Com a exibição do último capítulo do terceiro ano de The handmaid’s tale, chega a hora de caminhar por essa história que termina mais uma fase com um balanço positivo
CUIDADO O CONTEÚDO ABAIXO CONTÉM SPOILERS DA TERCEIRA TEMPORADA! — Lembrando que a série está sendo exibida no Brasil pelo Paramount Channel. Saiba mais aqui!
A terceira temporada de The handmaid’s tale tinha muito o que entregar. Os acontecimentos do segundo ano da produção deixaram alguns fãs, no mínimo, estressados. A decisão de June perante a permanência em Gilead chateou uma grande parcela do público, e no novo ano tal ação deveria ser muito bem explicada.
A permanência de June (Elisabeth Moss) no local teve um propósito interessante para a história: a personagem passou por uma transformação profunda. Essa mudança, muito bem trabalhada ao longo dos 13 episódios do terceiro ano, tirou a protagonista de uma vítima de Gilead para se tornar uma das maiores algozes que o estado teocrático poderia imaginar.
As consequências da saída de Holly
Os primeiros episódios da terceira temporada da série se voltaram para as ambíguas consequências da saída do bebê Holly de Gilead. Para começar, a principal delas: o arrependimento de Serena (Yvonne Strahovski). Se no fim da segunda temporada, a mulher ajudou a pequena a escapar (graças ao dedo perdido e o vislumbre de uma trágica vida da “filha” em uma sociedade como aquela), neste terceiro ano, Serena tem de lidar com a sua maior obsessão ainda mais latente: a ser mãe.
A vontade é tão grande, que nem mesmo as perturbações do marido a impedem de buscar uma reconciliação, e então o retorno da bebê. Agora, mais fortes do que nunca — depois de alguns perrengues no início da temporada –, os Waterfords estão unidos e levantaram a lona de um grande circo para mostrar ao mundo como o Canadá “roubou” a recém-nascida, e que Gilead faria de tudo para ter a pequena de volta.
O plano do casal deu certo. Agora, com os olhos dos “peixes grandes” de Gilead, Fread (Joseph Fiennes) sente cada vez mais de perto o poder do comando absoluto de Gilead — com o apoio de George Winslow (Christopher Meloni) — e passa a ter como principal objetivo o topo daquela cadeia de poder, mesmo que isso possa significar o não retorno da “filha”.
“Idiota”, contudo, nunca foi um adjetivo que coube a Serena, e dessa vez não seria diferente. Percebendo a morosidade do marido em busca de uma ação mais efetiva pelo retorno de Holly, a cada vez maior afeição pelo poder em detrimento da “família”, a mulher decide tomar as rédeas da situação, mesmo que isso signifique trair o companheiro.
June: a grande mudança e as 52 crianças
Se as consequências da saída Holly de Gilead afetaram os Waterfords acentuadamente, com June (a mãe da criança), a ação foi muito mais assertiva. Nos primeiros episódios, o grande foco da mulher é resgatar Hannah (Jordana Blake), a filha mais velha. Contudo, com a traição de uma aia e o afastamento definitivo da filha, a protagonista sente um golpe inédito até então: a falta de esperanças de ter de volta qualquer uma das filhas.
A resposta então vem por meio da vingança a Gilead. Obviamente que desde o piloto já existiam razões suficientes para que June odiasse aquele estado, porém, agora a mulher percebeu que ter as filhas está quase impossível, então decidiu atacar Gilead da forma que mais lhe doeria: com a perda de 52 crianças.
A princípio, o plano da ex-editora parece uma loucura. Mas o enredo soube trabalhar muito bem esse plano pela transformação de June, de uma mulher que era essencialmente uma vítima a um “monstro” que a própria Gilead criou.
Seja com a aceitação fria do estupro por Lawrence (Bradley Whitford), seja pelo assassinato de George, pelo assassinato de Eleonor (Julie Dretzin), pelo enfrentamento a Serena e tantos outros detalhes vistos ao longo de 13 episódios, uma coisa ficou clara: June não tem mais limites para ferir Gilead, mesmo que para isso tenha de machucar todos ao seu redor.
Altos, baixos e o último episódio da terceira temporada de The handmaid’s tale
Dizer que The handmaid’s tale é um exemplo de perfeição seria um erro. De novo, o final ficou preso a um morre-não-morre de June, que já perdeu a graça há três temporadas. De novo, o público ficou com aquela pulga atrás da orelha sobre a ousadia e as poucas consequências que a mulher sofre. As cenas toscas (como a sequência do apedrejamento no último episódio, ou até mesmo a prisão de Serena no final por algo completamente sem sentido algum) tiraram o ritmo distópico, que é tão difícil de ser construído.
A graça desta terceira temporada, entretanto, é que todos esses pontos negativos não foram o suficiente para limitar as grandes qualidades da série. Desenvolver uma mudança de personalidade tão profunda quanto a que a protagonista sofreu não é fácil, mas os roteiristas conseguiram tirar o desafio de letra. O quarto ano deve ampliar esse caminho.
Para os que dizem que a história é “parada” e que não tem mais para onde se aprofundar: nada mais injusto. Conhecer Gilead mais a fundo — como conhecemos no excelente episódio da capital Washington D.C —, assim como conhecer o passado de personagens chaves, mas nunca antes explorados (como o da Tia Lydia) trouxe um frescor de renovação e controle para a série que, ouso dizer, fez dessa terceira temporada algo melhor do que a segunda.
O último episódio trouxe o que há três anos o público clamava para ver: uma derrocada de Gilead. Não se sabe se esse foi o primeiro prego no caixão do estado teocrático (acredito que sim), mas a retirada das 52 crianças de Gilead trouxe uma sensação de satisfação que poucas vezes a série permitiu o público sentir, e apesar de todo o contexto piegas (com aquela trilha triste e toda a choradeira), foi algo prazeroso de ser ver, exatamente por ser tão dosado.
A conclusão da terceira temporada fica então com uma das várias metáforas da produção para mostrar o quão forte a união feminina pode ser. O corpo baleado de June sendo carregado pelas outras parceiras aias mostrou que o jogo virou para Gilead, e que para o jogo do entretenimento, a produção ainda tem mais um ano de luta para travar com o público.