“A demora na decisão do tema no Supremo provoca, além da espera por anos do direito constitucional ao aumento de valor do benefício, um outro drama social: muitos aposentados estão sendo vitimados pela covid-19 sem saber se terão ou não o direito ao aumento de seus benefícios”
João Badari*
Milhares de aposentados brasileiros aguardam há três meses um voto do ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), que pediu vistas no julgamento, no último dia 11 de junho, sobre a validade constitucional da “revisão da vida toda” nos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O placar na Corte Superior é de cinco a cinco.
A questão principal discutida é que jamais uma regra de transição pode ser mais desfavorável ao segurado do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que a permanente, ferindo o princípio constitucional da segurança jurídica, assegurado em nosso artigo 5º, XXXVI.
Este é o principal ponto que a sociedade brasileira espera do Supremo Tribunal Federal, a garantia de um preceito fundamental: a segurança jurídica. Pilar do Estado Democrático de Direito.
O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, votou a favor da revisão alegando que os aposentados que se enquadram nos requisitos para a revisão têm direito a escolher o benefício mais vantajoso. Com ele, votaram as ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski. Já os ministros Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Luiz Fux seguiram o voto divergente do ministro Nunes Marques. Este voto se baseou em dados econômicos trazidos pelo INSS no processo.
Alexandre de Moraes dará o voto desempate e resolverá a questão.
O princípio da segurança abrange a ideia da confiança e previsibilidade, por meio da qual o cidadão tem o direito de poder confiar em que aos seus atos e decisões incidentes sobre seus direitos se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas normas. Trazendo também a ideia da proteção no caso de uma mudança legislativa, em que a regra de transição abranda efeitos trazidos pela nova lei, jamais agrava.
Essa revisão inclui os salários de contribuição anteriores a julho de 1994 no cálculo dos benefícios e é válida para trabalhadores que se aposentaram após 1999 e não puderam computar em seu benefício os salários de contribuição anteriores a 1994. Isso porque o INSS realizou cálculo com valores recolhidos após o início do Plano Real.
É uma ação que se aplica a um número reduzido de aposentados, pois se trata de uma ação de exceção, onde quem recebia mais no início da carreira e seus ganhos diminuíram ao longo dos anos foi prejudicado. Se torna também uma ação reduzida pela decadência decenal, ou seja, se o primeiro pagamento de benefício já tem mais de 10 anos não caberá a propositura da ação.
Porém, mesmo com um número reduzido de beneficiados com a revisão, toda sociedade aguarda seu desfecho, pois a garantia constitucional da segurança jurídica está em jogo. E o Supremo Tribunal Federal sempre se mostrou um guardião deste preceito.
A demora na decisão do tema no Supremo provoca, além da espera por anos do direito constitucional ao aumento de valor do benefício, um outro drama social: muitos aposentados estão sendo vitimados pela covid-19 sem saber se terão ou não o direito ao aumento de seus benefícios.
No país estamos chegando ao número de 600 mil mortes no Brasil em razão da covid-19, onde a maior parcela é de idosos. Em janeiro de 2021, o número de mortes de aposentados pelo INSS foi 31,01% superior ao ano de 2020. Em fevereiro deste ano, o aumento foi de 21,8% se comparado ao ano de 2020.
Estudo do IPEA aponta que 73,8% das mortes relacionadas a covid-19 são de pessoas com mais de 60 anos. Muitos aposentados que aguardavam a solução de seu direito vieram a falecer, e a cada dia de espera este número irá aumentar.
Entendemos o momento atípico que estamos passando, e também o grandioso número de processos a serem julgados pelo Supremo, mas aqui estamos tratando de um direito fundamental, e principalmente alimentar de pessoas com idades avançadas.
Os dias de espera para um direito que pode garantir dignidade ao aposentado, se tornam muito longos. E o tempo se torna uma negativa tácita ao estado efetivar o cumprimento de garantias constitucionais.
Com o passar dos meses, a revisão da vida toda está sendo massacrado pela decadência. Com a espera pela decisão final por parte da Corte Constitucional, e a esperança da segurança jurídica garantir a majoração de seus benefícios, muitos aposentados não poderão exigir este direito. Pois a cada dia de espera, mais benefícios ultrapassam o prazo de concessão em 10 anos, vindo a decair.
Por isso, o voto do ministro Alexandre de Moraes, que vem se mostrando um verdadeiro guardião da Constituição Federal, é fundamental para garantir esse direito dos aposentados e do princípio da segurança jurídica.
Importante lembrar também que a “Revisão da Vida Toda” teve o parecer favorável da Procuradoria Geral da República (PGR), que seguiu o entendimento dado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado.
Na exposição de motivos do projeto da Lei 9.876/99, a regra transitória esculpida pelo artigo 3º teria a função teleológica de favorecer o segurado já filiado ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) antes da sua vigência. Tal aspiração se acharia em evidente harmonia com a finalidade típica das normas de transição dos regimes previdenciários, que possuem por finalidade trazer segurança jurídica para as relações. O STF homenageou esse raciocínio, quando foi chamado para analisar a questão do pedágio na aposentadoria por tempo de contribuição, entendendo que não se aplica a regra de transição por ser mais gravosa. Ele sempre entendeu como absurda tal ocorrência.
Merece destaque o trecho do RE 524.189, com relatoria do saudoso ministro Teori Zavascki, julgado por unanimidade: “As regras de transição editadas pelo constituinte derivado, são na verdade mais gravosas que a regra geral inserida na EC 20 de 1998.” E continua: “a própria regra de transição da aposentadoria proporcional, por absurdo, continha requisitos não previstos no texto legal do que a aposentadoria integral”.
Na presente revisão também encontramos amparo do princípio da contrapartida, que o Supremo Tribunal Federal defende em seus julgados. Quando o segurado faz pagamento aos cofres do INSS, obrigatoriamente este deve ter uma contrapartida.
Contribuição exige retribuição, e alguns segurados sem um motivo justo e fundamentado tiveram seus salários de contribuição anteriores ao Plano Real descartados.
Finalmente, vale destacar o princípio constitucional da isonomia, presente no artigo 5º de nossa Constituição Federal. Ele trata da garantia constitucional de tratamento igualitário às pessoas que se encontram em uma mesma situação, não podendo ser aplicado ao segurado que contribuiu por décadas uma regra mais desfavorável do que a daquele que nunca contribuiu.
Pelo princípio da isonomia, você deve pelo menos equiparar as situações, aplicando aos dois a mesma regra, que estão no mesmo regramento legal, e não distinto.
E esses princípios já foram votados e aprovados por ministros do Superior Tribunal de Justiça (de forma unânime), pela Defensoria Pública da União, pelo Procurador-Geral da República e até mesmo por cinco ministros do Supremo Tribunal Federal (incluindo o relator).
Portanto, é importante que esse julgamento seja pautado no Supremo o mais rápido possível para que se faça Justiça e se garanta a segurança jurídica ao aposentado brasileiro, com base no texto constitucional. Confiamos no Supremo Tribunal Federal em proteger nossas garantias pétreas e fundamentais.
*João Badari – Advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
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