Vivemos um momento tão difícil que me deu vontade de falar sonho. Uma grande amiga me disse que conseguiu transformar as principais utopias em realidade. Vou investigar melhor e depois conto para vocês. Mas, antes, evocarei outra história que vai por trilha semelhante.
Oscar Niemeyer escreveu: “É preciso sonhar para as coisas acontecerem”. Sou um praticante fervoroso da frase. De fato, tudo começa em nosso desejo. Só que, raramente, as coisas sucedem de maneira imaginada. Muitas vezes, os nossos sonhos são escritos por linhas tortas e caminhos imprevistos. Fazemos nossos planos, mas os deuses também jogam seus dados.
Aspiro e me empenho em alcançar a sabedoria dos monges budistas que nada desejam, pois, se a gente conseguir ascender a esse estado, tudo o que vier será lucro. No entanto, receio que talvez não atinja tal estado de beatitude nesta encarnação. Na verdade, sou, essencialmente, devaneante, desejante e mesmo delirante, a ponto de suscitar o seguinte comentário de um amigo: “Você é uma pessoa com os pés no chão. De Marte”.
Sempre tive a vontade de construir uma casa a partir do marco zero, segundo o meu projeto. Podem me acusar de veleidade, todavia, quem não tiver nenhuma me atire a primeira pedra. Se o colega Rubem Braga conseguiu comprar, quase sem nenhum dinheiro, uma cobertura em Ipanema, por que não poderia eu erguer uma cachixola no meio do cerrado inóspito?
Armado por essa lógica implacável, fiz uma varredura nos sites imobiliários em busca de algo muito difícil de encontrar nos tempos em que os imóveis são cotados em surreais, a moeda imperante na capital do país; um lote de tamanho razoável, bem localizado e barato. Dirigi-me até o terreno, situado em um condomínio agreste e, ao chegar, me deparei com a presença de duas corujas-buraqueiras que, imediatamente, deram gritos de guerra para defender o território.
Estava olhando o lote quando resolvi caminhar um pouco para conhecer o entorno. Ao enveredar por uma rua, avistei um sujeito barbado. Puxei conversa e, em sotaque rascante de nordestino, ele logo fez um mapeamento irreverente dos personagens, das supostas roubalheiras, das vantagens e das desvantagens do condomínio.
Sem papas na língua, indagou se eu planejava construir a casa imediatamente. Em um assomo de falsa sensatez, respondi que, primeiro, eu tinha de comprar o lote. E, mesmo assim, não adiantaria apenas a intenção; era preciso dinheiro.
Neste momento, em um tom, a um só tempo, grave e jocoso, ele me replicou com a veemência dos profetas: “Meu amigo, nunca diga isso, que não tem dinheiro. Você não sabe quais são os planos de Deus. Podem acontecer coisas imprevisíveis em nossas vidas e, inclusive, as favoráveis. Chega a ser uma arrogância da sua parte contra as instâncias superiores afirmar que deixará de realizar um sonho porque não tem dinheiro. Nunca repita isso, meu amigo. Diga o seguinte: ‘Tenho, mas os recursos não estão disponíveis no momento’”.
One thought on “Crônica da Cidade: A lição do sonho”
Que texto leve e interessante. Parabéns e obrigado.