Ao ligar a televisão na novela você se depara com um empresário que faz de tudo para se dar bem, mantém contas ilegais no exterior, suborna quem estiver atrapalhando os planos dele. Outra personagem é uma ricaça que exala preconceitos contra o Brasil, pobres, gays. Na mesma trama, uma jovem tem um único propósito na vida: ficar rica, nem que isso lhe custe a dignidade e a relação com a mãe, constantemente humilhada.
Estamos falando de uma trama atualíssima, que se passa nos dias de hoje e retrata a crise que assola o Brasil contemporâneo, certo? Infelizmente, não. Estamos falando de Vale tudo, novela que, em 1988, já expunha as fragilidades humanas e a corrupção brasileira ainda em voga com personagens como o empresário Marco Aurélio Catanhede (Reginaldo Faria), que termina a trama escrita por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères a bordo de um jatinho particular dando uma “banana” para o país.
Para comemorar os 30 anos de Vale tudo ー um clássico bem escrito e bem interpretado que parou o país ー, o canal Viva reprisa o folhetim de segunda a sábado, às 15h30 e à 0h30. No livro A seguir, cenas do próximo capítulo, de André Bernardo e Cintia Lopes, Gilberto Braga define Vale tudo como “a novela mais forte que eu fiz”. Nas redes sociais Aguinaldo Silva comemorou a volta da trama ao canal Viva, dizendo que esse trabalho “mudou as nossas vidas”.
Também nas redes sociais, a atriz Glória Pires que brilhou como a interesseira Maria de Fátima, comentou que “é impressionante como Vale Tudo é atemporal. Tudo nessa novela se encaixa: elenco, enredo, trilha sonora e personagens emblemáticos”.
Ao Próximo Capítulo, o ator Paulo Reis, que estreava na tevê como o fotógrafo Olavo Jardim lamenta tal contemporaneidade de Vale tudo. “É assustador. É muito triste que 30 anos depois ela continue tão atual. É claro que tem o lado de a gente ficar envaidecido pelo trabalho não envelhecer, mas isso não é bom para o país”, reflete Paulo.
O personagem de Paulo estava diretamente ligado ao crime que movimentou os últimos nove capítulos de Vale tudo. O país inteiro se perguntava quem havia assassinado Odete Roitman, a vilã preconceituosa interpretada por Beatriz Segall definida por Paulo como uma “Bolsonara”, em alusão ao deputado Jair Bolsonaro.
Um dos suspeitos do crime era Olavo. Paulo Reis lembra que, para despistar a imprensa, o elenco só recebeu o texto dos últimos capítulos que cada um gravaria e não o roteiro inteiro, como é de costume. Além disso, finais falsos foram escritos e os atores que interpretavam os suspeitos, reunidos nos estúdios da Globo até pouco antes da exibição do capítulo.
Foi aí que Paulo sentiu o gostinho (mesmo que falso) de ter matado Odete Roitman. “Faltando três dias para o último capítulo recebi um roteiro em que o Olavo matava Odete. Fiquei eufórico com aquela possibilidade. Eu não tinha experiência nenhuma na tevê e estava vivendo um sonho”, conta o ator.
No dia seguinte, Paulo se encontrou com uma amiga jornalista que disse que estava participando de um bolão na empresa onde ela trabalhava para desvendar o mistério do assassinato da personagem. Para ajudar a amiga, Paulo contou que havia sido Olavo o assassino. Mas ela não perdeu a oportunidade de dar a notícia em primeira mão e ー no que chamamos no jargão jornalístico de “barriga” ー estampou em uma das manchetes do jornal uma foto de Paulo dizendo “Eu matei Odete Roitman”.
Logo mais, à noite, o Brasil soube quem era o real assassino (não vamos dizer quem apertou o gatilho, fique tranquilo), num final surpreendente. O suspense havia acabado, o criminoso revelado. Mas Vale tudo havia passado o Brasil a limpo. Não só o Brasil de 1988, mas também, mesmo sem saber, o Brasil de 2018 estava mostrando a cara na tevê.
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