REFORMAS PODEM FICAR NA FILA

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Com a legitimidade questionada por não ter sido eleito na cabeça de chapa em 2014, Michel Temer terá dificuldade para liderar mudanças estruturais requeridas pela economia, como alterações nas regras da Previdência e da legislação trabalhista

SIMONE KAFRUNI

Com o ambiente econômico e político mais complicado das últimas décadas, as medidas para recolocar o país no caminho do crescimento serão duras e impopulares. Para as iniciativas de curto prazo, como ajustar as contas públicas com aumento de impostos e redução de gastos, o eventual novo governo liderado por Michel Temer deve contar com o apoio do Congresso Nacional. Para alguns especialistas, contudo, com a legitimidade questionada por não ter chegado ao cargo à frente da chapa eleita em 2014, ele terá limitações para encaminhar as reformas estruturais, como a previdenciária, a tributária e a trabalhista.

Para o consultor externo da GO Associados Alexandre Andrade, à medida que se aproxima o momento de um desfecho no processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, aumenta a percepção de que o país conseguirá desatar o nó instalado no ambiente político desde 2015. “O Produto Interno Bruto (PIB) caiu 3,8% no ano passado e retração de igual magnitude, ou até maior, é esperada para 2016. O desempenho da economia reflete a conjugação inédita de três fatores: o fim de um ciclo econômico; a crise política; e os desdobramentos das investigações da Operação Lava-Jato”, avaliou.

Dos três aspectos, para Andrade, os dois últimos dificultam mais a recuperação econômica no curto prazo. “De todo modo, a troca de governo deverá causar um impacto positivo sobre a confiança dos agentes. Isto dará fôlego ao governo de transição para implementar algumas medidas necessárias para recuperar a economia, especialmente o quadro fiscal. Mas a falta de legitimidade vai limitar a realização das reformas estruturais, condicionadas a um presidente eleito”, opinou.

Impostos

Flávio Serrano, economista sênior do Banco Haitong, concorda que aprovar as reformas pode ficar para o próximo governo eleito, mas ressalta que Temer precisa começar a trabalhar já. “Arrumar o fiscal, direcionar a questão de gastos, com limitação de despesas, e encontrar alguma recuperação de arrecadação, com aumento de impostos, são medidas urgentes”, afirmou. Serrano lembrou que o governo de Dilma Rousseff conseguiu ampliar a relação dívida/PIB em mais 10 pontos percentuais em um ano e dois meses, elevando o indicador de 57,2% para 67,6%. “Tem que ser um arrocho forte para colocar a casa em dia, mesmo assim, superavit só em 2018”, disse.

O especialista pontuou que o país tem uma grave limitação de crescimento econômico por conta da capacidade produtiva baixa. “Foram oito trimestres sem aumento do investimento. Precisamos gerar ganho de produtividade, criar um ambiente favorável. Para isso são necessárias as reformas previdenciária e tributária, mas isso deve ficar para 2018”, ponderou.

Para o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, Temer precisa se organizar para buscar apoio. “Não adianta fazer um governo de coalizão só com DEM e PSDB. Precisa trazer os dissidentes da base aliada e dividir o ônus e o bônus. Trabalhar para ter uma proposta de unidade”, comentou. Agostini alertou que as medidas necessárias podem ser impopulares, mas são fundamentais para criar um ambiente de retomada do crescimento. “Veja o exemplo de países como Grécia, Espanha e Portugal. Todos tiveram que atender a uma cartilha ortodoxa. No Brasil, não será diferente porque, no passado, não foi feita a lição de casa. O governo Dilma foi muito benevolente com o dinheiro público e a dívida virou uma bola de neve. Se não mexer agora, ficará impagável”, alertou.

Faxina

Aumento de impostos, com a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) e novas alíquotas para Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina, discussão de privatização de empresas públicas e reformulação de programas sociais são algumas das medidas necessárias, conforme Agostini. “Logo de cara, Temer precisa fazer uma faxina geral, fechar ministérios, reduzir cargos comissionados, mexer nas diretorias das estatais”, enumerou.

No entender do economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, não há falta de legitimidade e Temer tem que começar “governando de verdade”. “Discordo da ideia de que, pelo fato de não ter sido eleito, não teria legitimidade. Itamar Franco conseguiu”, comparou. Para Camargo, Temer deve começar o governo de transição enviando ao Congresso Nacional todos os projetos necessários o mais rapidamente possível.

“Ele tem que encaminhar a reforma orçamentária, reduzindo cargos e ministérios. Precisa enviar um projeto trocando o sistema de partilha para o antigo regime de concessão na Petrobras. E indicar ministros e presidentes de estatais não só honestos, mas também eficientes para fazer os ajustes. Mostrar para a sociedade que ele está disposto a mudar, e mudar rápido”, justificou. Camargo também sugeriu trocar a criação da CPMF pelo aumento da Cide, que não precisa de aprovação do Congresso. “A reação do mercado e da sociedade vai ser boa”, projetou.