PERMISSÃO PARA UTILIZAÇÃO DO FGTS EM OPERAÇÕES CONSIGNADAS

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O Ministério do Planejamento informou, por meio de nota que, o governo federal proporá ao Congresso Nacional que o trabalhador possa utilizar sua multa rescisória, correspondente a 40% do saldo acumulado, e até 10% do saldo da sua conta vinculada ao FGTS para prestar garantia em operações de crédito consignado.

 

A medida tem potencial para desenvolver o crédito consignado no setor privado brasileiro. Essa modalidade de crédito foi prevista na Medida Provisória nº 130, de 17 de setembro de 2003, convertida na Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, e permitiu o desconto em folha de prestações de operações de crédito.

 

A permissão para desconto das prestações diretamente na folha de pagamento elevou o nível de garantia das operações e levou à redução na taxa de juros média das operações e à expansão do crédito no país.

 

A evolução do crédito em razão dessa medida se deu basicamente junto aos servidores públicos e aos aposentados e pensionistas, com resultados tímidos junto aos trabalhadores da iniciativa privada.

 

Isso ocorreu porque no Brasil a rotatividade no mercado de trabalho ainda é alta. A possibilidade de dispensa do emprego mantém elevado o risco dessa modalidade, o que limita sua expansão na proporção imaginada à época.

 

A proposta de utilizar a multa do FGTS e parte do saldo da conta vinculada tem como objetivo prestar uma garantia de qualidade a esse segmento com vistas à redução do risco da operação e à melhoria das condições de crédito para os trabalhadores da iniciativa privada.

 

Pela legislação em vigor, a existência da multa de 40% não possui efeito patrimonial sobre as famílias. Esse é um ativo contingente que deveria ser passível de utilização pelo trabalhador caso ele deseje. A medida proposta permitirá que o mercado de crédito possa precificar riscos e oferecer crédito de forma mais adequada aos trabalhadores da iniciativa privada.

 

Situação do Crédito à Pessoa Física no Brasil

Segundo os dados do Banco Central, sintetizados na Tabela 1, as operações consignadas de crédito responderam por R$ 132,6 bilhões em novas operações de crédito em 2015. Desse total, R$ 80,7 bilhões foram para servidores públicos (61%), R$ 42,1 bilhões foram para aposentados e pensionistas (32%) e apenas R$ 9,8 bilhões para trabalhadores do setor privado (7%).

 

Ao mesmo tempo as informações de inadimplência mostram que, de fato, existe diferença significativa no risco entre os segmentos dessas operações. A inadimplência do consignado no setor privado é mais de duas vezes superior à das outras modalidades.

 

Os dados mostram, portanto, a existência de uma assimetria nas relações de crédito consignado entre seus vários segmentos. Levando todos esses aspectos em consideração, conclui-se que a modalidade de consignado para o setor privado possui elevado potencial de desenvolvimento se seus riscos forem mitigados.

 

Tabela 1- Operações de crédito consignadas para PF

Fonte: BCB.

 

Em relação ao comportamento geral do crédito para pessoas físicas, é possível constatar que ao longo do ciclo econômico do último ano ocorreu uma queda muito forte nas operações com menor risco, elevando a participação das operações com maior risco na carteira das pessoas físicas. A Tabela 2 apresenta a evolução do crédito a pessoas físicas conforme o nível de risco inerente à modalidade.

 

Tabela 2 – Comportamento do crédito PF conforme nível de risco

 

A possibilidade de utilizar uma parcela do FGTS como garantia nas operações consignadas permite a substituição de dívidas caras por dívidas mais baratas, melhorando o perfil de crédito das pessoas físicas e reduzindo o comprometimento de sua renda.

 

Por exemplo, um trabalhador do setor privado que hoje recorre a uma operação de crédito pessoal não consignado, cuja taxa de juros média anual gira em torno de 117,6%, pode em muito se beneficiar se lhe for fornecida uma linha de crédito consignado, cuja taxa de juros média anual, ainda que elevada frente aos demais segmentos de consignado, gira em torno de 41,3%.

 

Vamos recorrer a uma simulação para deixar mais palpável essa afirmação. Suponha um trabalhador da iniciativa privada que possui uma dívida de R$ 5.000,00 no CDC (Crédito Direto ao Consumidor) com prazo de pagamento de 36 meses. Esse trabalhador recebe a oferta de uma linha de crédito consignado para quitar sua dívida antiga e assumir uma nova.

 

Mantido o mesmo prazo de pagamento restante da operação original (36 meses), a prestação mensal do trabalhador teria uma redução de quase 40%, passando de R$ 370,65 para R$ 226,39. O comprometimento da renda mensal do trabalhador com a prestação cairia de 20% para apenas 12%. Além disso, a soma dos valores economizados mensalmente com a nova prestação superaria o valor original da dívida, alcançando quase R$ 5.200,00 ao fim dos 36 meses. A Tabela 3 sintetiza essa simulação.

Tabela 3 – Simulação de Operação de Crédito

 

Vale notar que, com a utilização de parcela do FGTS como garantia, a taxa de juros do crédito consignado tenderia a se reduzir ainda mais para o trabalhador do setor privado. Afinal, a simulação foi feita com a taxa de juros atuais, de 41,3%, mas a garantia de parcela do FGTS deve diminuir a taxa de juros dessas operações. Com isso, as prestações mensais seriam ainda menores do que as previstas nessa simulação.

 

Panorama recente do crédito e impacto potencial da medida

Em nível macroeconômico, observa-se uma queda relevante do crédito no País. O saldo real terminou o ano de 2015 apresentando redução real tanto na modalidade de crédito livre quanto na de crédito direcionado. O Gráfico 1 mostra que o ano de 2015 é o primeiro ano da série histórica recente em que se observa diminuição no saldo das operações de crédito.

 

Gráfico 1 – Crescimento real do saldo das operações de crédito

O impacto da garantia do FGTS no consignado irá depender do comportamento das famílias e das instituições de crédito. Alguns cenários mostram, no entanto, que a medida tem grande impacto positivo para desenvolver as operações consignadas do setor privado.

 

A Tabela 4, com alguns cenários, mostra que, se apenas 10% dos trabalhadores utilizarem suas garantias para o consignado e os bancos não alavancarem essas garantias, o potencial de novas operações pode chegar a R$ 17 bilhões, o que corresponde a quase duas vezes o total de consignado privado concedido em 2015.

 

Tabela 4 – Potencial de novos empréstimos (em R$ bi)

Fonte: MF.

 

Impacto sobre o FGTS

O funcionamento do consignado para trabalhadores privados com garantia do FGTS funcionará da seguinte forma:

 

  • Os empréstimos continuariam sendo pagos mediante o desconto de um percentual fixo do salário do trabalhador, como já acontece hoje.
  • Os trabalhadores têm acesso a esses recursos do FGTS em condições especiais ou em caso de demissão.
  • Além dos recursos depositados no FGTS, os trabalhadores do setor privado também têm direito a uma multa em caso de demissão sem justa causa, de 40% do valor da sua conta.
  • Somente no caso de demissão sem justa causa, o trabalhador poderia utilizar o valor da multa como garantia para as operações.
  • Em caso de demissão a pedido do trabalhador, existem duas situações: (i) na primeira em que o trabalhador solicita o desligamento porque tem uma nova oportunidade de emprego e continua tendo condições de honrar o empréstimo; e (ii) na segunda em que opta por ficar fora do mercado de trabalho, mas esse é um risco passível de precificação e também ocorre no funcionalismo público, pois o servidor também pode pedir demissão do serviço público.

 

Hoje há aproximadamente R$ 340 bi depositados nas contas individuais do FGTS.

 

O impacto desta medida é o seguinte:

  • Com base no saldo atual do FGTS, os 40% da multa por demissão sem justa causa e os 10% dos depósitos correspondem a R$ 170 bilhões.
  • Se apenas 10% dos recursos forem dados como garantia, sem nenhuma alavancagem pelo mercado financeiro, isso viabilizaria R$ 17 bilhões em operações de crédito consignado para os trabalhadores do setor privado.
  • Essa estimativa de 10% de participação não significa que o FGTS irá perder R$ 17 bilhões. Afinal, 80% desses recursos correspondem à multa por desligamento sem justa causa e, portanto, não compõem o saldo do Fundo. Apenas os 20% restantes, que seriam os 10% do saldo da conta do trabalhador, seriam oriundos do Fundo, mas esses valores já são de livre utilização pelo trabalhador nos casos de demissão sem justa causa.
  • Assim, a execução dessas garantias não possui impacto adicional no Fundo, pois o trabalhador sacaria os recursos do mesmo jeito. Além disso, na medida em que o crescimento do consignado gere novas operações de crédito e mais atividade econômica, o emprego pode se recuperar e contribuir para elevar a arrecadação do FGTS, tendo, portanto, efeito líquido positivo sobre o fundo.

 

Conclusões

Os recursos e direitos do FGTS já existem e, se destinados como garantia ao consignado, podem ser utilizados para reduzir as taxas de juros cobradas em empréstimos para os trabalhadores do setor privado.

 

Não há saída nova de recursos do FGTS, apenas uma utilização mais eficaz dos recursos e direitos já existentes.

 

Essa medida tem por objetivo dar mais escolha aos trabalhadores, que poderão optar por tomar ou não empréstimos e, caso a decisão seja pelo empréstimo, se querem ou não utilizar seus direitos junto ao FGTS para pagar menos juros.

 

Para entrar em vigor, a medida precisa passar por uma série de avaliações:

1)    Aprovação pelo Congresso Nacional

2)    Regulamentação pelo Conselho Curador do FGTS

3)    Desenvolvimento de produtos (empréstimos) por parte das instituições financeiras

4)    Avaliação pessoal de cada trabalhador

 

Essa medida também é boa para a sustentação do FGTS, pois ela incentiva alguma recuperação no consumo e na renda, bem como uma redução no nível de endividamento das famílias, o que, ao final, gerará mais empregos e contribuições para o FGTS.