração do cérebro humano pela discórdia”, alertaram pesquisadores em 2018. E, de fato, a máquina do ódio tornou as grandes corporações das redes sociais um dos empreendimentos mais lucrativos do mundo. Impor a força da lei neste caos é uma tarefa inadiável.

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