RPPS NÃO É DEFICITÁRIO, AFIRMAM SERVIDORES

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Tem razão o servidor quando diz que o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) praticamente não seria deficitário se o bolo de contribuição do funcionalismo tivesse uma administração eficiente – aplicação financeira dos recursos -, se a cada transferência de pessoal entre as três instâncias (União, Estados e municípios) também fossem carregadas as contribuições individuais e se o governo federal entrasse à altura com o aporte patronal, como qualquer empregador da iniciativa privada é legalmente obrigado a fazer. Diante desse quadro, os números que tratam de insuficiência de recursos e de saldo devedor, segundo especialistas, não podem ser analisados friamente. Precisam ser inseridos no contexto histórico.

Em 2014, conforme dados do Ministério da Fazenda, o Regime Geral da Previdência (RGPS, dos trabalhadores na que se aposentam pelo INSS), que atende 25,2 milhões de pessoas, tinha um rombo de R$ 56,7 bilhões. Já o RPPS, que protege apenas pouco mais de 1 milhão de funcionários públicos, registrou um buraco muito maior: de R$ 63,4 bilhões. Em 2015, até novembro, segundo o Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Tesouro Nacional, as despesas já tinham aumentado para R$ 67,4 milhões. A previsão é de fechar o ano em R$ 69,4 bilhões. O quadro parece mais grave quando se constata que o RGPS faz anualmente transferências milionárias para o RPPS – são repasses dos valores pagos pelos servidores antes da aprovação em concurso público.

Já do RPPS para o RGPS, o repasse é bem menor, R$ 37,4 milhões, aponta o Relatório do Tesouro. O motivo, dizem especialistas, é que há menos pessoas saindo do serviço público para a iniciativa privada.“Há uma visão míope de alguns analistas. A tendência é olhar os números e, ao perceber a significativa transferência de recursos do RGPS para o RPPS, vem a constatação apressada de que a previdência pública está tirando o dinheiro da aposentadoria do cidadão. Quando, na verdade, acontece exatamente o contrário. É o RPPS que sai prejudicado nessa transação”, explicou Marcelo Barroso, procurador do Estado de Minas Gerais e autor do livro Regime Próprio de Previdência Social do Servidor Público, pela Editora Juruá, na sexta edição.

Segundo Barroso, os desarranjos começaram com a Lei 9.796/99, conhecida como Lei Hauly – trata da compensação financeira entre RGPS e RPPS -, que criou três entraves. Em primeiro lugar, a lei prevê somente a compensação entre o RGPS eu RPPS, mas não entre os regimes próprios de União, Estados e municípios, quando o servidor muda de instância – os mais de dois mil regimes existentes não se falam. Também proibiu contrapartidas anteriores à Constituição de 1988, quando grande parte de servidores migrou de estados e municípios para a União. “O montante das contribuições passadas não acompanhou os trabalhadores. Isso criou uma desordem porque o servidor tem o direito ao seu tempo de serviço, pelo simples fato de ter contribuído. Mas caberá ao RPPS a responsabilidade de cobrir a lacuna financeira, se houver”, destacou o procurador.

 

Transferência improvável

Além disso, reforçou Barroso, a princípio, o regime instituidor – que vai pagar o benefício – poderá buscar o dinheiro na origem – apenas quando se trata do RGPS. “No dia a dia, no entanto, tudo depende de uma parafernália de documentação, porque a maioria não está digitalizada. Dessa forma, a transferência nem sempre acontece, na prática”, revelou. O advogado Nazário Nicolau Maia Gonçalves de Faria, diretor do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), também compartilha da opinião de que é preciso cautela ao analisar os impactos financeiros nessas operações de repasse de recursos.

O RGPS, ao perder contribuintes para o serviço público, não aprofunda o seu déficit como muitos pensam. Ao contrário, acaba levando vantagem porque sua responsabilidade cessa ali. Deixará de pagar uma quantidade significativa de aposentadorias e pensões futuras, lembrou. O risco dos regimes de previdência é outro, disse. Muito mais pelo pagamento de pensão a quem não contribuiu. Casos como o de um cliente que, aos 86 anos e aposentado há 23 anos, está casado com uma mulher de 50. “Que poderá viver ainda pelo menos 30 anos recebendo pensão. Sendo que nem ele nem ela contribuíram para tal. Esse é um exemplo de cidadão que gera prejuízo, apontou.

Sandro Alex de Oliveira Cézar, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) garante que dados apurados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e também pela Receita Federal comprovam que “não existe déficit na previdência dos servidores”. “O problema é que um dos participantes do sistema, que é a União, não coloca a sua parte regularmente para o dinheiro ir rendendo. Se eu contribuio apenas com 11% do salário, a conta não fecha”, disse. Outro ponta solta, disse, é o “buraco negro” onde cai o dinheiro do servidor. “Não existia um fundo. Os recursos iam para o caixa do Tesouro e viravam receita líquida da União para pagar despesas diversas. Não tem regime que resista a isso”, criticou.

A previdência dos servidores também sofre o impacto da melhoria salarial dos que optam pela estabilidade, no entender de Sandro Cézar. “As pessoas vêm para a administração pública por melhores remunerações. Para algumas carreiras, os salários da iniciativa privada não são tão valorosos como os do funcionalismo. Por isso, quando trazem uma contribuição baixa do RGPS, que normalmente não está à altura do novo salário com o qual irão se aposentar, aprofundam os problemas. E pior ainda quando se trata de servidores de estados e municípios que só trazem o tempo de serviço”, ironizou.

As regras mudaram desde a criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp). A contribuição do novo servidor pode ser de 7,5%, 8% ou 8,5% sobre o salário de participação – calculado sobre a diferença da remuneração subtraindo o valor do teto do INSS (R$ 5.189,82). A previsão dos analistas é de que a previdência pública comece a ficar equilibrada a partir de 2044. “Atualmente, praticamente há um ativo para um aposentado. A proporção deveria ser de pelo menos oito para um”, disse Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado. “A questão é que o brasileiro não tem cultura previdenciária. Dos que entraram a partir de 2013, apenas 40% aderiam ao Funpresp. É preciso que todos se preocupem com o futuro. Quanto mais cedo aderir a um fundo de previdência, seja qual for, melhor”, aconselhou.